Tem dinheiro público, sim, senhor

copa

Por Bruno Fonseca, Ciro Barros, Giulia Afiune, Jessica Mota, da Agência Pública

Governos estaduais usaram dinheiro público nas obras de 10 dos 12 estádios da Copa do Mundo. O gasto público estadual usado na construção das arenas soma pelo menos R$ 4,8 bilhões, segundo informações levantadas pela Pública entre o fim de maio e o início de junho no Portal da Transparência da Copa, de responsabilidade da Controladoria-Geral da União (CGU), nos contratos, diários oficiais, relatórios dos Tribunais de Contas Estaduais e acórdãos do Tribunal de Contas da União. A conta inclui as despesas relacionadas a empréstimos e investimentos diretos.

Em sete arenas, os governos estaduais assumiram dívidas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Juntos, Amazonas, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Paraná, Pernambuco e Rio de Janeiro pegaram R$ 2,3 bilhões em empréstimos com o banco, que serão quitados somente entre 2025 e 2027. A quantia será paga com recursos desses governos. O Rio de Janeiro também tomou um empréstimo com o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) no valor de R$ 250 milhões e usou uma porcentagem de um empréstimo de R$ 1,2 bilhão com a Caixa Econômica Federal para bancar a reforma do Maracanã.

Seis estados também firmaram parcerias público-privadas (PPPs) com empresas responsáveis pela construção e administração dos estádios, que serão remuneradas para isso. Estes contratos preveem pagamentos milionários feitos pelo poder público nos próximos anos.

Apesar dos sucessivos contatos da Pública com as secretarias estaduais responsáveis pelas obras e com os tribunais de contas estaduais (TCEs), em apenas seis casos foi confirmado o volume de recursos que o estado injetou diretamente nas arenas. Estas informações foram divulgadas pelos estados Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Mato Grosso e Paraná.

A dívida pública com a Copa só começou a ser admitida recentemente pelo governo federal, que mantinha um discurso bem diferente. “Não haverá um centavo de dinheiro público para os estádios da Copa”, falou o ministro do Esporte, Orlando Silva, em 2007. As declarações oficiais mudaram este ano. Recentemente, a presidenta Dilma Rousseff disse ao jornal português Público que nem “meio estádio” sairia sem dinheiro público. O secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, deu uma explicação semelhante em entrevista ao UOL. “Havia uma pretensão, uma expectativa de que pudéssemos mobilizar a iniciativa privada para que ela desse conta [dos investimentos em estádios], (…) [mas] houve uma contradição entre o que se esperava e a realidade”, afirmou.

Na visão de Gil Castello Branco, fundador da Associação Contas Abertas, entidade não-governamental que fiscaliza e estuda gastos do Estado, o discurso oficial confunde a população sobre o real custo das arenas da Copa para os cofres públicos. “O gasto público não está sendo divulgado de forma clara. Muitas vezes vemos na internet que os estádios foram custeados com financiamentos e que serão pagos. Quando houve as manifestações de junho, a presidente foi a público dizer que não existem recursos do orçamento federal para estádios. Ela foi cirúrgica nessa declaração porque existem os financiamentos federais, mas existem os recursos dos orçamentos estaduais, municipais e do Distrito Federal que são dinheiro público, sim”, critica. Ele ainda ressalta que os empréstimos do BNDES ocorrem sob condições especiais de juros, em uma linha de financiamento criada exclusivamente para as arenas da Copa.

Houve casos em que os poderes estaduais tiveram que bancar completamente as obras, endividando-se com o BNDES e destinando verbas de seus cofres diretamente para os estádios. Para a construção da Arena da Amazônia, em Manaus, o governo recebeu R$ 400 milhões do BNDES, além dos R$ 269 milhões que estavam previstos para serem gastos na obra com dinheiro do tesouro estadual, segundo dados da CGU. Já o governo do Mato Grosso gastou R$ 286,3 milhões na Arena Pantanal, em Cuiabá, e ainda firmou um empréstimo de R$ 337,9 milhões com o banco.

Sandro Cabral, professor da Escola de Administração e coordenador de grupo de pesquisa sobre o legado das Arenas da Copa na Universidade Federal da Bahia (UFBA), acredita que a iniciativa privada percebeu que esses empreendimentos não eram vantajosos e não quis se comprometer com a construção ou operação dos estádios de Manaus e Cuiabá. “Esses casos nem atratividade para PPPs tiveram. Foram 100% públicos porque você não tem um campeonato local ou um clube de expressão que seja capaz de atrair jogos. A alternativa que sobrou foi fazer o governo investir”, aponta.

Os governos da Bahia, do Ceará e de Pernambuco também precisaram contratar empréstimos com o BNDES para ressarcir a iniciativa privada – responsável pelas obras das suas respectivas arenas, construídas no formato de parcerias público-privadas. O Maracanã, no Rio de Janeiro, é um caso à parte: depois de uma bilionária reforma bancada exclusivamente com recursos públicos, o governo do Rio concedeu o estádio à iniciativa privada por 35 anos.

Os contratos das PPPs de seis arenas também exigem que os governos estaduais paguem os parceiros privados por seus serviços. Esse valor, chamado de contraprestação, inclui os custos da obra, das operações financeiras e de manutenção e administração dos estádios, já que a exploração comercial das arenas ficará a cargo dessas empresas. “É a diferença de comprar uma casa à vista e uma casa financiada. Nas prestações de financiamento está embutido o custo financeiro. Além disso, tem uma pequena parcela que é do custo de manutenção dos estádios nesses anos todos, porque isso ficará também com o concessionário. Então as duas coisas se somam ao valor que, segundo a avaliação, custava a obra em si”, aponta Carlos Sundfeld, professor do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV).

Duas sedes do Nordeste possuem os maiores valores de contraprestação: em Natal, durante 12 anos, o governo chegará a pagar R$ 10,3 milhões por mês, enquanto em Salvador as despesas somam cerca de R$ 99 milhões por ano ao longo de 15 anos. Nos dois casos, o valor será corrigido anualmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e, em Natal, ele será reduzido ao longo da vigência da PPP.

Para Sandro Cabral, da UFBA, o que se espera é que numa PPP o Estado tenha o menor gasto possível. Mas, no caso dos estádios da Copa, não é isso que ocorre. “Muitos desses empreendimentos não têm capacidade de geração de receitas que sejam capazes de cobrir os custos da operação e de amortizar os custos de construção”, disse. O professor explica que, nesses casos, o poder público precisa garantir um faturamento mínimo para as concessionárias, para que esses empreendimentos sejam atraentes à iniciativa privada.

Apenas três arenas não resultaram em dívidas contraídas pelo poder público: a Arena Corinthians, que recebeu incentivos da Prefeitura de São Paulo, mas que será custeada pelo Corinthians; o estádio privado Beira-Rio, do Internacional de Porto Alegre; e o Mané Garrincha, em Brasília, que já custou R$ 1,4 bilhões aos cofres públicos, mas foi pago graças à venda de terras públicas pela Terracap.

A Pública analisou os nove estádios restantes para mostrar o caminho que o dinheiro fez dos cofres públicos estaduais até os campos de futebol.

Amazônia e Pantanal – empréstimos do BNDES pagos com dinheiro público

A Arena da Amazônia, em Manaus, e a Arena Pantanal, em Cuiabá, são dois exemplos de estádios públicos nos quais, além da verba gasta diretamente pelos governos estaduais, estes precisaram tomar empréstimos significativos com o BNDES para botar as estruturas de pé para a Copa do Mundo. Em outras palavras, as duas arenas serão inteiramente pagas com dinheiro público dos estados – que já arcam com o aumento significativo do valor das obras.

Para o secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, o número de sedes prejudicou o plano de bancar as arenas só com recurso privado. “Se nós tivéssemos feito seis estádios, teríamos conseguido”, disse. “Esse esforço de nacionalizar a Copa nos custou a necessidade de entrar com aportes maiores, digamos assim, sobretudo dos governos locais.”

O custo inicial da Arena da Amazônia, firmado pela Secretaria de Estado da Infraestrutura do Amazonas (Seinfra) e pela construtora Andrade Gutierrez, em 2010, era de R$ 499 milhões. Naquele mesmo ano, o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) já afirmava que essa cifra não passava de faz-de-conta. O TCE apelidou o projeto básico da Arena da Amazônia de “jogo de planilha”, trabalho que foi realizado pelo Grupo Stadia (SD Plan) – que atuou também na Arena do Pantanal, em Cuiabá, e na das Dunas, em Natal – e pela gigante alemã GMP – que também participou dos projetos do Maracanã, no Rio, e do Mineirão, em Belo Horizonte. O órgão chegou a sugerir que fossem anuladas a licitação e a contratação da Andrade Gutierrez. Atualmente, a Seinfra informa que, dos R$ 669 milhões previstos, já foram contratados R$ 675,8 milhões para a Arena da Amazônia.

O custo total da obra da Arena Pantanal, previsto na Matriz de Responsabilidades de 2010 como R$ 454,2 milhões, aumentou após uma série de nove aditivos e diversas irregularidades – incluindo sobrepreço e acréscimo maior do que 25% do valor inicial, como atestado pelo TCU no acórdão nº 1311/2014, de 21 de maio de 2014. Com os acréscimos, a parcela do empréstimo do BNDES destinada à construção do estádio subiu para R$ 337.900.362. Mas isso não alterou o valor global do empréstimo, que continuou a ser de R$ 392.952.860. Assim, quem arcou com o aumento nos custos da obra foi o governo do estado, que viu seu gasto direto saltar de R$ 124,2 milhões, previstos na Matriz de 2010, para pelo menos R$ 286,3 milhões, valor pago até agora, confirmado pela Secretaria da Copa do Mato Grosso (Secopa-MT). Segundo a secretaria, o governo já pagou R$ 628,4 milhões pela obra e a previsão de gasto total é R$ 646,5 milhões. A diferença será paga pelo estado, ou seja, os gastos vão subir.

O Mato Grosso começou a pagar a dívida com o BNDES em janeiro de 2014 e precisa quitá-la em dezembro de 2025, após 144 prestações mensais com valor médio de R$ 4,3 milhões, segundo estimativa do TCE-MT publicada em relatório de 2012. No texto, o tribunal alertou que o estado pode comprometer investimentos futuros para conseguir pagar os empréstimos de cerca de R$ 1,57 bilhão tomados para arcar com todos os custos do Mundial, já que vai destinar o correspondente a “79% do total do investimento em obras e instalações (aplicações diretas) realizado em 2012.”

Dos 10 relatórios produzidos pelo TCE-MT, este foi o único que atentou para essa questão. Os outros acompanharam apenas o andamento das obras. A assessoria de imprensa do TCE-MT informou que a análise do endividamento do estado não é feita nas contas relativas à Copa, e sim na auditoria realizada nas contas de governo. Os valores atualizados só serão divulgados nas próximas semanas.

Confusão de números

O Portal da Transparência da Copa divulga os valores totais previstos para reforma ou construção de cada estádio. Apesar de matemática, essa ciência não é exata. No levantamento feito pela Pública, por meio dos relatórios emitidos pelo Tribunal de Contas da União, pelos Tribunais de Contas dos Estados e pelos contratos entre governos, bancos e empresas, nem sempre a conta fecha com os números do Portal, divulgados pela Controladoria-Geral da União (CGU).

No caso da Arena da Baixada, por exemplo, o valor atestado pelo Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 (Gecopa), fonte da CGU, é diferente do apresentado pelo TCE do Paraná em seu último relatório, baseado no orçamento feito pela própria sociedade do Clube Atlético Paranaense. Ali também não está previsto o empréstimo tomado pelo governo desse estado ao BNDES, no valor de R$ 131,1 milhões – o empréstimo consta em outra seção de financiamentos na página.

No caso do Maracanã, só dois dos três contratos firmados para a reforma do estádio estão contabilizados no Portal da Transparência. Há um valor relacionado como investimento direto do estado do Rio, mas o site não informa que ele inclui dois empréstimos tomados pelo governo estadual para bancar a reforma do estádio. Dos 16 aditivos já firmados ao contrato principal da reforma, apenas seis estão disponíveis no site.

Já na Arena das Dunas, a “previsão de investimento” apontada pelo Portal da Transparência e confirmada pela Secopa-RN é de R$ 400 milhões, valor atualizado em setembro de 2013. Mas esse número não é o custo total da obra, e sim, o valor estimado do contrato de PPP. A CGU explicou que o Rio Grande do Norte viabilizou a construção por meio desse contrato. No entanto, o estado não paga R$ 400 milhões diretamente à concessionária – em vez disso, remunera a empresa por meio da contraprestação, que segundo estimativa do procurador-geral do Ministério Público junto ao TCE, chega a um custo total de R$ 1,3 bilhão.

Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, afirma que a população brasileira está longe de ter um dado real sobre os gastos com estádios e com a Copa em geral. “Eu costumo dizer que só vamos saber realmente o custo da Copa no ano que vem ou daqui a dois anos. Muitas dessas obras ainda terão restos a pagar e vai se discutir o que era obra do estádio e o que não era. Dessa discussão é que vai surgir o valor global do que se gastou na Copa. Ninguém em sã consciência pode dizer que sabe hoje qual é o custo real do Mundial”, critica.

O TCU explicou que as diferenças nos valores do Portal da Transparência em relação aos acórdãos produzidos pelo tribunal se devem à origem das informações e ao momento em que os valores foram divulgados. O órgão disse ainda que irá monitorar as determinações feitas nos acórdãos apenas no segundo semestre de 2014, utilizando os relatórios finais de acompanhamento que só serão feitos pelo BNDES após o fim do Mundial.

Dinheiro público garante PPPs da Copa

As PPPs são uma alternativa para o poder público quando ele não dispõe de capital para conduzir uma obra, quando procura reduzir os gastos dos cofres públicos ou mesmo quando deseja rapidez, explica Francisco Vignoli, professor de Economia da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP). “Hoje, se você considerar as características e especificidades que essas arenas têm, acho que fazer a concessão, desde que bem feita e que represente a possibilidade de o poder público ter o controle excessivo sobre aquilo que está sendo concedido, é uma boa medida”, opina o professor.

É esse, em tese, o caso da Arena Pernambuco, na qual foi firmada uma PPP com empresas do grupo Odebrecht. Na justificativa do governo estadual, que está presente nos relatórios do TCU e do TCE-PE, a parceria resultaria em uma economia de R$ 66 milhões. O representante do estado afirmou ainda que a “qualidade técnica do equipamento e dos serviços a serem prestados, que é de dificílima mensuração, seria, inevitavelmente, melhor alcançada pela modelagem da PPP”.

Entretanto, mesmo o modelo de PPP não eximiu o estado de contrair diversas dívidas: o governo de Pernambuco firmou um empréstimo de R$ 400 milhões com o BNDES, a ser pago até 2027 para ressarcir dois outros empréstimos tomados pelo consórcio que assumiu o estádio. Ainda se comprometeu a pagar, durante 30 anos, contraprestações que podem chegar a R$ 3,9 milhões por ano, reajustáveis de acordo com o IPCA.

O governo de Pernambuco também cedeu um terreno para a Odebrecht, que a empreiteira avaliou que irá render R$ 30 milhões em 10 anos – esse valor foi inclusive utilizado como garantia para fechar a PPP. Fora os três anos dedicados à construção, a concessionária será responsável pela operação da Arena Pernambuco por 30 anos, durante os quais terá direito à receita operacional e a receitas adicionais, das lojas e estacionamento. A obra está orçada em R$ 479 milhões, segundo o TCU.

“No final das contas, os estados é que assumiram o custo das obras, só que vão pagar no longo prazo na forma de remuneração para os concessionários”, explica Carlos Sundfeld, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

A situação é semelhante na Bahia, onde a Odebrecht também participa do consórcio vencedor da PPP da Fonte Nova, junto à OAS. O acordo prevê a concessão do estádio por 35 anos, precedida das obras de reconstrução. Para bancar a PPP, a Bahia se endividou em R$ 323,6 milhões com o BNDES, que começaram a ser pagos em fevereiro deste ano e serão liquidados em agosto de 2026.

Após quatro aditivos, o valor do contrato de PPP para a Fonte Nova subiu de R$ 591,7 milhões para R$ 689,4 milhões. A diferença entre os valores (R$ 97,7 milhões) foi paga pelo governo estadual para atender a exigências técnicas da FIFA. Além disso, os cofres públicos baianos irão arcar com uma contraprestação pública de R$ 99 milhões ao ano durante 15 anos, corrigidos pelo IPCA. Segundo o governo, a contraprestação “engloba custo relativo às obras, bem como aqueles relativos à manutenção e operação da Arena, às despesas pré-operacionais, aos encargos financeiros, tributos e remuneração do privado pelas inversões realizadas ao longo do período de concessão”.

A PPP também pressupõe que, caso a receita estimada no ano para a Fonte Nova não seja atingida (cerca de R$ 23 milhões), o valor que faltar seja completado em partes iguais por Estado e consórcio. Para viabilizar o negócio, o consórcio fechou um acordo com o Bahia, no qual o clube se compromete a mandar 33 jogos por ano na Fonte Nova, e o consórcio paga R$ 9 milhões ao ano ao Tricolor baiano. “No caso da Fonte Nova, somente com o Bahia jogando e com o projeto arquitetônico que foi feito aqui, você não vai conseguir gerar receita o suficiente para cobrir a operação e parte da construção”, afirma o professor Sandro Cabral, da UFBA. “Caso tivesse outro projeto arquitetônico, em que houvesse um shopping atrelado ao empreendimento, se jogassem Bahia e Vitória ali, ela conseguiria ressarcir boa parte dos custos de construção. Mas não foi esse o projeto escolhido pelo governo.”

A Arena Castelão, palco cearense da Copa do Mundo, também foi reformada a partir de um contrato de PPP. Firmado em 2010, o documento define a concessão do estádio por oito anos para o consórcio formado pelas construtoras Galvão Engenharia e Serveng, além da operadora BWA. O contrato define que o governo cearense pague R$ 518,6 milhões ao consórcio pelas obras no estádio e serviços prestados. Esse valor deve ser quitado até o meio de 2018.

Para financiar todo esse montante, o governo cearense recorreu a um empréstimo de R$ 351,5 milhões com o BNDES e completará o restante com recursos diretos do tesouro estadual. O governo terá de 15 de janeiro de 2014 a 15 de dezembro de 2025 para amortizar a dívida contraída com o banco federal.

O governo do Ceará justificou o negócio dizendo que “a contratação da PPP foi autorizada pelo Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas do Estado, (…) após a análise dos estudos de viabilidade econômico-financeira realizados, embasados na metodologia do PSC – Public Sector Comparator, desenvolvida pela Partnerships Victoria da Austrália. (…) A contratação da PPP é o procedimento mais adequado para o Estado. Ratificamos a necessidade de promover a citada concorrência visando consolidar a realização da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014 em nosso Estado, garantindo seu legado econômico e social”.

Para viabilizar a Copa, o Rio Grande do Norte também optou pela PPP e firmou um contrato de concessão administrativa com a Arena das Dunas Concessão e Eventos S/A, em abril de 2011. A empresa, que tem como acionista única a construtora OAS, ficou responsável pela demolição do antigo estádio, além de construir e administrar a Arena das Dunas durante 20 anos. Nesse período, o lucro do estádio será dividido igualmente entre o estado e a concessionária.

O custo previsto da obra era de R$ 350 milhões em 2010. O valor subiu e, em outubro de 2011, a empresa assinou um contrato com o BNDES para emprestar R$ 396.571.000 – que se somaram aos R$ 3,5 milhões de investimento direto do estado, valor previsto no Portal da Transparência.

No caso de Natal, o que chama a atenção é a contraprestação, valor que o estado paga todo mês à concessionária, reajustado anualmente com o IPCA e reduzido progressivamente ao longo da concessão. Segundo Luciano Ramos, procurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte, o custo atualizado da contraprestação é de aproximadamente R$ 10,3 milhões. Ele estima que até 2031, quando acaba o contrato de PPP, o estado pagará, no total, R$ 1,3 bilhão à concessionária – quase três vezes o investimento previsto para o empreendimento no Portal da Transparência.

“O estado do Rio Grande do Norte se endividou ao longo dos próximos anos com a obrigação de pagar mensalmente a contraprestação pecuniária, comprometendo, em valores atuais, 2,4% da Receita Corrente Líquida do estado”, informou o procurador-geral Luciano Ramos. “[O Rio Grande do Norte] atualmente possui inúmeros problemas financeiros que não têm como causa única o endividamento com a Arena das Dunas, porém, direta ou indiretamente, [são] alimentados pelos recursos que são mensalmente canalizados para o estádio, em detrimento de outros gastos prioritários.”

No TCE-RN há um processo específico (nº 11750/2011) para apurar a viabilidade do estádio e a legalidade da PPP, mas a Comissão de Fiscalização e Acompanhamento da Copa 2014 (Cafcopa) ainda não emitiu nenhum relatório sobre o assunto. Outro processo (nº 477/2013) informa que o tribunal estava impedido de investigar irregularidades que prejudicassem o orçamento público porque o projeto executivo apresentado pela concessionária da Arena das Dunas estava pouco detalhado.

Já o TCU alertou, ainda em 2011, no acórdão 843, que os riscos assumidos no contrato de PPP eram assimétricos. O órgão pediu a retirada das cláusulas que obrigavam o estado a arcar com a mudança de preços dos insumos causadas por impactos no mercado financeiro. Para o TCU, esse risco deveria ser assumido pela concessionária. No entanto, isso não aconteceu e o acordo acabou sendo firmado nesses termos.

A reportagem da Pública entrou em contato com a Secretaria da Copa do Rio Grande do Norte (Secopa-RN) no dia 29 de maio para confirmar o custo total das obras, o valor da contraprestação da PPP e por que o estado escolheu este modelo, mas a Secopa respondeu apenas à primeira questão. No dia 3 de junho, a assessoria de imprensa informou que as demais perguntas foram levadas ao secretário Demétrio Torres, “mas infelizmente ele não respondeu”.

Mesmo os estados que não firmaram empréstimos com o BNDES não estão isentos de dívidas resultantes da construção das arenas da Copa. É esse o caso do governo de Minas Gerais que, para ter o Mineirão reformado, firmou uma PPP que, se por um lado, deixou o custo das obras ao encargo da iniciativa privada, por outro exigiu o pagamento de contrapartidas anuais à concessionária Minas Arena até 2037 – um pagamento que justamente busca cobrir parte dos gastos do ente privado com a reforma, dentre eles um empréstimo de R$ 400 milhões tomado pela concessionária junto ao BNDES.

O governo mineiro assumiu dois tipos de contrapartida com o consórcio, formado por Construcap, Egesa e HAP Engenharia. A primeira é uma dívida fixa paga em parcelas mensais decrescentes, que começou em 2013, com R$ 7,7 milhões, e termina em 2022, com R$ 4,2 milhões – valores que serão corrigidos pelo IPCA. A segunda é uma dívida variável que depende do lucro que a Minas Arena obtém com o estádio. Quanto menor a receita do consórcio, estritamente vinculada à média de público, mais o governo paga ao ente privado, e vice-versa. Na pior das hipóteses, segundo documento da Secopa-MG, o governo mineiro pode pagar até R$ 677 milhões à Minas Arena ao final de 27 anos. Na hipótese mais realista, o governo deve transferir R$ 473 milhões.

A Secretaria de Estado do Governo de Minas, que se recusou a conceder entrevista comentando a PPP do Mineirão, informou que a parceria reduziu o custo da obra em R$ 100 milhões em relação ao que teria custado caso fosse realizada pelo governo. O TCE-MG, mesmo após sucessivas ligações da reportagem, recusou-se a comentar a análise que fez do projeto executivo do Mineirão – que é obrigatória para a liberação de mais de 65% do empréstimo do BNDES. A Minas Arena negou-se a divulgar as médias de público ou de faturamento, alegando sigilo.

Para Carlos Sundfeld, da FGV-SP, as construções dos estádios não seriam viáveis se fossem unicamente bancadas pelos entes privados. “Esse negócio é completamente inviável não fosse um cliente que é o estado, que se dispõe a investir recursos do seu orçamento, no curto e no longo prazo, para pagar a construção desse estádio e manutenção a longo prazo. É um custo público assumido pelo país a partir do projeto que foi coordenado pelo governo federal”, acredita. “Saber o que é melhor ou pior depende um pouco da situação do estado, se ele tem dinheiro disponível ou não tem, se os juros são bons ou ruins… Mas o grosso da remuneração do concessionário vem do estado.”

A dívida sem fim do Maracanã

A previsão do custo da reforma do Maracanã era de R$ 600 milhões, entre financiamentos do BNDES e recursos diretos do governo do Rio de Janeiro, como constava na da Matriz de Responsabilidades de 2010. O documento, elaborado pelo Ministério do Esporte, lista todos os investimentos necessários para a Copa do Mundo.

Quatro anos (e 16 aditivos ao contrato principal) depois, a obra dobrou de preço, chegou a R$ 1,2 bilhão – sem contar as estruturas temporárias da Copa – e trouxe mais endividamento aos cofres fluminenses do que o esperado: além do empréstimo de R$ 400 milhões com o BNDES, o governo estadual recorreu a um empréstimo de R$ 250 milhões do CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina) e ainda destinou uma porcentagem de um empréstimo de R$ 1,2 bilhão, contraído junto à Caixa Econômica Federal, para ajudar a bancar a reforma. O restante foi pago com recursos do tesouro do estado. O saldo final deixa o Maracanã como o segundo estádio mais caro da Copa do Mundo, perdendo apenas para o Mané Garrincha, em Brasília.

Em setembro de 2014, passado o furor da Copa e a final no Maracanã, o governo do Rio começará a pagar a dívida de R$ 400 milhões com o BNDES que, segundo o contrato, deve ser quitada até agosto de 2026. A Pública procurou a Secretaria de Obras do Rio de Janeiro, responsável pela obra do Maracanã, para saber o prazo de pagamento dos outros empréstimos e a porcentagem do empréstimo da Caixa usado no estádio, mas não teve resposta até a publicação da reportagem.

Em abril deste ano, uma nota da coluna “Radar”, da Revista Veja, informou que, segundo o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), houve superfaturamento de R$ 67 milhões na obra do Maracanã. Segundo o documento, houve pagamentos indevidos nesse montante na reforma do estádio. “Constatam-se diversas incompatibilidades entre os serviços em execução e os projetos disponibilizados”, diz um trecho do relatório divulgado pelo site Globoesporte.com. A Pública pediu acesso ao relatório do TCE, mas não teve resposta da assessoria de imprensa do órgão. O documento ainda não foi a plenário.

Enquanto o Maracanã ainda estava em obras, o governo estadual publicou em 25 de fevereiro de 2013 o edital de concorrência para a concessão do estádio e do Maracanãzinho à iniciativa privada por 35 anos. O estudo de viabilidade do projeto foi elaborado pela IMX Holding. Segundo o documento, o negócio trará um lucro líquido de R$ 1,4 bilhão à concessionária no período. O edital previa um investimento privado de R$ 594,1 milhões. Entre esses investimentos estariam a demolição do Estádio de Atletismo Célio de Barros, do Parque Aquático Julio Delamare, do presídio Evaristo de Moraes e da Escola Municipal Friedenreich, equipamentos públicos situados no entorno do estádio (o antigo Museu do Índio também seria transformado em um Museu do Futebol). Eles dariam lugar a dois edifícios-garagem e a quadras de aquecimento. “Com o projeto, pretende-se transformar o atual Complexo do Maracanã, hoje de caráter exclusivamente esportivo, em um verdadeiro ‘Complexo de Entretenimento’”, diz um trecho do estudo.

Pelo direito de explorar a nova área durante o período de vigência da PPP, a concessionária pagaria ao governo estadual R$ 4,5 milhões ao ano. Segundo o estudo de viabilidade, o entorno do Maracanã, cedido para a exploração da concessionária como contraprestação, traria receitas de R$ 12,15 milhões ao ano.

“Ou seja, o oferecimento de uma torna [isto é, um retorno] no valor de R$ 4,5 milhões por ano representará um resultado negativo para o estado do Rio de Janeiro, na ordem de R$ 7,65 milhões por ano”. A frase é de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) que traz uma série de questionamentos à concessão do Maracanã para a iniciativa privada. O MP-RJ apontou que a concessão era desnecessária à Copa, já que as intervenções necessárias já estavam sendo feitas pelo contrato de reforma, e prejudicial à Olimpíada, pois o projeto aprovado com o comitê organizador dos Jogos Olímpicos não previa as intervenções citadas no edital.

A contraprestação pública também foi alvo do MP-RJ: “Os investimentos previstos no processo de concessão se destinam primordialmente à maximização do aproveitamento econômico do Complexo Maracanã”, afirma a ação. “Evidentemente, a maximização da rentabilidade do investimento privado não consiste em um fim público, por si só, que justificasse o oferecimento de uma contraprestação pública. [Isto] somente se justificaria caso os investimentos a serem realizados pelo particular efetivamente revertessem em obras de interesse público”, afirma o MP-RJ. Segundo o órgão, só com as receitas do estádio e do Maracanãzinho, o negócio já seria economicamente viável para a concessionária e a contraprestação é “lesiva ao erário”.

A ação proposta pelo Ministério Público, no entanto, não prosperou. Em 4 de junho de 2013, após uma queda de braço jurídica entre MP e o governo do Rio, o contrato foi assinado. O valor da contraprestação subiu para R$ 5,5 milhões ao ano. Meses mais tarde, após as manifestações de junho que, no Rio de Janeiro, questionaram vários aspectos da reforma e concessão do Maracanã, a demolição dos equipamentos do entorno do estádio foi cancelada. A concessão, no entanto foi mantida e o governo do Rio afirma que os investimentos previstos foram revertidos em reformas do Célio de Barros, do Júlio Delamare e do prédio do antigo Museu do Índio.

Em resposta à Pública, a Secretaria da Casa Civil do Rio de Janeiro afirmou que “após passar por uma ampla obra de restauro e adequação para que possa receber os grandes eventos esportivos, o Maracanã se tornou um dos estádios mais modernos, confortáveis e seguros do mundo, de alta complexidade e grandes custos de manutenção e conservação. Repassar tais custos foi um dos objetivos do governo do estado ao optar pela concessão, evitando a necessidade de novos investimentos públicos. Além disso, o estado visou ainda a contratar uma gestão profissionalizada e eficiente, para oferecer mais conforto aos frequentadores. A concessão foi realizada após as obras uma vez que a adequação foi um compromisso assumido pelo governo do estado junto à FIFA e ao COI para que o estádio possa receber os eventos esportivos”.

Arena da Baixada – Clube privado, dívida pública

A Arena da Baixada, em Curitiba, é o estádio do Clube Atlético Paranaense. Mas na obra da iniciativa privada, o dinheiro também sai dos cofres públicos, seja pelo empréstimo tomado pelo governo do Paraná, seja em financiamentos feitos pela Fomento Paraná, responsável por gerir o Fundo de Desenvolvimento Econômico (FDE) do estado, seja por incentivos da Prefeitura de Curitiba.

O governo do Paraná tomou um empréstimo de R$ 131,168 milhões com o BNDES pelo programa ProCopa Arenas. Apesar de esse valor ter sido usado pela CAP S.A., sociedade formada majoritariamente pelo Atlético Paranaense, deverá ser pago com dinheiro do tesouro do estado. Isso por conta de uma triangulação feita entre o governo do Paraná, o Fundo de Desenvolvimento Econômico (intermediário no repasse do empréstimo do BNDES) e a CAP S.A.

“A CAP S.A. vai devolver os recursos ao FDE de acordo com os contratos, garantias e prazos estipulados. Esses recursos, ao serem devolvidos pela CAP S.A., permanecerão capitalizados no FDE, onde serão utilizados para financiar outras operações com empreendedores privados de micro, pequeno e médio porte. O estado é o responsável por reembolsar o BNDES pelos recursos do financiamento à CAP S.A.”, explicou a assessoria de imprensa da Fomento Paraná, via e-mail.

Devido aos sucessivos aumentos no orçamento da Arena, novos financiamentos foram retirados do Fundo de Desenvolvimento Econômico do Paraná para a CAP S.A., em uma quantia que soma R$ 160,7 milhões em empréstimos, além do valor que veio do BNDES.

Em março deste ano, uma nota divulgada pela assessoria de imprensa do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) afirmava que ainda não era possível determinar o valor real da reforma e ampliação da Arena da Baixada. Isso porque, apesar de o último valor informado pela CAP S.A. ser de R$ 330,6 milhões, a Fomento Paraná, órgão que viabilizou os empréstimos, não chegou a fazer a análise do orçamento para verificar esse custo.

Fonte: Agência Pública

Foto: Portal da Copa

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