Por Carmen Susana Fava Tornquist, para Desacato.info
Fotos: Clarissa Peixoto
Reunidos/as no Plenário Antonieta de Barros da Assembléia Legislativa de SC, entre as 14 e 21 horas da sexta feira passada, representantes de organizações, movimentos sociais, sindicatos e coletivos autônomos, trocaram experiências recentes acerca da criminalização e judicialização dos movimentos sociais no Brasil, tendo por foco a realidade catarinense. O seminário foi promovido por um conjunto de entidades e sindicatos e pela Frente de Luta contra a Criminalização dos Movimentos Sociais em SC, criada em abril deste ano. A iniciativa responde ao avanço da criminalização das lutas sociais, após o Levante do Bosque, na UFSC,em março, a expulsão da ocupação Amarildo de Florianópolis, em abril e a criminalização do SINTESPE,em maio, entre outros processos. Estes, não obstante suas especificidades, estão sendo alvejados pela violência, tanto institucional e física, quanto simbólica e moral. A primeira parte do seminário foi dramática, não apenas pela presença da encenação do Teatro do Oprimido e de documentários sobre os 50 anos do Golpe de 64, mas também pelos depoimentos de lideranças como as do Movimento de Atingidos pelas Barragens de Santa Catarina, Ocupação Amarildo, Articulação dos Povos Indígenas da região Sul, MST, Movimento dos moradores de Rua, Sintespe e Coletivo Memória, verdade e justiça, entre vários outros. Também estiveram presentes estudantes, técnicos administrativos (em greve) e professores da UFSC, indiciados pela Polícia Federal. Cada depoimento trouxe informações pungentes – muitas, desconhecidas – acerca das lutas travadas pela população por direitos sociais básicos: permanência e acesso à terra, moradia, saúde, educação, salário, arte e transporte público, que tem se transformado em lutas pelo direito à expressão e à organização, o que remete a referência ao período da ditadura civil-militar. Apesar de algumas ausências importantes como as Ocupações Contestado e Palmares, e sindicatos que estão em estado de greve, a atividade contou com mais de 200 participantes.
Logo após, aconteceu uma mesa-redonda com Daniela Rabaiolli, do MST, Nestor Habkost, professor da UFSC, e dois convidados de São Paulo: Gegê , do Movimento de Luta pela moradia de São Paulo e ex-exilado político e Mancha (Luis C. Prates) metalúrgico, ex-preso político e participante da CSP – Conlutas). As principais divergências nestas análises situaram-se em aspectos relacionados ao papel do governo federal. As análises – diversas – reverberaram o debate antecipado pelos movimentos: os problemas internos aos movimentos, a situação atual dos moradores da ocupação Amarildo, expulsos da capital de forma absurda e violenta, hoje confinados, com incerteza e ameaças, no Maciambu (Palhoça) dentro de uma área conflagrada de conflitos – terra indígena Guarani, que aguarda pela homologação há mais de 20 anos. O líder dos Kaingang presente chamou atenção para os reveses que tem sofrido os povos indígenas desde a ditadura militar até hoje, com a lentidão das demarcações de Terras e criminalização e morte de indígenas, chamando atenção de todos para a importância de escapar das armadilhas do capital, de instigar conflitos entre grupos igualmente explorados, e de articular lutas parciais em um projeto de sociedade em que o bem viver seja o objetivo maior. . O MNU trouxe relatos dramáticos da comunidade quilombola São Roque, impedida de plantar em sua própria terra, em função de uma certa “in-justiça ambiental”, além de dados igualmente drásticos da morte de jovens negros na periferias do país e a situação absurda das trabalhadores terceirizados, em grande parte mulheres negras, que escancaram a dura realidade do trabalho precarizado, condição de sobrevivência da classe trabalhadora, hoje,que contraste com a idéia de que os indicadores econômicos são apenas positivos.Destacou-se também a repressão sobre coletivos autônomos, -como o “Cidade a venda”(ETC) cujas participantes estão sendo processadas por crime ambiental., e também professores da Escola João Gonçalves Pinheiro que tem sido punidos pelos diretores e acusados de radicalismo por colegas sindicalistas. O plenário representava, paradigmaticamente, as divergências políticas atuais no chamado “campo de esquerda”: setores do PT e CUT, e setores críticos ao atual governo e hegemonia sindical : PSTU, PCB, PSOL, CSP Conlutas e vários sindicatos e organizações autônomas que, na suas lutas cotidianas, tem tido enfrentamentos com companheiros, para além da direita tradicional e o capitalismo, adversário óbvio de todos os presentes grupos. Importância do Plebiscito pela Reforma Política, limite das instituições da democracia burguesa, papel da Copa no processo de militarização do Estado, significados das Jornadas de Junho, definições do que seria, hoje, a chamada “esquerda”, também pautaram as divergências, que, no entanto, foram tratadas por todos de forma fraterna e respeitosa, em função dos pontos de unidade e acordo, entre os quais a convicção de que o momento atual está marcado pela força dos aparelhos repressivos e políticos, sucessores da última ditadura civil-militar cujas marcas não foram abolidas. O processo de “redemocratização” do país se deu concomitante à expansão do capital-imperialismo no país, de forma voraz e brutal, com novas configurações(neo-desenvolvimentismo ou neo-liberalismo) trazendo, final e dialeticamente, nos últimos anos, o acirramento da luta de classes e ascensão das lutas sociais. Os pontos fortes da unidade foram a certeza de que cresce a criminalização e de que para enfrentá-la será crucial construir a unidade da classe trabalhadora- aí compreendidos indígenas, negros e camponeses.
Uma das autoridades ausentes foi Ideli Salvatti, convidada de primeira hora para o Seminário e esperada por muitos face ao papel que ocupa na pasta de Direitos Humanos do Governo Federal. A ministra estava exatamente no mesmo horário participando de atividade oficial no Centro Sul, a 100 metros das ALESC, na qual foi explicitado o apoio do governo Colombo à candidatura de Dilma, com presença também do prefeito de Florianópolis, entre outros.
Um dos resultados do Seminário foi a Carta de Florianópolis, que será enviada às autoridades e entidades, ainda esta semana, manifestando o repúdio veemente ao desrespeito aos direitos humanos e à criminalização dos lutas sociais e sindicais, mas também prenunciando que os próximos tempos, apesar das tentativas de “pacificação “ – não serão tranqüilos nem silenciosos – pelo menos não para os movimentos sociais, que retomam, juntos, sua luta, con la esperanza delante, con los recuerdos detras.
[1] Referência ao artigo do MPL no livro Cidades Rebeldes( Não começou em Salvador, não vai terminar em São Paulo).São Paulo: Boitempo, 2013.