Acordo entre Fatah e Hamas pode marcar retomada da luta contra dominação israelense. Mas há obstáculos à frente, e Telaviv já lança ameaças
Por Khaled Alashqar.
A formação de um novo governo palestino, com apoio do Fatah e do Hamas, anunciada na segunda-feira (2/6) é uma estação importante, na rota da reconciliação. “Mas ainda há muitas estações onde parar, antes de chegar à unidade real baseada numa parceria entre todos os grupos palestinos”.
Com estas palavras, Amjad Al-Shawa, porta-voz da rede de ONGs palestinas na Faixa de Gaza, saudou o governo de consenso nacional, mas afirmou à IPS que todas as decisões adotadas durante o período de divisão entre os grupos deveriam agora ser anuladas.
“A formação de um governo de consenso impõe responsabilidades maiores para nós, como organizações civis, para lutar pela efetivação do acordo de reconciliação, e contribuir de modo eficaz na definição de planos nacionais”.
“Reivindicamos a garantia dos direitos dos palestinos, inclusive a reabertura das organizações fechadas no período da divisão e a garantia do estado de direito”, acrescentou Al-Shawa.
O novo governo palestino, anunciado para acabar com a divisão política entre os palestinos da Cisjordânia e os da Faixa de Gaza, é o terceiro gabinete liderado por Ramy Al Hamdallah. Ele sucedeu o antigo primeiro-ministro, Salam Fayyad, e lidera o 17º equipe ministerial desde que foi estabelecida a Autoridade Nacional Palestina, em 1994.
O governo de unidade tomou posse nos escritórios da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), em Ramallah, com a presença do presidente Mahmoud Abbas. Quatro ministros que vivem na Faixa de Gaza não puderam comparecer ao ato, porque Israel negou seu acesso à Cisjordânia.
O papel do governo de consenso nacional é preparar eleições presidenciais e parlamentares nos territórios palestinos, além de reconstruir a Faixa de Gaza. Esta segunda prioridade indica a intenção de priorizar a região e tentar romper o bloqueio imposto por Israel desde que o governo do Hamas assumiu o poder, em junho de 2007.
O presidente palestino Mahmoud Abbas afirmou, num pronunciamento pela TV, que o novo governo significará o fim da divisão interna que afetou a causa da independência nacional. Acrescentou que se trata de um governo de transição, cuja missão é preparar as eleições.
Abbas frisou que o novo governo, assim como os anteriores, segue comprometido com os acordos internacionais firmados pela Autoridade Nacional Palestina (ANP), e com o programa adotado pelas instituições da OLP. O mandato para negociações políticas, ele prosseguiu, permanece com a OLP, como única representante legítima do povo palestino. O presidente advertiu Israel que qualquer ação punitiva considerada prejudicial aos interesses do povo palestino terá resposta apropriada.
Esta parte do pronunciamento expressa as claras preocupações palestinas sobre a possibilidade de ações punitivas lançadas por Israel. Em Telaviv, membros do governo Netanyahu ameaçaram adotar tal atitude, se o processo de reconciliação entre Fatah e Hamas prosseguisse. As ameaças dirigem-se em particular ao Hamas, a facção islâmica que Israel e muitos países ocidentais insistem em qualificar como “terrorista”.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu não demorou a agir, após o anúncio da formação do novo governo palestino. Seu gabinete de Segurança Política anunciou um encontro urgente, para discutir formas de responder à Autoridade Nacional Palestina, após o acordo desta com o Hamas. A reunião decidiu autorizar Netanyahu a impor sanções à ANP e ao governo de reconciliação nacional, mas não deu detalhes.
Observadores viram o fato como sinal de que o governo de Telaviv escolheu um caminho centrista, para satisfazer dois extremos. De um lado, está o determinado ministro da Economia, Naftali Bennet, o líder do partido de direita “Lar Judeu”, que rejeita qualquer acordo com os palestinos, reivindicando punição e anexação de suas terras. De outro, Yair Lapid, ministro das Finanças e líder do partido Yesh Atid (“Há um Futuro”), que propôs esperar. A este, juntou-se o ministro do Exterior, Avigdor Lieberman [tradicionalmente à direita], para o qual o governo israelense não deveria apressar-se em responder aos palestinos.
O governo formado pelo Hamas na Faixa de Gaza – que se manteve sete anos no poder sob cerrado cerco israelense, isolamento quase total da região e crises sucessivas – deixou o posto. Ismail Haniya, ex-primeiro-ministro deste governo, afirmou em entrevista coletiva que saudava o novo governo palestino de consenso, e frisou a necessidade de acabar com a divisão
Um dos desafios com os quais o novo governo palestino defronta-se é restabelecer as relações entre Gaza e o Egito. Espera-se que este reabra a passagem de Rafah, que liga a Faixa de Gaza com o resto do mundo. O Cairo havia afirmado que a formação de um governo de unidade nacional era condição para abertura da passagem.
O governo egípcio saudou a formação deste novo governo. Num comunicado emitido segunda-feira, Badr Abdel-Atti, porta-voz do ministério do Exterior, afirmou: “A formação de um governo de consenso é um passo importante para estabelecer a unidade da Palestina e a restauração dos direitos legítimos de seu povo – em especial o direito a autodeterminação e ao estabelecimento de um Estado independente e soberano, baseado nas fronteiras de 4 de junho de 1967”.
As próximas semanas serão muito importantes para saber como o novo governo palestino exercerá suas funções, especialmente na Faixa de Gaza, que sofreu duramente, nos anos de abusos e violações dos direitos de suas instituições e cidadãos. O novo governo precisará de tempo e de passos concretos para restaurar a confiança do povo palestino.
Fonte: Outras Palavras.
Tradução: Antonio Martins