Em Sergipe, mais de 42 famílias quilombolas serão desapropriadas de sua terra

Desacato 5

Por Carol Westrup. Segunda feira, dia 26 de maio de 2014. Entre a paisagem rústica da região do Baixo São Francisco sergipano, os arrozeiros e as criações de peixe, homens e mulheres, em círculo, aglomeravam-se inquietos na sede da comunidade quilombola da Resina. Motivo? Uma decisão judicial de reintegração de posse de uma área de mais de 70 hectares, onde mais de 42 famílias, de origem quilombola, sobrevivem e cultivam sua vida.

Em minúcias, a decisão proferida pelo juiz federal Ronivol de Aragão, no último dia 29 de abril, demanda que as famílias saiam da sede da comunidade quilombola da Resina, para que a então proprietária, Ana Catarina Santos Martins, tome posse de sua propriedade rural, tendo como prazo final para o cumprimento da sentença os dias 26 e 27 de maio.

Representantes do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Antonio Oliveira dos Santos, membro da Comissão designada para emitir o relatório para a Justiça Federal, e o ouvidor agrário Paulo Chagas, estiveram no local nas primeiras horas da manhã do dia 26, no sentido de ler a decisão judicial para a comunidade.

Presentes à leitura, estavam a outra parte da peleja, Ana Catarina e seus representantes.

Com ouvidos atentos e corações apertados, os quilombolas ouviram a decisão e se manifestaram pela resistência e permanência nas terras, enquanto não houvesse a presença de um oficial de justiça para informá-los oficialmente sobre o processo de desocupação.

De 2010 para cá

Em 2010, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação contra a construtora Norcon, denunciada por estar comprando terras da União, na região que envolve a Resina, além de ameaçar as comunidades na região. A partir desse processo, o mesmo juiz, Ronivol de Aragão, deu ganho de causa a favor do MPF, reconhecendo que aquelas áreas pertencem a União. Ao todo são mais de 800 hectares de terra.

Ao mesmo tempo em que houve esse reconhecimento do Judiciário Federal sobre o pleito do MPF, outro processo estava sendo concluído. As mesmas terras, compreendendo mais de 800 hectares de chão, há mais de 100 anos, são ocupadas por comunidades de origem quilombola, e o laudo feito pela Fundação Palmares – órgão responsável por averiguar as origens das terras remanescentes de quilombos – constatou a situação e encaminhou Aos órgãos responsáveis a titularização das terras como sendo de origem quilombola.

Contudo, apesar dos esforços das comunidades, o processo de reconhecimento ainda está esperando pela regulamentação, desde julho de 2012. Essa morosidade ensejou uma ocupação dos moradores da Resina no início de maio deste ano, na sede do Incra na capital Aracaju. A principal pauta era, justamente, a cobrança da titularização das terras.

Entretanto, durante o processo que envolveu o Ministério Público Federal e a Norcon em 2010, houve um pedaço de terra de 70 hectares que não pertencia à construtora e que está sendo reivindicada agora, pela autora do processo que culminou com a decisão de desapropriação, Ana Catarina Santos Martins.

Titulação

O que ocorre é que o próprio Incra em Sergipe, através de laudos e estudos, já reconheceu toda a área, incluindo os 70 hectares, que são o motivo do imbróglio jurídico, como terra da União, restando, de fato, somente a titulação do território.

Durante esta semana, os representantes do Instituto ficaram responsáveis, inclusive, por intermediar a situação junto à Secretaria de Patrimônio da União (SPU) , além das instâncias do Incra em Brasília, para apressar a titulação das terras de origem quilombola.

“A primeira vez que vimos essa mulher foi hoje!”

Na ação, uma dos principais argumentos da autora, Ana Catarina, consiste na alegação de que a mesma frequentava a fazenda da família aos fins de semana e que sofria um enorme prejuízo por não usufruir de suas terras. Entretanto, todos na comunidade da Resina foram unânimes em dizer que conheceram Ana Catarina apenas na segunda, 26.

“Nós nunca vimos essa mulher, ela nunca plantou um grão de arroz aqui, nem a passeio ela vinha aqui, eu sei quem é a tal de Ana Catarina por que ela veio aqui hoje, se não, nem sabia quem era”, afirma dona Marília, há 48 anos moradora da Resina.

“É certo deixar de dar para 42 famílias para dar a apenas uma?”

Um dos principais problemas na desapropriação desses 70 hectares é que o espaço representa o coração do sistema produtivo da comunidade, onde se concentra o plantio do arroz e a criação de peixes. A população estima mais de 50 mil reais de prejuízo com a desapropriação.

“Minha vida está aqui, o sustento da minha família está aqui. É certo deixar de dar para 42 famílias, isso é a justiça?”, indaga Iraneide Machado, de 37 anos. Mãe de sete filhos. Iraneide nasceu na Resina e sustenta seus rebentos da pesca e do cultivo de peixes. ” Vi os meus filhos se criarem aqui, aqui plantamos, cuidamos e colhemos o que a terra nos dá, não podemos aceitar essa situação, onde vamos plantar, onde vamos guardar o nosso arroz?”, pergunta dona Marília com os olhos cheios de lágrimas.

Apoios

O Movimento Nacional de Direitos Humanos em Sergipe (MNDH-SE), juntamente com o Instituto Braços, que atua em defesa dos direitos humanos no Estado, afirmam seu compromisso na luta da comunidade. “Estamos aqui para apoiar a luta do povo da Resina e assessorar juridicamente, sabemos da luta de vocês e o que significa esse pedaço de terra para a sobrevivência da comunidade, portanto, nos juntamos a cada quilombola frente à justiça, à dignidade e ao reconhecimento dessas terras para o seu povo originário, os quilombolas” defende Lidia Anjos, articuladora do MNDH-SE.

Foto: Reprodução/Adital

Fonte: Adital

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