Ucrânia: Poroshenko, o camaleão

Eleito no 1º turno do pleito de domingo 25, o novo presidente da Ucrânia serviu sob governos favoráveis ao Ocidente e à Rússia.

Por Gianni Carta.

Petro Poroshenko: A oligarquia na presidéncia
Petro Poroshenko: A oligarquia na presidéncia

Petro Poroshenko era o menos ruim dos candidatos à Presidência. Aos 48 anos, o magnata das confeitarias mais conhecido como “Rei do Chocolate” é considerado um pragmático. O motivo? Foi ministro nos governos sob a presidência do pró-Europeu Viktor Yushchenko e do corrupto pró-russo Viktor Yanukovich. De fato, Poroshenko é um dos fundadores do pró-russo Partido das Regiões, o de Yanukovich. E quando eclodiram os protestos na Praça Maidan em novembro de 2013, pelo fato de Yanukovich não ter assinado um acordo de livre-comércio com a União Europeia – enquanto o presidente flertava com a Rússia –, Poroshenko deu o ar da graça ao lado dos manifestantes. Em fevereiro, Yanukovich escapuliu para a Rússia. Poroshenko sentiu, certamente, que suas chances de ser o novo presidente eram fortes.

A Polônia será o primeiro país estrangeiro que Poroshenko visitará. Um gesto altamente simbólico, visto que Varsóvia tem fortes elos com Kiev e faz parte da União Europeia. “Escolhemos a Europa”, disse Poroshenko no seu primeiro discurso. Em seguida, Poroshenko quer ir a Moscou, e os russos já aceitaram o “diálogo” com o novo presidente. O diálogo, diga-se, será difícil. Isso porque Poroshenko não aceita a anexação pelos russos da Crimeia, em março. Na Ucrânia, o primeiro destino de Poroshenko será Donbass, a região industrial ao leste do país. Lá, está claro, ele também terá dificuldades. As regiões autoproclamadas independentes de Donetsk e Luhansk, rebatizadas Nova Rússia, só o aceitarão como presidente se Poroshenko, por sua vez, aceitar a independência das duas regiões unificadas. União que Poroshenko já disse não aceitar.

De qualquer forma, a competição no pleito era fraca para Poroshenko. Yulia Timoshenko, a liderar a agremiação Batkivshchyna (Pátria), heroína da Revolução Laranja, em 2004 (provocada por fraude eleitoral de Yanukovich), agora está com a imagem um tanto desgastada. Aos 53 anos, suas tranças loiras com coroa capilar continuam lindas, mas ela passou anos atrás das grades por aceitar um controverso contrato de gás com a Rússia. Agora ela busca justiça social… No entanto, ideologia é algo difícil de explicar em um país de 23 anos. O mais sensato é dizer que aqui os políticos mudam de ideologia de acordo com as circunstâncias. De fato, Poroshenko quer fazer renascer seu Partido Solidariedade, que seria, acreditem, de centro-esquerda.

Com 70% dos votos contados, o “pragmático” Poroshenko contava na segunda-feira 26 com 53,75%, Timoshenko com 13% e Oleg Liashko, um radical independente, com 8% do sufrágio. O populista Liashko chegou a propor tomar militarmente as regiões de Donetsk e Luhansk.

O comparecimento às urnas foi relativamente alto, de 60%, especialmente quando considerados os fatos de que em Donetsk não houve colégio eleitoral, para citar um exemplo. Isso sem contar as intimidações por parte de milicianos separatistas pró-russos. E não somente em Donetsk e Luhansk, mas também em outras regiões separatistas ao leste e sul do país. Em Sloviasnk, por exemplo, o fotojornalista italiano Andrea Rocchelli, e seu interpréte, Andrei Mironov, foram mortos.

Em Kiev, as eleições, também municipais, foram tranquilas. Debaixo de um enorme calor, no colégio eleitoral localizado no Instituto de Pesquisa de Fisiologia Bogomelets, centro de Kiev, Ivan Plachkov, ex-ministro de Energia de Yushchenko, disse a CartaCapital: “Votei no candidato que pode vencer no primeiro turno”. O motivo? Ele cita o exemplo de sua vinícola, às margens do Danúbio. “O terroir, as uvas e a mão de obra são da Ucrânia. A tecnologia é italiana e francesa.” Ele não usa uvas estrangeiras? “Claro, precisamos experimentar novos vinhos, mas temos vinhos com uvas ucranianas vendidos na Europa.”

Em outro colégio eleitoral de Kiev, o Clube do Exército, o calor inexiste. Ar condicionado. Uma jovem, Taiana Batyuk, diz que votou em Poroshenko. “Ele é um empresário, acho que vai saber administrar o país.” Ela começa a chorar. “Não quero mais ver a imagem tão denegrida da Ucrânia mundo afora. Somos pobres, a Rússia nos domina, a mansão de Yanukovich virou museu para estrangeiros.” Seu companheiro, um sorridente jovem, Pinkevich Alexey, a conforta.

Eis Miroslava Kotorovich, violinista de grande talento, com a filha. “Votei em Poroshenko. Espero que ele saiba lidar com a UE e Putin. É a melhor opção.”

Quem sabe tem razão Kotorovich. Nascido em Odessa, ele tem experiência em um país pós-comunista de 46 milhões de habitantes onde empresários são vistos como pessoas que tomam suas próprias decisões. São os oligarcas, que, bem ou mal, influenciam políticos ou se tornam políticos.

Segundo a revista americana Forbes, Poroshenko vale 1,6 bilhão de dólares. No início da campanha eleitoral, Poroshenko era o segundo favorito, atrás de Vitali Klitschko, campeão peso pesado pelo Conselho Mundial de Boxe. Klitschko, da legenda Aliança Democrática Ucraniana pela Reforma e herói na luta conta Yanukovich na Praça Maidan, abriu mão, diga-se, de sua candidatura presidencial para favorecer Poroshenko. Isso após um encontro em Viena entre ele, Poroshenko e Dmytro Firtash, o magnata do gás recentemente preso em Viena pelo FBI. Firtash, diga-se, é um grande lobista russo. “Há muitas especulações sobre esse encontro e tantos outros nesse país onde oligarcas são políticos ou fazem política”, diz o cientista político e jornalista Oleg Varfolomeyev.

“Se legitimiado em todo o país, inclusive no leste e no sul, Poroshenko trará novas esperanças”, diz o economista Andriy Novak. As pessoas saberão com quem tratar. Ele é bom empresário e, portanto, entende de economia. No entanto, “será que seu objetivo é ser mais rico que Kinat Akhmetov, o oligarca mais rico da Ucrânia?” Outro obstáculo: “Ele é sincero quando diz que não quer aumentar os poderes presidenciais?” Desde a Revolução Laranja de 2004, os poderes do presidente foram reduzidos. De um camaleão espera-se qualquer coisa.

Foto: Sergei Supinski / AFP

Fonte: Carta Capital

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