A professora e historiadora Iara Andrade Costa foi uma das primeiras a falar. Ela contou que o Departamento de História da Univille já realizou e ainda está organizando diversas atividades relacionadas aos 50 anos do golpe e que há uma necessidade de resgate da história do período.
Por felipe Silveira.
Se depender dos participantes da reunião extraordinária da Comissão de Participação Popular e Cidadania da Câmara de Vereadores de Joinville (CVJ), que ocorreu na quarta-feira, 30 de abril, a criação da Comissão Municipal da Verdade, cujo objetivo é investigar o golpe de 64 e o período da ditadura civil-militar, é apenas uma questão de tempo.
Ninguém se opôs à proposta dos movimentos sociais e de familiares das vítimas do regime, surgida no evento de comemoração dos 35 anos do Centro dos Direitos Humanos Maria da Graça Bráz (CDH), que ocorreu na CVJ, no dia 11 de março. Presentes naquela ocasião, os vereadores Adilson Mariano (PT) e Rodrigo Fachini (PMDB) levaram a ideia à Comissão de Participação Popular e Cidadania, que, 50 dias depois, realizou uma reunião extraordinária para discutir a criação da comissão.
Participaram da reunião, além dos vereadores Adilson Mariano, Rodrigo Fachini, Fábio Dalonso (PSDB) e James Schroeder (PDT), dois representantes do CDH, o professor e pesquisador Maikon Jean Duarte e a coordenadora do CDH, Irma Kniess; o advogado Eugênio Pacelli Paz Vieira da Costa, presidente da Comissão da Verdade da Ordem dos Advogados do Brasil; e a chefe do Departamento de História da Universidade da Região de Joinville (Univille), a professora e historiadora Iara Andrade Costa. Outros interessados no tema também acompanharam a reunião, que ocorreu na sala de reuniões das comissões da CVJ.
De acordo com Mariano, o objetivo do encontro era debater a criação da Comissão da Verdade e sua formatação. O vereador Fachini afirmou que o momento é “bastante oportuno” para debater “esse período horrível da nossa história”. Também lembrou que dois vereadores da casa foram cassados ou perseguidos pelo regime militar, os irmãos Aderbal e Ulisses Tavares Lopes, e propôs que se estudasse a possibilidade de devolver os mandatos.
A professora Iara foi uma das primeiras a falar. Ela contou que o Departamento de História da Univille já realizou e ainda está organizando diversas atividades relacionadas aos 50 anos do golpe e que há uma necessidade de resgate da história do período. Segundo ela, muitos jornais daquele ano desapareceram do Arquivo Histórico Municipal (AHM), o que dificulta a pesquisa sobre o tema. Também destacou que é preciso trabalhar a questão da Operação Barriga Verde, que perseguiu opositores do regime em Santa Catarina. A professora destacou a importância da comissão para que as pessoas saibam “o que foi a ditadura e, assim, não queiram a ditadura.”
Mais alinhado ao ponto de vista das Forças Armadas, a qual serviu por muitos anos, o representante da OAB, Eugênio Pacelli, afirmou que a comissão municipal não pode ser parcial como a Comissão Nacional da Verdade é acusada de ser. “Não comungo dos excessos, mas houve avanços, como a ponte Rio-Niterói”, disse o ex-militar, que defendeu a participação de um membro das Forças Armadas entre os membros da futura comissão. A ideia teve eco na fala do vereador Fábio Dalonso, também ex-militar. “Não existe comissão da verdade com apenas um dos lados”, disse, e em seguida sugeriu a participação de um membro da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (Adesg) na formação da CMV.
“A comissão é parcial, sim. Parcial dos direitos humanos”, afirmou o professor Maikon Duarte, representando o CDH. Segundo ele, quem afirma que a Comissão Nacional é parcial também não se dispõe a falar, como é o caso do coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, que é ligado a um blog no qual faz acusações à CNV, mas que não respondeu a maior parte das perguntas quando foi convocado a depor. Para Maikon, é importante que grupos como a Adesg, sugerido por Dalonso, participem do processo. “Mas que venham revelar qual foi o papel dessas instituições”.
De acordo com o professor, as comissões têm o papel de investigar o que foi a ditadura militar em cada lugar. Dessa maneira, afirmou Maikon, cabe às comissões apurar crimes de tortura, assassinato e desaparecimentos cometidos por agentes do Estado naquele período.
O advogado da OAB ainda afirmou que brasileiros ligados aos movimentos de resistência tiveram treinamento militar em Cuba, ao que foi questionado pela professora Iara: “Você sabe quem treinou os militares brasileiros? A CIA! E o Brasil treinou militares de toda a América Latina.” (CIA é a sigla para Central Intelligence Agency, a Agência Central de Inteligência estadunidense).
A historiadora também esclareceu que nem todos os militares devem se sentir culpados pela ditadura como nem toda a sociedade civil deve se sentir inocentada, pois havia militares que não compactuaram com o regime, enquanto setores da sociedade apoiaram e agiram em prol do golpe e da ditadura.
Buscando um encaminhamento, os vereadores discutiram as possibilidades jurídicas para a criação da CMV. Uma delas, segundo Mariano, é por meio de um projeto de lei, conforme as comissões nacional e estadual. Um assessor da casa, no entanto, apontou que nos dois casos o projeto partiu do Executivo e está ligado ao governo. Assim, para o caso municipal, é preciso achar uma saída. Dessa maneira, a prefeitura será convidada para a próxima reunião, marcada para o dia 21 de maio, na Câmara de Vereadores. Outras entidades serão convidadas a participar e levar propostas de formatação da Comissão Municipal da Verdade.
Foto: Felipe Silveira
Fonte: À Margem