O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) decidiu promover uma inflexão em sua agenda de lutas pela Reforma Agrária. Após um intenso debate nos últimos anos, o VI Congresso do MST, realizado em fevereiro deste ano, aprovou essa nova agenda, batizada de reforma agrária popular. A escolha do nome já indica a natureza da inflexão: ela precisa atender as necessidades de toda a população, do campo e da cidade. E uma das necessidades mais urgentes hoje é garantir uma alimentação saudável e de qualidade. Alimentos sem venenos, sem agrotóxicos, alimentos que gerem emprego, renda e qualidade de vida para quem os produz, que preserve culturas, práticas e saberes tradicionais.
Segundo João Pedro Stédile, um dos principais dirigentes do MST, esse programa de reforma agrária parte da necessidade de democratização da propriedade da terra, fixando limites, propondo a reorganização da produção agrícola e priorizando a produção de alimentos sem venenos. O caminho para chegar a tudo isso é desenvolver políticas para universalizar uma nova matriz tecnológica representada pela agroecologia. Isso é possível, necessário e de fácil entendimento pelo conjunto da população, pois se trata de buscar qualidade de vida e evitar enfermidades como o câncer, provocado, entre outros fatores, pelo consumo descontrolado (e desconhecido) de agrotóxicos e outras substâncias químicas. Stédile cita advertência feita pelo Instituto Nacional do Câncer que prevê, só para este ano de 2014, cerca 526 mil novos casos de câncer no país, a maioria de mama e de próstata.
A nova agenda de reforma agrária, defendida pelo MST e também pela Via Campesina, propõe ainda a valorização da vida no interior, com geração de emprego e oportunidade de formação para jovens. Para isso propõem a implantação de milhares de pequenas agroindústrias na forma de cooperativas, capazes de dar emprego e estudo a milhões de jovens.
A decisão de promover essa inflexão se deve a uma caracterização da atual conjuntura internacional, hegemonizada pelo capitalismo financeiro e por grandes empresas transnacionais que controlam o mercado de alimentos e sementes. Esse modelo, avalia o MST, não tem interesse em nenhum tipo de reforma agrária, por mais tímida que seja. É um modelo baseado na monocultura, onde cada fazenda se especializa em um produto, com uso intensivo de máquinas agrícolas e agrotóxicos.
Em um artigo publicado na Carta Maior, intitulado “O capital está vencendo”, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, concorda com essa caracterização geral da conjuntura e elogia a nova estratégia adotada pelo MST:
“O MST, no seu Congresso Nacional, deu uma demonstração de acuidade política e clareza programática. Fez a vinculação da questão agrária do país a um novo conceito de reforma: vinculou as demandas particulares dos deserdados da terra à produção de alimentos sadios para os cidadãos de todas as classes, numa verdadeira rebelião agroecológica, que faz a disputa no terreno da produção e da política. Particularmente ele se reporta àqueles que mais sofrem os efeitos “fast-foods”, turbinados por agrotóxicos e por malabarismos genéticos, cujos efeitos sobre a espécie humana ainda não são avaliáveis na sua plenitude.
Trata-se, na verdade, da superação de uma demanda particular de classe – uma reforma agrária baseada na mera redistribuição da propriedade – para um plano universal de interesse da totalidade do povo, sem a perda das suas raízes classistas. Belo exemplo que vem do povo para ser absorvido e renovar a cultura política da esquerda. O capital financeiro, no mundo, está vencendo, mas pode ser barrado pela imaginação criadora de uma esquerda que seja consciente da grandeza das suas tarefas nos momentos de refluxo. O MST deu um belo exemplo. A esquerda o seguirá?”
O Brasil é hoje o maior mercado doméstico de agrotóxicos do mundo, ficando inclusive na frente dos Estados Unidos.
Maior mercado de agrotóxicos do mundo
O Brasil é hoje o maior mercado doméstico de agrotóxicos do mundo, ficando inclusive na frente dos Estados Unidos. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o Brasil registrou um crescimento de 190% do comércio desses produtos só entre os anos de 2000 e 2010, mais que o dobro da medida mundial, que foi de 93% no mesmo período. Cada brasileiro, segundo esses dados, consome em média 5,2 quilos de agrotóxicos por ano. Além disso, o Brasil é responsável por 5% da área plantada no mundo e usa cerca de 20% do veneno produzido.
O principal fator responsável por esse crescimento foi a expansão agrícola do país. Trata-se de um mercado bilionário e altamente concentrado. O mercado nacional de agrotóxicos movimenta anualmente bilhões de dólares (em 2010 foram US$ 7,3 bilhões, o que representa 14,25% do total mundial que chegou a US$ 51,2 bilhões naquele ano).Um seleto grupo de dez grandes empresas do setor respondem por 65% da produção nacional e 75% das vendas. Seis delas dominam 66% do mercado mundial (Basf, Bayer, Dow, Dupont, Monsanto e Syngenta). Um único produto, o glifosato, responde por 29% de todo o mercado brasileiro de agrotóxicos.
Uma boa (e perigosa) parte desse veneno acaba parando na mesa das famílias brasileiras. O MST não vai ficar esperando simpatia ideológica pela causa da reforma agrária, mas aposta que a imensa maioria da população não quer ter agrotóxicos fazendo parte de seu cardápio diário. Ou, dito de outro modo, que prefere viver a morrer. Simples assim.
Fonte: Sul 21