“Queria começar o meu discurso fazendo uma pergunta a vocês: como é estar preso e não ter o direito de provar a sua inocência?”
Com este questionamento, o ator Vinícius Romão iniciou a audiência pública sobre a banalização das prisões provisórias e o racismo no Poder Judiciário, realizada às 10h, desta quinta-feira (13) pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa, presidida por Marcelo Freixo (PSOL).Vinícius foi preso no dia 10 de fevereiro, no Méier, após ser confundido com um assaltante. Ele passou 16 dias na Cadeia Pública Juíza Patrícia Acioli, em São Gonçalo.
Vinícius dá a dimensão pessoal de um drama que o Brasil está longe de superar: o racismo e suas expressões institucionais. Segundo informações do Departamento Penitenciário Nacional, em 2011, dos 514.582 presos no Brasil, 274.253 são negros, o equivalente a 54%.
Além de lembrar o sofrimento vivido por ele e por sua família – seu pai, Jair Romão, acompanhou a audiência -, o ator questionou a atuação do Estado. “A polícia fez meu pai chorar por 16 dias. Não houve respeito. Perante a lei somos todos iguais”, afirmou. Quando foi preso, ele sequer pode ligar para a família ou para um advogado.
Vinícius lamentou as arbitrariedades cometidas contra ele e mostrou preocupação com os abusos a que podem ser submetidos outras pessoas, em especial, o suspeito com quem fora confundido no Méier. “E se fosse ele? Também não teria condições de responder? Não teria direito a nada? Só que vocês pegaram o cara errado. Eu tenho curso superior, carteira assinada, residência fixa. Mas nada disso foi investigado”, afirmou, se dirigindo ao representante da Polícia Civil, o delegado titular da 25ª DP (Engenho Novo).
Outros Vinícius
O caso ganhou notoriedade porque o ator trabalhou na novela “Lado a Lado”, da Rede Globo. Mas, como ele mesmo afirmou ao deixar o presídio, “há outros Vinícius”. Um deles é Douglas de Oliveira Moreira, morador da Pavuna, que compareceu à audiência acompanhado da mãe, Odélia. Após ser “reconhecido” por uma vítima de assalto através de uma foto no Facebook, Douglas foi agredido por policiais, humilhado e encarcerado por um mês (leia mais sobre a história de Douglas).
O rapaz criticou a condução das investigações – o crime ocorreu em julho de 2013, mas ele nunca foi chamado para depôr. “A descrição é que a pessoa era um negro, alto, magro e de cabeça raspada. A partir destas características, ela (a polícia) poderia prender o Rio de Janeiro inteiro. Me intitularam ladrão de carros de alta periculosidade. Sempre mantive minha vida, desde os 15 anos, a trabalhar. Trabalho, estudo e faço concursos”, contou.
Douglas lembrou o dia de sua prisão, realizada em 9 de janeiro de 2013. “Quebraram minha casa toda à procura de armas, à procura de algo que pudesse me incriminar. Queriam me forçar a confessar uma coisa que não fiz. Contribuí, mostrei cada cômodo de minha casa e, a cada vez que tentava me explicar ou tentava saber de alguma coisa, era uma agressão. Entrei (na cadeia) com a certeza de que era inocente, mas não sabia quando iria sair. Conheço pessoas nestas mesmas condições que estão lá até hoje”, disse. Uma dessas pessoas é Hércules Menezes Santos, também morador da Pavuna e preso devido ao mesmo inquérito a que responde Douglas. O tio do rapaz, José Menezes, esteve na audiência.
Ao fim da reunião, Marcelo Freixo lamentou a ausência de representantes do Tribunal de Justiça e do Ministério Público – a Defensoria Pública do Estado e a Polícia Civil participaram. “A presença deveria ser obrigatória, senão por lei, pela ética, mas talvez seja pedir muito”, lamentou.
A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania vai marcar uma audiência com a presidência do Tribunal de Justiça para discutir o problema – a próxima audiência do caso Douglas será no dia 18 de março, às 14h, no Fórum de Mesquita – e o encaminhamento de ofícios ao Ministério Público e à chefia da Polícia Civil sobre os temas discutidos.
Fotos: Iara Pinheiro
Fonte: Blog do Marcelo Freixo.