Por Marlene Prestes.
Integrantes da Comissão da Verdade em SC apresentaram ações e agenda durante mesa-redonda promovida pela Cooperativa de Produção em Comunicação e Cultura (CpCC) na sede do Sindprevs/SC, na última sexta-feira (7)
A pergunta que ficou após a apresentação do documentário O dia que durou 21 anos entre o público presente era: por que João Goulart não resistiu ao golpe de 64? Alguns se manifestaram a favor da atitude do presidente em deixar o poder, sem derramamento de sangue, outros, discordaram, acreditando que seria possível resistir, embora com navios e militares americanos à espreita nos portos prontos a ajudar os golpistas.
O diretor Camilo Tavares entrevista militares, ex-políticos, membros da embaixada americana na época, historiadores e especialistas no tema, trazendo uma ampla visão da situação e do contexto do golpe, mostrando que por trás de tudo estava o governo do presidente John Kennedy que não só apoiou, mas que financiou o golpe, contando com os militares brasileiros. Arma-se pelas costas a queda de Jango, um presidente marcado por um governo popular, com ações sociais, econômicas voltadas para o povo. Isso incomodava tanto aos Estados Unidos e aos próprios empresários paulistas, que também financiaram o golpe.
Se João Goulart contava com o apoio militar em quase todo seu governo, o mesmo não se deu com os últimos dias, onde aos poucos foi perdendo o apoio militar. Tropas cercaram o Palácio Laranjeiras e embora Goulart tenha autorizado o ataque aos golpistas, os comandantes deram ordens contrárias aos seus subordinados. O comandante amigo de Goulart ao perceber a situação, aconselhou Goulart a deixar o palácio, devido ao risco de ser preso ou morto. O político Santiago Dantas também visitou Jango e deixou claro a extensão do apoio americano ao golpe, inclusive com a tal beligerância, tramada no exterior, o que significava que em caso de haver resistência, já havia um contra-ataque preparado pelos americanos, diga-se de passagem com total conivência de membros da política. Em Brasília, Darcy Ribeiro, como chefe da Casa Civil reuniu mais de mil trabalhadores para defender o presidente, no entanto, ao chegar lá Goulart percebeu que havia golpistas prontos a atacar. Para evitar o confronto, migrou para Porto Alegre, onde foi recebido por Leonel Brizola, que o incentivou a resistir, porém, não quis derramar o sangue do povo brasileiro.
Comissão da Verdade em SC
A advogada e ex-presa política Rosângela de Souza (Lelê), Derlei Catarina de Luca, integrante da Comissão da Verdade Paulo Stuart Wright (CEV), Valmir Braz, coordenador geral do Sindprevs/SC e Raul Fitipaldi, presidente da CpCC compuseram a mesa-redonda sobre as ações das CEVs em Santa Catarina. A CEV está fazendo reuniões em várias cidades catarinenses e nos próximos meses estão previstas reuniões em Criciuma, Joaçaba, São Francisco do Sul e Joinville. O trabalho da comissão segundo Derlei tem contado com um certo apoio da imprensa, no entanto, falta apoio financeiro e participação maior de entidades sindicais e OAB. Muitas viagens de trabalho são pagas com recursos dos próprios integrantes. Obstáculos e burocracias colocadas pelo STF também dificultam o trabalho das comissões e o julgamento e punição dos envolvidos em torturas e desaparecimentos, como por exemplo, a prescrição e a validade dos depoimentos. O limite entre o discurso burocrático e as entidades populares que lutam contra o esquecimento da violência e da violação dos direitos humanos, no qual famílias ainda vivem o trauma da falta dos corpos de seus entes queridos, significa não deixar impune os crimes de tortura e morte cometidos durante a ditadura militar. As fotos divulgadas pelos jornais, são os lugares dos crimes cometidos por alguém. A Argentina é um exemplo clássico de que a justiça foi feita. Após instaurar a comissão e ouvir os depoimentos de vítimas e parentes, os militares foram levados a julgamento. Além disso, foi montado um memorial em homenagem aos mortos-desaparecidos. Contra o esquecimento dos mortos pela ditadura, a memória é um bem comum e também uma necessidade moral, jurídica e política e como diz Beatriz Sarlo, em Tempo passado, se “o núcleo da verdade deve ser inquestionável também seu discurso deveria ser protegido do ceticismo e da crítica. A confiança nos testemunhos das vítimas é necessária para a instalação de regimes democráticos e o enraizamento de um princípio de reparação e justiça”.
Em SC, durante o período militar 130 sindicalistas foram presos e 30 sindicatos estiveram sob o alvo da repressão. A mesa-redonda foi transmitida ao vivo pelo Portal Desacato.info. O evento é também uma comemoração a 100ª edição e mais de 500 assinantes do jornal (N. da R.: O jornal se refere ao Boletim gratuito semanal Desacato Passa Revista. O Portal Desacato tem mais de 3500 leitores por dia). Os objetivos da CEV no estado é o descobrimento/entrega dos corpos, construção de um memorial das vítimas e o julgamento dos envolvidos. E respondendo à pergunta do título: se Jango tivesse resistido ao golpe. Possivelmente, teria sido morto, mas teria se tornado um herói nacional. Mas não era do temperamento dele incentivar um enfrentamento brutal, como seria o caso.
Fonte: http://www.folhinhadasletras.blogspot.com.br/