Por Hélio Rodak de Quadros Junior.
“Pula fora dessa merda!”, me dizia à época do GT Reorganiza UFSC um velho amigo, “isso aí não vai dar em nada, a mulher (reitora) só tá te enrolando!”. Pois bem, após a recente entrevista da reitora Roselane Neckel ao Diário Catarinense (Grupo RBS) na semana passada, imagino aquele velho amigo olhando fundo em meus olhos e dizendo: “Aí seu mané, chupa essa manga! Eu não te avisei?”. A magnífica reitora deu uma “senhora rasteira” naqueles que imaginavam que dali sairia algum tipo de diálogo de seu governo sobre as 6 horas (grifos do blog – C.P.):
DC – Legalidade à parte, a senhora é pessoalmente favorável à jornada de seis horas?
Roselane – O que eu diria? (pausa) Eu diria que eu respeito o direito que os movimentos sociais têm de buscar as seis horas, mas acredito que um país em que a maioria das pessoas trabalham 44 horas semanais e onde nós temos ainda, apesar de todas as políticas sociais para melhoria das condições de pobreza, nós temos muitos problemas na saúde, na área da educação, nós precisamos de dinheiro para muita coisa em prol da sociedade. Então, eu acredito que essa luta, que é individual, não pode ir contra uma luta que deve ser social. Durante muitos anos, os professores, os técnicos-administrativos e os estudantes lutavam pela melhoria das condições de trabalho na UFSC, lutavam por mais verbas na educação, por mais vagas de professores, por mais vagas de técnicos, por uma universidade com mais extensão, que atenda as necessidades da sociedade como um todo e não apenas dos setores produtivos. Essas eram as grandes lutas, as lutas que uniam professores, técnicos e estudantes. Essa luta, afinal, ela atende a quem? Apenas a um grupo. Um grupo importantíssimo, que merece ser cada vez mais valorizado. Mas como vou estar favorável se tenho uma UFSC hoje com um déficit muito grande de técnicos-administrativos, que um mero cálculo matemático nos mostra que é impossível realizar turnos de seis horas em toda a universidade como regra geral. E paralelo a isso, eu tenho a legislação que me diz que somente poderão ser realizadas seis horas em turnos contínuos após as 21 horas, de atendimento ao público, e que não poderá ser utilizado como regra geral. Tem todos esses elementos, que incluem sim a legalidade, mas incluem também uma questão de reflexão política, social. Como pensar na exceção se temos tantas outras lutas que precisam ser feitas nesse país?
Fonte: Diário Catarinense – Reitora da UFSC fala sobre a saída de pró-reitores
Antigamente, em 6 de agosto de 2013, era uma questão da Reitoria “respeitar as eleições do sindicato”, ou de dificuldades técnicas para operacionalizar o“debate com a comunidade”, no qual o governo supostamente “republicano” organizaria mais uma de suas comissões de “ganho de tempo”, com direito à promessa de data pelo chefe de gabinete, sr. Carlos Vieira (CFH), para 16 de agosto daquele ano:
Entretanto, apesar das promessas não cumpridas, enquanto não se chamou nenhum debate com a comunidade, o governo da sr.ª Roselane seguiu a passos largos sua firme oposição às 6 horas:
- Em 23 de agosto de 2013, na recepção aos novos servidores, aproveita-se de sua prerrogativa de mesa e já insere a questão em termos de “até hoje não fui convencida” (Blog da Gestão – Reitora fala do atendimento ao interesse público durante recepção a novos servidores).
- Em 06 de setembro de 2013, apresenta seu “estudo sobre a carga horária dos TAEs” numa reunião onde foram convidados apenas diretores de centro de campi, chefes de departamento, coordenadores de curso de graduação e de pós-graduação (30 horas a nu: unidade, crítica e direção política). Os TAEs não haviam sido chamados para discutir sua própria carga horária, tiveram de “invadir” a reunião dos nobres senhores.
- Em 10 de setembro de 2013, é realizada uma incrível manobra do governo de Roselane Neckel tentar transferir a responsabilidade do debate aoConselho Universitário. Os diretores de centro, em especial o sr. Felício (CCE) e o sr. Cancelier (CCJ), protagonizam com a presidente daquela sessão, a ex-pró-reitora de graduação, sr.ª Roselane Campos, o expurgo da pauta das 6 horas do CUn (A importância de “termos perdido” as 30 horas no CUn).
- Em 26 de novembro de 2013, mais uma reunião de gabinete, a portas fechadas, com os diretores de centro para falar sobre uma futura matéria do CUn (inclusão dos campi), e carga horária dos TAEs, e, evidente, sem convidar os TAEs. A novidade dessa vez é a intenção de se criar uma cartilha para os TAEs (Vídeos da Intervenção do dia 26/11 – 30 Horas).
- Em 12 de dezembro de 2013, na assembleia dos TAEs, a própria reitora Roselane Neckel vai à assembleia pregar o medo àqueles que pretendem falar“demais” sobre as 30 horas. Com um sutil discurso sobre segurança, preocupação com as famílias dos TAEs, chama a atenção daqueles que lhe lembram que ela apoiou as 6 horas enquanto foi diretora do CFH, como se isso fosse algo que devesse “ser esquecido” (SINTUFSC – Veja AG com a Reitora da UFSC).
- Em 19 de fevereiro de 2014, é publicada uma nota sobre as 30 horas, assinada pelas duas reitoras, dessa vez em explícito tom terrorista, com sutis menções a descontos de salários, processos a membros de conselhos universitários que aprovaram as 30 horas (A Reitoria da UFSC está atônita com as 30 horas?).
Ora, a matéria publicada no DC em 1.º de março de 2014 é apenas mais um passo dessa explícita oposição ao tema, dessa vez rebaixando a pauta a “questões individuais”, uma espécie de clichê usado para tudo nessa gestão, como na saída dos 4 pró-reitores do governo Roselane no mês passado. Já vimos esse tipo de filme antes?
Pois bem, passada a indignação individual com as palavras da reitora Roselane ao DC, pude meditar com mais calma sobre as suas palavras e as palavras de meu amigo, “pula fora dessa merda!”. Em certa medida, ambos estão certos no que tange uma questão pessoal, individual, nisso tudo. A Roselane não chamou até hoje os reais debates: seus “fóruns consultivos” não passaram de palestras para buscar legitimar determinadas políticas (como se deu nos fóruns pré-gestão ou no caso dos portões), assim como é um “simulacro de neutralidade” aquelas disputas no CUn “mediadas pelo governo Roselane” (como no caso das fundações de apoio e das 30 horas). É preciso assumir os “erros” de nossas crenças e atitudes: o Reorganiza UFSC, em verdade, tornou-se uma exceção à regra, uma comissão que DEU ERRADO, no sentido de se arrefecer conflitos, passar uma fachada de “tentamos”, de legitimar o que já havia sido definido em gabinete, de consolidar a fachada de “republicanização”.
As 6 horas na UFSC ganham hoje um aspecto de desobediência civil, uma negação ao discurso do medo propagado por Roselane e seu governo. Possui sim uma profunda dimensão individual, e que não nega o social, na medida em que se questiona o uso espúrio da carga horária como moeda de troca, que diz hipocritamente “pode se o dono do feudo deixar”. Mas o que diz essa explícita desobediência civil? “Que se foda o dono do feudo! Faremos por nossas mãos as 6 horas! E mais, faremos 6+6!”. Evidente que seremos acusados de só pensar em “nossos umbigos”, por acaso deveria esperar de um governo que não faz o debate um reconhecimento justo dessa causa? Uma leitura da questão de classe sobre a redução da jornada de trabalho? Evidente que não!
A imagem daquela sr.ª Roselane que um dia apoiou a luta das 6 horas em seu centro (CFH) é tão somente uma ilusão que muitos de nós projetou sobre a atual Reitora. Uma sincera ilusão de que “dessa vez seria diferente”, que ao menos os debates públicos haveriam de ser chamados… mas nem isso! Os escancarados ataques e ameaças, inclusive de pró-reitores desse “governo republicano” a servidores em estágio probatório por causa das 30 horas apenas mostram que perante o público deve-se manter a imagem da “neutralidade”, enquanto nos bastidores a “chibata da avaliação” corre solta no lombo dos “escravos modernos” da UFSC (servidores em estágio probatório).
Aí reside a luta individual: cada vez que se leva uma dessa chibatadas no lombo, não é só do “dono do feudo” que estamos apanhando, uma vez que ele não teria tamanha “coragem” se estivesse fazendo aquilo sozinho. Existe uma Lei que lhe protege nesse ato baixo e que lhe dá cobertura. Existe um Governo que nega apenas no discurso essa Lei da jornada de trabalho como moeda de troca, reproduzindo tal relação para se sustentar e agora lhe inserindo um novo ingrediente: o medo. As 6 horas existem, em espaços como o CFH ou o HU, mas “deve se cuidar ao falar isso”, porque elas só podem existir nessaresignação, nessa relação do TAE como um ser impuro, a ser escondido. O Direito não deve ser assumido enquanto tal, deve ser visto como um tipo de“privilégio”, de “vergonha”.
Ao fim e ao cabo, Roselane está certa ao falar sobre aspectos individuais dessa luta. Cada um de nós precisa ter a coragem e a humildade de perceber que ela é contra as 6 horas para todos os TAEs, o que está em primeiro lugar na definição política de seu governo: antes da legalidade, antes da questão técnica, até mesmo antes de toda a questão política. Todavia, como é de praxe de seu governo, não pode dizer isso com todas as letras, é preciso recorrer à “imagem de neutralidade”, afirmar-se enquanto um Governo Institucional que não se deixa guiar por “políticas de grupo”, e por isso é tão recorrente a redução da pauta das 6 horas a questões individuais, como o foi com a saída dos pró-reitores, ou do debate sobre as fundações… tudo se resume a deslocar o assunto do social e político para o moral e pessoal. E nesse artifício somos capazes de cair num maior falseamento político: de que ela e seu governo não faz o debate sobre as 6 horas, e insiste em tentar nos colocar tanto medo, porque “se preocupa conosco”.
Não viemos à UFSC em busca de uma mãe, viemos para trabalhar! Não somos crianças, e penso que a sr.ª Roselane um dia possa perceber isso. Temos uma pauta séria e também sabemos fundamentá-la, até fizemos um estudo, e por isso insistimos durante tempo apenas por um “cronograma de debates”. Evidente, até pode parecer uma “má criação de criança” não aceitar aqueles palestras com o nome de “fórum consultivo” como um debate, mas é justamente por “não sermos crianças” é que propusemos algo mais participativo, aberto, e não paternalista.
Quando cada TAE dessa universidade conseguir proclamar abertamente suas razões de ser favorável à pauta das 6 horas, declarar seu amor por essa proposta ousada, “mandar cada dono de feudo à merda”, estaremos fazendo algo muito maior do que quebrar a Lei da jornada de trabalho como moeda de troca. Será quase como proclamar uma outra UFSC possível, incoercível em sua autodeterminação, que se espalha pelo país, sem medo.
Fonte: Cadernos Políticos.