A economia política dos jogos online

Jogos gratis

Por Luís Miguel Magalhães .*

Os jogos grátis online podem ser um assunto sério. Movimentam quantias enormes e fazem-no com uma lógica de mercado em que a balança comercial portuguesa é severamente prejudicada. Milhões de euros saem de Portugal todos os anos, mas poucos se apercebem disso.

A cadeia de valor dos jogos online é algo obscura, poucos têm noção da sua integralidade. Os jogos são criados por empresas de países desenvolvidos (EUA, Alemanha, etc), por meio de ferramentas como o Adobe Flash, Adobe Shockwave, Java, Unity 3D e outras, sendo a seguir combinados com programas gráficos de animação e imagem. Todo esse processo de produção demora pelo menos um par de meses por jogo, podendo chegar a um ano ou até mais.

A ideologia subjacente a muitos dos jogos criados por essas empresas internacionais (militarismo, mercenarismo, apologia das agressões imperialistas, etc) é um reflexo da mentalidade dos que as controlam. Uma amostra do poderio financeiro das mesmas é o facto de uma delas ter podido contratar um economista famoso como Yanis Varoufakis para desenvolver um jogo de guerra económica numa sociedade virtual .

Os jogos podem estar disponíveis nos próprios websites das empresas que os produzem ou por outras (proprietárias de sítios web especializados) que os encomendam e disponibilizam depois de forma gratuita aos visitantes dos seus sites, ou então, os que simplesmente apresentam uma selecção de jogos desenvolvidos por outras empresas. No caso da empresa criadora ou da empresa que encomenda, os jogos possuirão sempre links dirigindo os utilizadores dos jogos para os respectivos sites das empresas criadoras. Para atingirem a máxima difusão possível, todos os envolvidos neste ramo de negócio têm interesse em colocar os jogos na rede de forma gratuita para o utilizador final. É aqui entram então todos os outros milhares de sites de jogos que apresentam de forma gratuita e que contribuirão para o crescimento dessas mesmas empresas/sites com os links existentes no jogo direccionados para os respectivos criadores.

Grande parte da produção dos criadores de jogos é difundida através empresas internacionais não criadoras. Estas fazem uma selecção dos jogos que consideram os melhores e apresentam-nos nos seus sítios. Depois, com o dinheiro que ganham através da publicidade, investem em países mais fracos como Portugal e cimentam posições nos mercados web mais frágeis. Os clientes nesses países não percebem se se trata de uma empresa estrangeira ou não. Estas empresas têm diversas parcerias publicitárias e apresentam anúncios nos seus sítios web para que possa existir um retorno monetário uma vez que o jogo é gratuito.

Para essa penetração em Portugal muito contribuiu a política míope do governo português, que durante anos restringiu severamente a utilização do domínio “.pt” apenas a empresas. Assim, os jovens empreendedores portugueses tinham de constituir empresas, ou seja, enfrentar burocracias, dispor de um mínimo de 5000,00 euros de capital e obter registos de marcas que podiam demorar mais de um ano a serem aceites. Mas as empresas internacionais conseguiam facilmente obter domínios “.pt” devido ao poderio económico que dispunham e à capacidade para abertura de empresas e constituição de marcas comunitárias. Essa é uma das razões porque os sítios web portugueses têm de enfrentar uma concorrência desigual com os estrangeiros. O outro aspecto da concorrência desigual é, naturalmente, a diferença de poder financeiro que permite investir em publicidade. Assim, quando um sítio português consegue obter 10 mil visitas/dia o seu homólogo estrangeiro consegue chegar até as 100 mil visitas/dia. E, na lógica da web, quanto mais visitas a um sítio mais rentável este se torna com a publicidade nele inserida. Em termos mundiais estima-se que haja uma relação média de €30 por cada 5000 páginas percorridas.

A dominação dos motores de pesquisa por empresas estrangeiras também contribui negativamente para o desenvolvimento da Internet portuguesa. Segundo a Marktest, na semana de 20-26/Janeiro/2014 os dez domínios mais visitados por utilizadores únicos portugueses foram estes:

dominios

Verifica-se assim que apenas dois portais portugueses têm conseguido manter-se no Top 10 dos sítios mais visitados em Portugal. Ambos estão a enorme distância dos sítios mais visitados (Google, Facebook, Youtube). Assim, tudo indica que mais de 80% das páginas vistas por portugueses poderão estar a recair em sítios web de origem estrangeira. Ou seja, vão para empresas internacionais que não criam postos de trabalho em Portugal e que aqui pouco pagam de impostos. Indirectamente isto reflecte-se também nas receitas das televisões portuguesas: com o aumento da utilização web em Portugal verifica-se uma descida proporcional do investimento publicitário na televisão lusa.

Para se ter uma ideia dos valores em causa, adoptando-se a estimativa dos 30€/5000 visitas, verifica-se: Só no mês de Setembro de 2012, um só sítio web, o Facebook.com, teve 1.847.000.000 páginas visitadas em Portugal. Assim, nesse mês terá tido uma receita publicitária da ordem dos 11 milhões de euros no nosso país, com quase zero de impostos pagos em Portugal e zero ou quase zero empregos criados em Portugal.

Se às receitas do Facebook somarmos as do Google, Youtube, sítios de jogos/entretenimento e os de carácter sexual, também muito visitados, pode-se ter uma ideia da enormidade dos valores em causa e quanto Portugal perde com isso. Compreende-se assim porque a China preferiu ter o seu próprio motor de pesquisa e o seu próprio facebook.

Assim, os danos causados pelos sítios web internacionais à economia portuguesa podem ser estimados, sem sombra de dúvida, em pelo menos mil milhões de euros por ano. Esta sangria é praticamente invisível e pouco comentada, poucos têm dela consciência. No entanto, nem por isso é menos real. Seria de considerar uma campanha para a redução da utilização em Portugal destes sítios internacionais. Isto é o caso em particular do Facebook, e não apenas por razões económicas: se uma polícia política quisesse estabelecer um método para determinar quem tem relações com quem num país, não poderia encontrar um instrumento melhor. Nestes tempos em que a NSA espiona tudo no mundo todo, é de considerar as informações que se dão no Facebook.

Como já se viu, as empresas internacionais – com maior força económica e sistemas tecnológicos e de alojamento web mais desenvolvidos do que os existentes em Portugal – conseguiram entrar com relativa facilidade no mercado da web portuguesa. Assim, 100% dos lucros seguiram e seguem para o país de origem dessas empresas e nunca passaram pelas empresas criadas em Portugal ad hoc para efectuar o registo desses domínios. Isto foi feito com a total complacência e passividade dos nossos governantes, que deveriam proteger a sua população. O desplante foi tamanho que o ex-primeiro-ministro Sócrates andou a promover a Microsoft junto às escolas portuguesas, ignorando o software livre que permitiria poupanças de milhões de euros ao Estado português e ao país.

Quanto às empresas criadas em Portugal por empresas internacionais só para obterem o registo do domínio “.pt” , os lucros que elas obtêm aqui ou em qualquer outro país onde estejam localizadas nunca poderão ser controlados. Assim, a liberdade dada às empresas internacionais para comprarem domínios “.pt” sem qualquer criação de postos de trabalho em Portugal foi um comportamento totalmente negligente das entidades portuguesas responsáveis (governo e nomeadamente FCCN). Atrás disso vieram uma série delas como a brincar.pt, 1001jogos.pt ou a ojogos.pt. É de notar que os domínios .pt tinham na altura uma evolução mais rápida em Portugal pois o Google apresentava nos resultados de pesquisas realizadas em Portugal preferencialmente sítios web com a terminação .pt .

Para se ficar com a noção das dificuldades criadas pelo governo português, basta dizer que o único concorrente português a estes sítios de jogos – o Panda Jogos Grátis , – é paradoxalmente o único que possui um domínio “.com” . Isso aconteceu devido às dificuldades existentes na altura para o registo do domínio “.pt” . Devido a isso, ele não é a principal escolha dos portugueses, apesar de ser melhor do que muitos sítios estrangeiros.

Em resumo: “cortando as pernas” aos portugueses à nascença, estes não se conseguiram desenvolver e terem capacidade de investimento para se implementarem em Portugal, muito menos para se expandirem no estrangeiro. Hoje o mercado está saturado em praticamente todas as áreas e só recentemente se liberalizaram os domínios .pt em Portugal, depois de outros países estrangeiros o fazerem, apesar das inúmeras reclamações e pedidos feitos durante anos nesse sentido.

Somos um país que não sabe dar valor ao que é nosso e também nunca fez por crescer e dar apoio aos projectos na web portuguesa na devida altura. Infelizmente a culpa é de todos nós, porque todos contribuímos para isso. Estamos num país que não incute nem nunca soube incutir nada de útil nesta área específica e que chega sempre atrasado a tudo como se pode agora comprovar. Copiamos os outros e não somos capazes de nos desenvolvermos por nós mesmos. Por isso somos presas dos monopólios internacionais. É preciso ter consciência destas realidades para podermos inverter esta triste situação.

* Técnico de marketing

Fonte: Resistir

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