Chegada de Chávez ao poder deu impulso valioso ao cancioneiro folclórico e popular na Venezuela
Por Luciana Taddeo.
Hernán Marín é um cantor e compositor que investiu vários de seus 73 anos em pesquisar os gêneros musicais da Venezuela. Hoje, dedica seu tempo a apresentações e a ensinar como se dança o “joropo estribilho”, uma expressão tradicional do oriente do país e de seu estado natal, Sucre. Segundo ele, apesar das mazelas passadas pelos amantes da música que decidem viver desta arte, a chegada do presidente Hugo Chávez no poder, há 15 anos, levou a música tradicional venezuelana a seu auge.
“Quando Chávez começou a trabalhar o assunto da cultura, a música tradicional, folclórica e popular da Venezuela teve um impulso bastante bom. Criou-se o Ministério de Cultura, que promoveu apresentações de grupos de vários estados, o que gerou um impulso. Antes de ele chegar ao poder, a relação do venezuelano com a música tradicional era muito pobre”, explica a Opera Mundi, dizendo que outro momento de impulso se deveu à imposição do ditador Marcos Pérez Jiménez.
Hernán Marín interpreta “Canta y baila joropo” em Sucre, na Venezuela:
Nativo do estado de Barinas, Chávez era um amante da música dos “llanos” (planícies) venezuelanos. Em diversas aparições públicas, o presidente Hugo Chávez, falecido em 5 de março do ano passado, cantava ou aparecia ao lado de músicos ou pedia que sua equipe colocasse canções tradicionais. “O que mais que a música é senão a essência da alma nacional?”, questionou o ex-chefe de Estado em, 2005, em seu programa televisivo Alô Presidente.
Dias antes, entrava em vigência a Lei Resorte (Responsabilidade Social em Rádio e Televisão), que determinava que pelo menos 50% da programação musical diária deveria ser de obras venezuelanas e 50% destas de estilos tradicionais, identificando seus autores, intérpretes, e gênero musical ao qual pertencem. Isso fez com que os estilos nacionais fossem difundidos e conhecidos, explica Marín.
Em comício no ano de 2012, Chávez canta com a multidão “Motivos llaneros”:
No programa, Chávez perguntou à cantora de folclore Reyna Lucero sua opinião sobre a nova normativa para o espectro rádio-elétrico, ao que escuta: “Esta nova lei nos fortaleceu bastante (…) já escutamos em todas as emissoras da Venezuela esse ressurgimento que a música venezuelana teve”. Segundo ela, a música não tinha que ser resgatada, “porque estava aí”, mas sim precisava ser querida, e a lei fortalecia todas as agrupações e cantores do país. “Esta lei fazia muita falta aqui na Venezuela”, expressou ela.
Marín explica, no entanto, que muitos meios de comunicação não cumprem bem a lei, nem na porcentagem — muitas vezes pelo desconhecimento de que determinado ritmo não é originalmente venezuelano —, nem na especificação de intérprete e composição. Além disso, afirma que a música dos “llanos” se sobressaiu sobre os diversos gêneros da Venezuela, que segundo ele, é o país com mais formas musicais no mundo. “Ainda não se toma muito em conta as demais manifestações musicais de outros estados”, explica.
O músico venezuelano Alí Primera teve 12 de seus discos reeditados pelo Cendis:
“É preciso reconhecer esse auge [da música tradicional] durante os anos de Chávez, mas com a morte dele, é como se tivessem se esquecido. Deixaram de promover o resto do país, nos principais eventos do ano, como carnaval, semana santa, trazem grupos de outros países. O que é nosso está sendo opacado e a Venezuela está ficando sem identidade nacional. Hoje, há mais emissoras que se dedicam à música tradicional, mas não o suficiente, ainda nos falta muito”, lamenta. Segundo ele, a grande conquista de Chávez foi a conscientização da população de que o que é venezuelano deve ser valorizado.
Difusão de discos
Além da Lei Resorte, o ex-presidente chavista também criou, há sete anos, o Centro Nacional do Disco para a produção, edição e distribuição de obras discográficas de diferentes expressões musicais. No ano passado, o órgão, que já soma 460 títulos musicais, inclusive alguns de Marín, reeditou 12 títulos da obra de Alí Primera — artista venezuelano falecido, famoso no país por canções com forte conteúdo social e político —, estreou uma coleção educativa com obras interpretadas por crianças, entre outras iniciativas.
Chávez também investiu no acesso à educação musical ao apoiar o Sistema de Orquestras e Coros Juvenis e Infantis, criado em 1975 pelo músico José Antonio Abreu, ampliado e fortalecido nos últimos anos, e hoje incorpora 400 mil crianças e jovens. Autoridades dizem estar trabalhando para que em 2014 mais 100 mil sejam matriculados. Revelação do programa antes da era chavista, o famoso músico e maestro Gustavo Dudamel foi criticado por conduzir uma orquestra na última quarta-feira (12/02), quando o projeto completava 39 anos.
Em comunicado difundido pela imprensa local, Dudamel afirmou a data do evento era “especial” porque foi o dia em que nasceu o projeto “que se converteu em emblema e bandeira” da Venezuela no mundo. “Comemoramos então toda a juventude, o futuro, a irmandade. Nossa música constitui a linguagem universal de paz, por isso lamentamos os fatos acontecidos”, expressou, complementando: “ Com nossa música e nossos instrumentos em mãos, dizemos um não rotundo à violência e um sim contundente à paz”.
Acesso a literatura
Da mesma forma que com a música, houve uma visível mudança, nos anos chavistas, em relação ao acesso à leitura. Proveniente da região popular de Cátia, em Caracas, a estudante de comunicação social venezuelana Diana Moncada terá um livro de poemas publicado após ganhar, no ano passado, um concurso de autores inéditos. Aos 24 anos, conta que a iniciativa estatal de criar as Librerías del Sur, rede que vende livros a preços módicos,“teve um significado importante” para sua formação como leitora.
“Havia pouquíssimos livros na minha casa, ninguém linha poesia. Mas aí com as Librerías del Sur em todos os lados e eu podia comprar muitos livros, tanto de autores novos como tradicionais. O preço é irrisório, com 100 bolívares (R$ 38,00) se pode comprar quatro, cinco livros. Quando quero um autor que não consigo lá, pago 200 (R$ 76,00), 300 bolívares (R$ 114) por um só em outra livraria”, explica sobre a fundação, criada como uma instituição do ministério da Cultura em 2006 e hoje conta com sedes em todos os estados do país.
Segundo ela, um ponto a melhorar na iniciativa é a qualidade dos livros. “Como são muito baratos, obviamente caem os padrões de qualidade do papel, da capa, então não é um livro que vai durar dez anos”, diz, afirmando que a fundação deveria considerar aumentar um pouco o preço dos livros, que em algumas ocasiões chegam a ser vendidos por um bolívar (R$ 0,38), para melhorar a qualidade do material.
“Evidentemente houve um processo de democratização no caso dos livros. Com esse auge das editoras do Estado e com o reimpulso que o governo lhes dá, também se tornou possível que os autores venezuelanos tenham um pouco mais de presença e sejam mais conhecidos. Antes, quando as editorais eram essencialmente privadas, além dos livros serem caros, não havia um interesse particular nos autores daqui”, disse.
Moncada ressalta casos como o da fundação editoral El Perro y la Rana, também criada por iniciativa de Chávez para democratizar o acesso ao livro e “fazer do conhecimento um bem cultural não elitista”. Em oito anos, a editora publicou quatro mil títulos em seis milhões de exemplares, dando espaço para mais de 500 autores inéditos. A iniciativa também inclui formação de jovens para a escritura, edição e comunicação gráfica.
Fonte: Ópera Mundi.
Foto 1: Agência Efe