Às vésperas da Copa, especialista em políticas de combate à violência urbana diz como o Brasil pode se preparar contra incidentes nos estádios
Por Eduardo Graça.
Professor de Estratégias de Segurança na Escola de Justiça Criminal da Universidade John Jay, referência em políticas de combate à violência urbana nos EUA, Robert McCrie iniciou sua vida profissional como segurança em sua cidade natal, Toledo, no estado de Ohio, no coração da América Profunda. Especialista no desenvolvimento de técnicas de proteção ao público em eventos esportivos, é doutor em História do Urbananismo e autor de Security Operations Management.
Engajado no debate sobre reforma prisional nos EUA, consultor de segurança dos organizadores de um dos maiores eventos esportivos do ano nos EUA – o Super Bowl, que acontece na primeira semana de fevereiro – Mcrie deu um depoimento a Carta Capital sobre estratégias de segurança em eventos esportivos, com a Copa do Mundo em mente, mas pensando igualmente em desafios mais rotineiros, como os campeonatos regionais e do Brasileirão:
“O fenômeno dos hooligans no futebol é parte da cultura esportiva em determinados países e, algumas vezes, específico de certos clubes. Muitas vezes os enfrentamentos têm uma longa história e são relacionados a rivalidades passadas. No entanto, jogadores, técnicos e dirigentes também são fatores igualmente importantes, tanto para o aumento quanto para a diminuição de atos de violência durante eventos esportivos. Sou um fã assumido de futebol e, como a maioria dos espectadores, rejeito a violência e me choco com a dimensão dos incidentes, com o número de pessoas feridas – ou, pior, mortas -, com a destruição de propriedade particular ou pública, e sim, também com a penalização dos clubes como um todo pela ação de uns poucos. Em síntese, a violência que se vê no futebol contemporâneo estraga o jogo para a grande maioria de espectadores, fãs, especialistas e profissionais envolvidos. O que se fazer então para enfrentar o problema?
Não há outra chave para a diminuição da violência dentro e fora dos estádios além do planejamento. Este processo de contenção precisa ser pensado meses antes da temporada se iniciar. Basta pensar que em uma competição internacional de peso, como a Copa do Mundo, este planejamento começa antes mesmo de o país ou as cidades-sede serem escolhidas. Por que deveria ser diferente em torneios nacionais ou regionais? Nos dias de hoje, contar com esquema de segurança in loco, devidamente testado, deveria ser de fato condição não apenas para um local ou uma cidade sediar uma partida internacional, mas para qualquer jogo de qualquer campeonato.
Há uma lista de fatores fundamentais para o sucesso, do ponto de vista da segurança, de um evento, de um campeonato, ou mesmo de uma partida específica, mas vou me ater a alguns pontos que considero importantes para a realidade brasileira. Comecemos pela contenção de multidões em eventos esportivos. A primeira medida é a exclusão de indivíduos com histórico comprovado de comportamento violento em estádios. Não defendo o direito de se impedir permanentemente um cidadão pagante de conferir o jogo de seu time ao vivo, mas sim o estabelecimento de um sistema de exclusão provisória, cujo tempo seria delimitado não pelo número de partidas, mas por temporadas inteiras. Todos deveriam ter de levar identidade com foto para as entradas do estádio e quem fosse identificado como infrator, barrado ante de o jogo começar.
Todas as manhãs de um jogo válido por um campeonato importante de futebol deveriam começar, em uma situação ideal, com o setor de inteligência da polícia checando os planos, a movimentação, daqueles indivíduos já identificados como extremamente violentos, se possível evitando inclusive que eles circulem próximo dos estádios. Se cabível, o ideal seria uma medida da Justiça – no caso do Brasil, Esportiva ou Comum, conforme a legislação determina – garantindo à polícia o direito de prendê-los caso eles se aproximassem dos estádios.
A polícia deveria ter o direito de monitorá-los – e estou me referindo aqui apenas aos cidadãos comprovadamente identificados como provocadores de alto-risco para o público em geral – através de tecnologia GPS, obviamente, com autorização prévia da Justiça. Também é fundamental criar um esquema de segurança especial nas estações de trem, metrô e pontos de ônibus e táxi próximos dos estádios, estabelecendo mais uma barreira contra os indesejados.
Não há, ao contrário do que se pode pensar, uma fórmula específica para se definir o tamanho da força policial necessária para se prevenir atos de violência extrema. O ideal é que este número surja de uma avaliação feita durante o planejamento de risco, mas é preciso se levar em conta a configuração do estádio, a expectativa de público, a importância dos times, o histórico de violência relacionada ao local e aos dois adversários especificamente. No caso de o jogo incluir um time visitante de outra cidade, e não apenas rivais locais, a comunicação entre autoridades policiais das duas localidades deveria ser mandatória.
Nas arquibancadas e cadeiras onde no passado ocorreram incidentes violentos, o sistema de proteção deveria ser divido em três partes. Primeiro, segurança especial para se proteger o campo impedindo o público de entrar no gramado. Segundo, mais segurança especial nas arquibancadas, geral e cadeiras e em todas as entradas do estádio. Por fim, esquadrões móveis prontos para serem acionados no momento exato em que a confusão comece, acionados a partir de um centro de monitoramento de segurança cuja função é a de observar o risco de explosão de violência antes, durante e depois do jogo. Estes profissionais precisam ser treinados para agir com rapidez e precisão na hora de identificar, remover e prender os cidadãos violentos. Este investimento é fundamental e o retorno mais do que satisfatório. Através da Universidade John Jay, auxiliei na coordenação de ações similares em diversos estádios esportivos nos EUA nos últimos anos, com sucesso.
Nos EUA, todos os estádios e ginásios esportivos com atividades profissionais contam, obrigatoriamente, com um sub-distrito policial no local, inclusive com celas para o caso de necessidade de decretação de prisão. Foi assim no Super Bowl, por exemplo. Aqui, como o leitor da CartaCapital pode imaginar, também é necessário se levar em conta a possibilidade de terrorismo. O público é impedido, por este motivo, de levar mochilas ou contêineres para os estádios. Detectores de metal e máquinas de raio-x são comumente usadas.
Obviamente não podemos deixar de pensar, seja nos EUA ou no Brasil, na conexão entre violência urbana e violência dentro dos estádios. Se há falta de controle nas ruas, as possibilidades são comprovadamente maiores de o comportamento violento ser bisado nos ambientes esportivos. Mas, independentemente deste fato, o planejamento de segurança precisa ser pragmático e se concentrar em apresentar novas possibilidades de controle efetivo da massa, inovando e mantendo-os seguros. As causas da violência e o estudo de suas raízes sociais são uma outra e longa conversa.”
Fonte: Carta Capital.
Foto: Editorial J/Flickr