Parlamentares da Frente de Defesa dos Povos Indígenas visitam aldeias em Roraima e fazem contraponto a ruralistas sobre “desastre” social na região.
Por Bruna Carvalho.
A vida dos indígenas na Raposa Serra do Sol, em Roraima, é melhor hoje do que era há quatro anos, antes da homologação e a retirada dos não índios da área. Com a saída dos fazendeiros, os índios foram capazes de retomar sua produção própria de alimentos e seus valores culturais. Porém, o Estado está ausente e amontoam-se problemas relacionados à saúde, educação, segurança e infraestrutura nos 1,7 milhão de hectares que abrangem a reserva. Essa é a conclusão de um relatório produzido por deputados da Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas após uma visita de três dias ao local, palco de conflitos entre indígenas e produtores de arroz no passado.
Em 27 páginas, o documento busca desconstruir a versão dada por integrantes da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (Cindra), que estiveram na região em abril e concluíram que a demarcação e expulsão dos fazendeiros foi um desastre para a economia do Estado, para os fazendeiros e para os indígenas.
“Os indígenas avaliaram que vivem melhor com a demarcação e que a propaganda negativa dos ruralistas é para dizer que a demarcação é negativa. Fazem isso para prejudicar o processo de demarcação de terras indígenas no Brasil”, disse o deputado Padre Ton (PT-RO), integrante da delegação da Frente Parlamentar da Defesa dos Povos Indígenas, que foi à reserva a convite da coordenação do CIR (Conselho Indígena de Roraima).
Além do deputado Padre Ton, participaram da delegação que esteve na reserva entre os dias 6 e 8 de dezembro os deputados Janete Capiberibe (PSB-AP) e Renato Simões (PT-SP) e a assessora da Funai Solange Alves. No Estado de Roraima, a delegação foi acompanhada pelo coordenador do CIR, Mário Nicácio, e pela assessora Jurídica do CIR, Joênia Wapixana.
As mais de 100 lideranças indígenas ouvidas pelos parlamentares em conferência realizada em Boa Vista desmentiram que seus povos estejam passando fome, ou em situação de degradação, sendo obrigados a trabalhar em lixões. “Quem disser que os índios de Roraima estão passando fome está mentindo”, disse Abel Lucena, liderança Macuxi, segundo o relatório. Outras lideranças também denunciaram Roraima como um Estado “anti-indígena” e preconceituoso, que fechou as portas para as comunidades após a demarcação da reserva e expulsão dos arrozeiros.
De acordo com o relatório, é evidente a ausência do poder público na reserva. Pontes e estradas foram abandonadas com a saída dos fazendeiros e estão em péssimo estado. Os postos de saúde foram construídos pela própria comunidade com a ajuda de parceiros, com destaque para a Igreja Católica, e a única escola estadual existente “está desativada devido ao risco de desabamento e o excesso de fezes de morcego”.
Por parte do governo federal, as lideranças indígenas reclamam que o programa Luz Para Todos não chegou à maioria das aldeias e que as linhas de transmissão já existentes antes da retirada dos fazendeiros “estão abandonadas à mercê de bandidos, que retiram os fios para vender como sucata”.
Os deputados afirmaram também que os índios não possuem acesso à assistência técnica para o campo da produção ou a linhas de financiamento, mas, ainda assim, são autossuficientes em alimentos e ainda fornecem insumos para o Programa de Aquisição de Alimento (PAA). As terras indígenas, segundo as lideranças, são responsáveis por cerca de 60% do rebanho bovino do estado.
Outro ponto levantado é o da falta de segurança. O relatório destaca que 23 lideranças indígenas foram assassinadas nos últimos anos. “Não é verdade que os índios não querem a presença do Estado, que os índios não querem polícia e que o exército não pode entrar. Pelo contrário, eles reclamaram muito da falta de segurança”, acrescentou o deputado Padre Ton.
Contraponto. O deputado ruralista Jerônimo Goergen (PP-RS), presidente da Cindra e integrante da delegação que visitou a reserva em abril, afirma que esta viagem em dezembro da Frente tenta “maquiar a realidade”. “Eu estive lá com veículos da imprensa nacional e internacional. O que vimos foi miséria, abandono e improdutividade total”, disse.
Ele afirmou que viu índios em situação de penúria, de fome, e que conheceu alguns que abandonam a reserva para viver em favelas em Boa Vista. “O índio não precisa de mais terra. Precisa de uma política que dê a ele condição de preservar a sua cultura. Minha posição é muito clara contra o modelo de demarcação.”
Fonte: Carta Capital