A seu modo, os rolês estão devolvendo essa opressão e revelando quais são os limites de sociabilidade possível a partir deste modelo
Por Silvio Mieli.
Os chamados “rolezinhos” nos shoppings atingiram um domínio que durante quase 50 anos passou incólume como templo sagrado do consumo seguro.
Os shopping centers, inspirados numa forma estilizada de violência “multiplexificada”, ajudaram a implantar um design urbano segregacionista, baseado na transformação do cidadão em consumidor, assentado no empobrecimento das relações interpessoais e na privatização dos espaços públicos.
Ao lado dos condomínios privados, os shoppings definiram uma arquitetura e um estilo de vida muito mais próximo da Idade Média do que propriamente de qualquer conquista da modernidade. Era inevitável que os conflitos e as tensões se intensificassem nesses ambientes, ainda mais num ano marcado pela discussão da retomada do espaço público e pelo debate acirrado sobre o papel institucional (partidos, câmera municipal, polícia) neste processo.
As primeiras raras manifestações dentro dos shoppings ocorreram no âmbito das comemorações do dia da Consciência Negra. Já há alguns anos grupos como o “Comitê contra o genocídio da juventude negra”, entre outros, fazem uma passeata dentro do Shoppping Higienópolis, região nobre de São Paulo, para denunciarem o racismo.
Dessa vez, motivados pelo projeto de lei da Câmara Municipal que proíbe bailes funks nas ruas de São Paulo, articularam- se redes que convocaram encontros de jovens, conhecidos como “rolezinhos”, para o Shopping Metrô de Itaquera e Shopping Internacional de Guarulhos (outros estão no programa).
No ultimo dia 7 de dezembro, milhares de pessoas baixaram no shopping da zona leste, entoando hinos funk e quebrando a monotonia das compras de natal.
A cidadela caiu com os rolês? Longe disso, não se trata de ato contra o consumo. Mas por outro lado, a manifestação/performance em massa dentro de um shopping, ainda que misture caoticamente “funk ostentação” com uma celebração para “juntar as quebradas”, abre uma disputa não mais do lado de fora da fortaleza, mas agora dentro do próprio bunker de consumo.
O geógrafo Milton Santos dizia que os shopping centers são a própria materialização da opressão que vivemos nos dias atuais, sobretudo para moradores de grandes centros urbanos: neles, restringimos nossa ação real ao ato da compra, pois o ambiente artificial não foi concebido para a convivência.
A seu modo, os rolês estão devolvendo essa opressão e revelando quais são os limites de sociabilidade possível a partir deste modelo.
Foto: Reprodução.
Silvio Mieli é professor de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP)
Fonte: Brasil de Fato.