Romance sobre morte de Trostky, clássico do cubano Leonardo Padura é lançado no Brasil

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Na noite de 21 de agosto de 1940, Ramón Mercader seguia empunhando uma picareta de alpinista, encontrada cravada no tronco de uma árvore, convencido de que, apesar de todos os riscos, bastava fincar a ponta metálica para cumprir a missão que lhe havia sido confiada. Nas mãos suadas, sentia a arma quente, enquanto sua testa ardia. Ignorou o medo e, em poucos segundos, levantou o braço direito com força em direção à cabeça de Leon Trotsky.

Acabava naquele instante a vida de um dos homens que, ao lado de Josef Stalin e Vladimir Lenin, lideraram a Revolução de Outubro de 1917, e que, anos depois, se transformaria em inimigo da revolução em curso na URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). “Aquela era a cabeça do maior inimigo da revolução, do perigo mais cínico que ameaçava a classe operária, a cabeça de um traidor, um renegado, um terrorista, um reacionário, um fascista…”, refletia Mercader instantes antes.

Esse importante episódio da história mundial é narrado no romance O homem que amava os cachorros, do jornalista e escritor cubano Leonardo Padura Funtes, lançado no dia 09/12 no Brasil pela Boitempo Editorial. Dos três eixos narrativos do livro, o principal narra a trajetória do “camarada Trotsky”, nascido Liev Davidovitch. Embora ela já tenha sido contada inúmeras vezes, Padura se diferencia pela riqueza de detalhes com que reconstrói os fatos, com uma cronologia definida pelo próprio autor como “um romance, apesar da presença esmagadora da história em cada uma de suas páginas”.

No núcleo trotskista, ele conta a vida do revolucionário que se transformaria em um “desterrado”. Relata desde seu exílio forçado em Alma-Ata, então cidade soviética localizada atualmente no Cazaquistão, onde a temperatura pode chegar a 40 graus negativos, passando pelos pedidos fracassados de asilo político e pela possibilidade única de ser acolhido pela Turquia, país que à época estava sob um governo fortemente anticomunista. E narra, sobretudo, as tentativas de Trotsky de estabelecer um movimento oposicionista, enquanto percebia que havia falhado enquanto crítico de Stalin na URSS. Finalmente, Padura reconstrói cada detalhe da vida do revolucionário com a família em um espaço cedido por Diego Rivera e Frida Kahlo, no México.

No fim, Stalin se referia a Trotsky como um oportunista e traidor, enquanto era chamado por seu desafeto de “coveiro da revolução”. O desentendimento entre ambos começou em 1924, quando Trotsky escreve um prefácio aos seus textos de 1917, As Lições de Outubro, criticando a falta de “estratégia revolucionária” de Stalin. Expulso do partido em 12 de novembro de 1927, Trotsky se exilou em Alma-Ata em 31 de janeiro de 1928 e deixou definitivamente a URSS em 1929.

“E, enquanto acariciava a cabeça de sua cadela e observava pela última vez – pressentia-o em seu íntimo – a cidade onde trinta anos antes abraçara para sempre a Revolução, foi obrigado a responder a si próprio que o ódio é uma doença incontrolável”, narra Padura. O golpe de picareta foi a segunda tentativa de matar Trotsky. Anos antes, um grupo de atiradores havia invadido sua casa durante a madrugada mas, apesar dos inúmeros disparos, não mataram ninguém, ferindo apenas os cactos que enfeitavam a casa da qual o exilado tentava fazer uma fortaleza.

Maturell e Mercader 

Em paralelo, O homem que amava os cachorros conta a vida do escritor cubano Iván Cárdenas Maturell e do catalão Mercader, agente soviético que matou o líder bolchevique. Tudo começa com um encontro na praia entre Iván com um certo Jaime López, que passeava em Cuba com seus cachorros em 1977.

Este misterioso e solitário homem, aos poucos, dava sinais ao cubano, que o levaram a descobrir sua verdadeira identidade: Ramón Mercader del Río. O assassino de Trotsky passou 20 anos preso no México antes de ir para a URSS e depois se refugiar na ilha caribenha em meados dos anos 1970. Depois de sua morte, em 1978, o corpo foi levado secretamente para Moscou com o nome de Ramón Ivanovich Lopez.

A vida de Mercader não é retratada por Padura como a de um homem frio e cruel, capaz de se aproximar como amigo de um sexagenário perseguido, exilado com a família. Com um histórico familiar conflituoso, ele é um homem convicto, repleto de desejos de mudar o mundo onde vive e de fazer a revolução. Para tanto, foi capaz de matar o “inimigo da Revolução”. E o preço que pagou foi ouvir permanentemente, a partir aquela noite de agosto de 1940, o último grito de Trotsky.

Em meio às três histórias de vida independentes e que se intercalam, o livro traz como pano de fundo a história soviética, a Revolução Espanhola e a Guerra Civil – contexto que antecedeu a Segunda Guerra Mundial e a Revolução Cubana.

Uma história de amor, de morte, de ódio, de utopia e de compaixão, O homem que amava os cachorros começou a ser escrito por Padura em outubro de 1989, data em que tanto o Muro de Berlim como a União Soviética começavam a se dissolver e os regimes socialistas do Leste Europeu chegavam, pouco a pouco, ao fim. Os tempos mudavam também para Cuba, que ingressaria em uma crise econômica de anos, conhecida como o “Período Especial”.

Naquele ano, o autor fazia sua primeira viagem ao México. Lá, conheceu a casa onde Trotsky viveu exilado com a família e morreu. “Julgo que a emoção puramente humana que me provocou percorrer aquele local, transformado em museu há vários anos e num verdadeiro monumento à inquietação, ao medo e à vitória do ódio desde que os Trotsky o habitaram, foi a semente da qual, após uma longa incubação, nasceu a ideia de escrever este romance”, revela no posfácio que acompanha o livro.

Trajetória 

Esta é a primeira vez que o livro, cuja primeira edição data de 2009, foi publicado no Brasil. A obra, de 592 páginas, já foi publicada na Espanha, Portugal, França e Alemanha, e recebeu diversos prêmios internacionais: Prix Initiales (França, 2011), Prix Roger Caillois (França, 2011), Premio de la Critica (Cuba, 2011), XXII Prix Carbet de la Caraïbe (2011) e V Premio Francesco Gelmi di Caporiacco (Itália, 2010). Em 2012, Padura recebeu o Prêmio Nacional de Literatura de Cuba.

Crítico do governo cubano, Padura nasceu em Havana em 1955. Graduado em Letras pela Universidade de Havana, trabalhou como escritor, jornalista e crítico literário até a década de 1990. O trabalho do cubano também ganhou reconhecimento internacional por uma série de romances do gênero policial – a tetralogia Cuatro estaciones –, protagonizada pelo detetive Mario Conde.

Fonte: Ópera Mundi

Foto: Divulgação

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