O Ministério Público Federal (MPF) emitiu na tarde desta terça-feira nota de esclarecimento sobre a Terra Indígena do Araçá´i. Eis a íntegra do documento:
“Diante dos recentes acontecimentos e reportagens envolvendo o impasse entre indígenas Guarani e agricultores do Extremo-Oeste do Estado, o Ministério Público Federal (MPF) vem a público apresentar alguns esclarecimentos.
Para o MPF, as recentes ações do Governo Estadual, sem fundamento legal, aliadas à omissão da Funai e da União em dar cumprimento ao mandamento constitucional, apenas agravam e prolongam o impasse envolvendo a comunidade indígena Guarani do Araçá´i.
A única solução para o conflito é a restituição das terras tradicionalmente ocupadas por aquele povo, dando cumprimento ao texto constitucional que, no já longínquo ano de 1988, reconheceu esse direito. Além disso, caberia ao Estado de Santa Catarina assumir sua responsabilidade por ter emitido escrituras nessas áreas a agricultores, buscando formas legítimas de corrigir esse equívoco histórico.
Por outro lado, a Funai e a União demoram excessivamente em cumprir suas atribuições quanto à demarcação das terras, relegando dezenas de famílias Guarani a uma situação de praticamente abandono, como denotam os diversos inquéritos civis instaurados na Procuradoria da República em Chapecó e ações civis públicas ajuizadas nesta Subseção da Justiça Federal.
Omissão da União e da Funai
Os Guarani lutam desde 1998 para retornar à terra ocupada por seus antepassados, entre os municípios de Saudades e Cunha Porã, no Extremo-Oeste de Santa Catarina. O estudo antropológico que reconheceu a Terra Indígena Araça’í foi concluído em 2001. Porém, o documento somente foi publicado em 2005, apesar de a legislação prever o prazo de 15 dias para a realização desse ato.
A portaria declaratória da Terra Araçá’i foi publicada em abril de 2007, após o ajuizamento de ação civil pública pelo MPF. Desde então, representantes dos produtores rurais que ocupam a região questionam na justiça sua validade. A última decisão do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF4) foi favorável aos indígenas. Nesse ínterim, devido à omissão da Funai, o MPF ajuizou nova ação civil pública, na qual requer à União a conclusão do processo demarcatório.
Enquanto isso, os Guaranis, que se encontram acampados na Terra Indígena Toldo Chimbangue (Chapecó/SC), enfrentam sérias dificuldades de acesso a condições básicas de saúde, saneamento, alimentação e educação. Eles não podem receber assistência de programas federais, pois o governo exige que estejam em terras demarcadas.
Falta de sensibilidade do Governo Estadual
Em nota divulgada no último dia 20, o Governo do Estado anunciou a compra de uma área de 800 hectares, em Bandeirante/SC, para alocação dos indígenas Guarani, afirmando que a medida iria “por fim à disputa”. A decisão foi tomada em reunião entre o Governo e representantes dos agricultores, sem ouvir representantes dos indígenas.
Essa atuação temerária e unilateral do governo estadual, que ignora por completo os anseios e angústias do povo indígena diretamente envolvido, é preocupante.
O MPF teme que a promessa feita aos agricultores possa fomentar novos conflitos, pois o Governo está ciente de que a compra da referida área não obsta o processo de demarcação. Mesmo que os indígenas Guarani aceitassem mudar para Bandeirante – o que não ocorre -, seria em caráter provisório. Assim que a demarcação for concluída, os não-indígenas deverão deixar o local. Contudo, com a expectativa criada nos agricultores pelo Governo do Estado, teme-se que a futura retirada não seja pacífica.
O MPF entende que qualquer decisão só terá efeitos positivos se proveniente de um diálogo amplo e participativo, sensível aos problemas de indígenas e agricultores, que busque uma solução satisfatória para todos os envolvidos. Para isso, é fundamental uma postura mais responsável e efetivamente democrática por parte dos governos federal e estadual.
Nota da Comunidade Guarani do Araçá´i
No dia 27 de novembro de 2013, a Comunidade Guarani do Araçá´i encaminhou nota ao Ministério da Justiça, à Presidência da FUNAI, ao Governo do Estado e ao Ministério Público Federal, denunciando “as manobras políticas que estão sendo arquitetadas por parlamentares de Santa Catarina, com o intuito de impedir o avanço da demarcação”, tentando “nos convencer de que mudarmos para uma outra área provisória é a melhor saída” e “com isso instigam, promovem e fomentam, nas região, manifestações contrária a demarcação de nossa terra, alimentando o ódio o preconceito da sociedade contra nós (sic)”.
Esse documento ainda demonstra que o acordo firmado pelo governo estadual, para aquisição de uma área em Bandeirante, foi assinado sem a presença dos indígenas e, por isso, não é admitido por aquela comunidade, que continuará a luta pela sua terra tradicional nos municípios de Saudades e Cunha Porã.
Os indígenas ainda imputam ao Governo Federal a maior responsabilidade por essa situação de violência, pois, “além de não realizar a demarcação de nossa terra, vem assumindo abertamente e sem pudor uma política desenvolvimentista que converte o meio ambiente, as terras, as águas, as matas, as pessoas em recursos disponíveis para exploração”.
Ao final, a nota cobra que a FUNAI faça a demarcação física da terra indígena e que o Governo de Santa Catarina “assuma de uma vez por toda a responsabilidade sobre o erro cometido no passado”.