Por Lívia de Souza Vieira.*
No último dia 7 de novembro, durante um seminário que discutiu o futuro da mídia impressa, o jornal O Estado de S.Paulo anunciou que começará a cobrar por seu conteúdo online a partir de 2014. A exemplo da Folha de S.Paulo,O Globo,Gazeta do Povo,Valor Econômico,Estado de Minas e Zero Hora (e demais veículos do grupo), o Estadão decidiu remar a favor da maré do paywall.
Com algumas pequenas diferenças, a cobrança adotada pelos jornais brasileiros funciona assim: além de fechar o conteúdo do jornal impresso oferecido na internet, o paywall limita a leitura a uma determinada quantidade de matérias por mês. Ultrapassado o limite, o usuário deve fazer uma assinatura digital ou híbrida, que inclui o impresso. Normalmente, os cliques nas notícias vindas das redes sociais não entram nessa conta. A maioria ainda permite que o leitor acesse as páginas principais das editorias e a própria homepage do webjornal.
Durante o anúncio, o diretor de conteúdo do Estadão, Ricardo Gandour, afirmou que o veículo se preocupa em passar ao público a ideia de que pagar pelo acesso a um conteúdo jornalístico não é uma coisa negativa e enfatizou que não gosta do termo “paywall”. Discurso no mínimo intrigante, já que a troca do nome que se dá à cobrança pelo conteúdo não muda em nada o próprio fato.
O principal argumento dos veículos que adotaram o paywall é o de que a publicidade, sozinha, não paga o jornalismo na internet. Mas para os leitores, o discurso muda. O Globo, por exemplo, afirma que o paywall é ”um novo passo no relacionamento com seus leitores e assinantes”, enquanto a Folha afirma que essa é uma tendência iniciada pelo jornal americano The New York Times e pelo britânico Financial Times.
Pagar por quê?
A afirmação de que o paywall adotado pelos jornais brasileiros se assemelha ao do The New York Times – tido como o maior caso de sucesso – é uma meia verdade. A grande diferença, curiosamente não mencionada pelos veículos brasileiros, é o tipo de conteúdo oferecido que é, por consequência, a principal razão do sucesso do NYTimes.
Salvo algumas exceções em ocasiões específicas, o “grosso” do conteúdo dos webjornais brasileiros que adotaram o paywall baseia-se em textos e fotos. Mesmo após 20 anos de jornalismo online, continuamos vendo a simples transposição das notícias do impresso para o online, o chamado shovelware. Ou seja, a cobrança pelo conteúdo não se converte em investimento em projetos multimídia e em narrativas que explorem verdadeiramente as potencialidades da internet. Cito aqui apenas dois exemplos do NYTimes: as reportagens multimídia “Snow Fall: The avalanche at tunnel creek” e “Tomato can blues”.
Nesse sentido, a ombudsman da Folha de S. Paulo, Suzana Singer, é enfática:
“Para ler pequenos informes sobre o que aconteceu nas últimas horas, em textos mal-ajambrados, ou para saber das fofocas mais recentes sobre celebridades do ‘mundo B’, ninguém precisa gastar um centavo, há uma oferta enorme de sites e blogs gratuitos na rede”.
Outra fragilidade do paywall brasileiro é a “abertura” em casos de verdadeiro interesse público. O jornal Zero Hora, por exemplo, abriu seu paywall (ou seja, liberou os acessos para todos) no caso do incêndio na boate Kiss, alegando tratar-se de uma informação extremamente relevante. Mas não deveriam ser assim a grande maioria das notícias? A Zero Hora parece admitir – mesmo que não o faça – que cobra pelas notícias que não são tão importantes já que, quando realmente elas forem de interesse público (e tiverem o potencial de acessos estrondosos, claro), o paywall deixa de existir. Por que o leitor pagaria por isso?
Além do paywall
A replicação do modelo de negócio do impresso, que cobra pela informação, é certamente o caminho mais fácil para cobrança na internet. Mas há outras formas de monetização, que mantêm as notícias livres de pagamento. É o que acontece nos portais de informação como UOL, Terra, IG, R7, entre outros. Há que se perguntar a razão pela qual eles não aderiram ao paywall.
A cofundadora do portal UOL Marion Strecker afirmou, no programa Observatório da TV“Mídia impressa vs. mídia digital” (6/11/2012), que “os empresários, de um modo geral, têm uma atitude muito conservadora com relação à internet. Primeiro, demoram muito para decidir entrar e, segundo, quando decidem entrar, frequentemente é da pior forma, que é levando exatamente o mesmo modelo de negócio e o mesmo tipo de conteúdo para o novo meio digital”. Marion concorda que a publicidade é uma fonte muito importante de receita na internet, mas enfatiza que os veículos deveriam usar a sua imaginação para conseguir criar outros modelos de negócio. “O UOL é um exemplo de atividade que vai muito além do jornalismo (a Folha é um dos mais de mil sites que o UOL tem), e tem uma série de outros serviços, como hospedagem de sites, que são uma forma de inventar uma outra fonte de receita para sustentar inclusive o jornalismo”, diz.
Além da oferta de serviços úteis para o leitor, que possibilitam a manutenção das notícias gratuitas, há outro modelos além do paywall. A Agência Pública, por exemplo, está utilizando o crowdfunding (financiamento coletivo) para viabilizar grandes reportagens. Por meio do site Catarse, a Pública solicitou R$ 47.500 para financiar dez reportagens investigativas sobre assuntos escolhidos pelas pessoas. O resultado superou as expectativas: houve 808 apoiadores, que doaram um total de R$ 58.935. “O trabalho vai no sentido inverso dos portais de notícia convencionais: eles negam a informação para o público liberando-a apenas para quem pagar por ela; nós pedimos dinheiro a algumas pessoas para espalhar a informação independente para todas as outras. O sonho dos jornalistas”, diz Natalia Viana, diretora da Pública.
Em defesa da informação livre
O jornal britânico The Guardian, um dos mais importantes do mundo, não aderiu ao paywall. Artigo publicado no Observatório da Imprensa reproduziu a fala do editor-chefe do The Guardian, Alan Rusbridger, que defendeu a postura do jornal na internet:
“Um paywall é uma resposta típica da ‘mentalidade de jornal’ – antes, os leitores pagavam pelo conteúdo; vamos fazê-los pagarem outra vez. Mas, do ponto de vista jornalístico, os paywalls são completamente antiéticos em relação à rede aberta. Um website com paywall não passa de um jornal impresso com outro formato, tornando muito mais difícil a colaboração com as pessoas que antes eram chamadas de audiência. Você não tem como usufruir dos benefícios da rede aberta se está escondido.”
Diante da proliferação de conteúdos que ignoram a emissão jornalística e da questionável qualidade do jornalismo brasileiro na internet, ficamos com um dos enunciados do Manifesto Hacker dos anos 80: “A informação quer ser livre”.
* Lívia de Souza Vieira é mestranda no POSJOR-UFSC e pesquisadora do objETHOS
Fonte: Observatório da Imprensa