Por Camila Rodrigues da Silva, para o Desacato.info.
Atrasos, gritos e desqualificação pública. A truculência dos vereadores em relação aos cidadãos que insistiram em assistir a votação do Plano Diretor no plenarinho, é a expressão física e concreta de um processo de está sendo truculento e autoritário na esfera da tramitação da lei.
No processo, membros da sociedade civil organizada e vereadores de oposição apontam diversos problemas no processo, que não teria dado tempo suficiente para análise de emendas dos vereadores, dos vetos do IPUF, nem da versão final para a votação. Outro problema grave é que não houve um diagnóstico dos problemas da cidade a partir da consulta a empresas e órgãos públicos ligados à infraestrutura, como Casan (água e esgoto), Celesc (luz), engenharia de tráfego, etc. O parecer técnico dessas entidades permitiria uma análise consciente se o conteúdo da emenda é viável ou não. Concretamente, significa avaliar se há condições da rede de esgoto, das ruas e avenidas, da rede de luz e de toda a infraestrutura de suportar uma comunidade que em vez de ter prédios de dois andares, passará a ter prédios de seis andares, por exemplo.
Separamos, em ordem cronológica, sete episódios da crônica do primeiro dia de votação do Plano Diretor.
Episódio 1: Não havia espaço para todos os interessados em acompanhar a votação
O plenarinho da Câmara de Vereadores tem cadeiras para 56 pessoas no andar de cima e 25 no andar de baixo. Ou seja, cabe pouco mais de 80 pessoas. Quase o dobro dessa quantidade de pessoas esperava do lado de fora por volta das 16h. Normalmente, quando o assunto é muito polêmico, a atividade parlamentar costuma ser feita em espaços da Assembleia Legislativa do Estado, que são mais amplos. Um local está distante 1,4 km do outro. Mas a presidência da casa optou, deliberadamente, por fazer a votação na câmara.
Episódio 2: Portas fechadas
Por volta das 15h50, as portas da Câmara de Vereadores estavam fechadas, com entrada controlada pela Guarda Municipal. Cerca de 200 pessoas já aguardavam do lado de fora. Foi possível contar mais de 15 guardas dentro da câmara naquele momento.
Episódio 3: Ordem do dia foi modificada um dia antes
A pauta era única: Plano Diretor. Mas um dia antes foi publicada uma pauta mais extensa, com cinco itens. Antes da pauta do PD, incluía uma homenagem à presidente da APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), e alguns troféus…
Episódio 4: Presidente da casa, Cesar Faria atrasa 3h por conta de reunião do IPUF
A maior expressão da desorganização de todo o processo foi que a reunião com o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) referente à análise das emendas dos vereadores: ela aconteceu na mesma terça-feira da votação. Estavam presentes o líder do governo, Dalmo Meneses (PP), o vice-líder, Roberto Katumi (PSB) e o presidente da casa, César Luiz Belloni Faria (PSD). Lá, eles ficaram até quase 19h e, portanto, atrasaram a votação em 3h. Para se ter uma ideia, o prazo final para início da votação era às 19h, e o presidente se apresentou no plenário faltando às 18h53. Mais sete minutos de atraso e a votação teria que ser adiada.
Os outros parlamentares e o povo que quis acompanhar a votação ficaram lá, esperando.
Episódio 5: Mais “20 minutinhos”, que são 2 horas
Troféus entregues, e a sessão é suspensa por “20 minutos”. O motivo, segundo Faria, é repassar o resultado da reunião do IPUF – lembrando que a matéria tem 13 mapas e 317 artigos. O superintendente do IPUF, Dalmo Vieira Filho, vetou algumas emendas da base aliada. Passa-se quase 2 horas de espera. Na galeria, as pessoas gritavam: “Adia! Adia! Adia!”, concordando com quem achava que precisava de mais tempo.
Episódio 6: Celso Sandrini agride cidadã
“Essa menina que não me encontre na rua”. A ameaça foi feita em plenária, gravada e transmitida ao vivo pela TV Câmara, pelo vereador Celso Sandrini (PMDB) à jornalista e guia turística Flora Neves. Ela estava, junto com outros moradores de Florianópolis, protestando contra a votação atropelada do Plano Diretor no plenarinho da Câmara de Vereadores. Fazia, não sozinha, aquele gesto com os dedos indicador e polegar que indicam dinheiro, insinuando que os vereadores estavam leiloando a cidade. Ele estava falando sobre a votação – ainda não havia sido decidido o destino da Ponta Coral.
Ao terminar sua fala, Sandrini saiu em disparado do plenário em direção à multidão, pronto para tirar satisfações com a moça que estava ali. Apartado da briga, ele voltou, com as bochechas vermelhas. Pareceu arrependido. Quem estava no plenarinho ficou estarrecido com a gravidade do assédio moral e com o descontrole do parlamentar.
A votação seguiu.
Episódio 7: Deglaber desqualifica os movimentos populares presentes
“Meia dúzia de gatos pingados não vão atrapalhar a votação do Plano. A cidade tem mais de 400 mil habitantes, e aqui não tem nem 300 pessoas”. Essa fala, devidamente documentada em gravação, é do vereador Deglaber Goulart (PMDB), que berra contra o coro das galerias de “vendido! Vendido! Vendido!”.
Ali estavam presentes membros de associações de moradores, de maricultores, movimento das religiões africanas, ambientalistas, entre outros.
O vereador parece se divertir com o desgosto que provoca em quem o assiste. Durante a votação da primeira matéria, sobre a Ponta Coral, pressionou sutilmente: “Se não aprovar, ali vai virar uma favela”. A área ficou zoneada como ATL (área turística de lazer) de seis pavimentos e ocupação de 50%, conforme o plano da prefeitura. Todas as emendas foram rejeitadas.
Foto: Rubens Lopes.