Por Raul Longo.
O fascismo é obscuro em qualquer lugar, mas em Santa Catarina seus fantasmagóricos contornos se tornam mais ridículos, conforme reporta a matéria do Diário Catarinense sobre a suspensão da palestra do escritor Cesare Battisti na Universidade Federal de Santa Catarina.
Um amigo me enviou a publicação da matéria com este comentário: “Democracia pressupõe liberdade de expressão, convivência de ideias.”, acompanhada de uma suposição sobre quem tenha sido o responsável pelas instâncias que suprimiram a liberdade de expressão dos estudantes da UFSC.
Mantive apenas o link indicado para que a matéria possa ser utilizada por quem queira tentar enxergar algum rastro de contemporaneidade em meio as medievais brumas do fascismo catarinense:
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Suprimi a suposição de quem seja o responsável apesar de confiar na capacidade dedutiva do amigo e sabê-lo realmente informado sobre os meandros dos subterfúgios da instituição acadêmica que, apesar de uma apresentação arquitetônica fisicamente moderna, pelo emaranhado de seus entremeios obstaculizados por escusos e inconfessos interesses emanados do sistema de poder político que rege o estado desde tempos imemoriais, requer as mesmas sutilidades perceptivas do frade William de Baskerville em busca do Nome da Rosa na biblioteca do gótico convento criado por Umberto Eco.
Ali, Eco trata exatamente do nominalismo pela dificuldade de identificação, de responsabilização de atos criminosos, atentatórios à estabilidade dos direitos e das liberdades humanas. Demonstra como na sistemática obscuridade tais crimes acabam ficando sem autores, posto que em verdade todos os que se sujeitam a tal regime de relacionamento humano, acabam se tornando responsáveis por todos os crimes cometidos naquele meio.
E ao situar seu monastério na Idade Média, indiretamente o também italiano Umberto Eco denuncia na Idade Média o período histórico de maior expansão do fascismo, mesmo quando o termo ainda inexistia. Com a intensão de simbolizar união para se tornar inquebrantável o que separadamente é frágil, a origem da palavra vem de fascio – feixe. Um feixe de políticos ignorados pela monarquia que na segunda década do século passado alcançaram ao poder de Roma através de Benito Mussolini.
O ideal do grupo, ou do “feixe” de Mussolini, era o de distinguir-se dos demais cidadãos de seu país não pela contraposição de ideias ou pela discussão de opiniões e diferenças de pontos de vista, mas apenas pela imposição do que se acreditavam prevalecidos através de seus conceitos de nação e raça.
Bem… Como todo mundo sabe, da Itália o fascismo foi para a Espanha do Generalíssimo Franco e depois, na Alemanha, adotou o nome de nazismo. Perpetuando-se, se expande pelo mundo, mas se Mussolini o instituiu como sistema político no século 20, na verdade o fascismo é ancestral – ou melhor seria, primal? – e muito anterior ao período medieval. Mas o que evidencia as décadas 1920 à 1940 apenas um breve exemplo do que se constituíram todos os séculos da Idade Média, é o obscurantismo daquela era. O obscurantismo é a característica substancial e inerente a uma sociedade fascista.
Como a postura política de Mussolini e Hitler, os principais líderes do fascismo, era de extrema direita, por muito tempo se compreendeu os ideais fascistas como exclusivamente de direita, mas diversos exemplos de governos que se autoproclamavam como comunistas acabaram justificando a indicação de “fascismo de esquerda”.
Lendo Karl Marx, que sistematizou os ideais do regime político/econômico comunista, se depreende a total incompatibilidade ao fascismo de uma proposta de estruturação social destituída de privilégios de classe, mas que há indivíduos que se consideram comunistas e corriqueiramente se comportam como fascistas, é sensível dentro de qualquer sociedade mesmo não fascista. Na sociedade fascista, a permanente geração de mais fascismo dentro de si dificulta essa percepção, mas, paradoxalmente, é onde se faz ainda mais evidente.
Ainda não consegui me recuperar da péssima impressão causada por aqueles que me tiraram de minha casa para futilmente esculhambar algumas de minhas preferências pessoais, alguns de meus amigos, e repetir anacrônicos preconceitos em opiniões que não solicitei. O que ainda não me é possível assimilar é o fato de que ao declinar da oportunidade de continuar ouvindo as mentiras e besteiras sem nexo às quais não permitiam sequer expressar contradição, sequer terem tido a hombridade de expor ou assumir o conteúdo de suas prepotências. Apenas, sem maiores explicações ou demonstração de motivos, passaram a me tratar como um graveto de fora do feixe.
O que ofende é anteriormente terem me incluído a esse feixe, sem nunca me consultar se aceitaria essa condição. Quando estiver falando, por favor, me façam calar a boca, pois não acredito deter o privilégio de ser escutado a repetir manipulações, mentiras e preconceitos comuns à mídia.
Houve um que ao menos escreveu afirmando a impossibilidade de considerar a amizade de alguém não disponível a escutar besteiras e inverdades estimuladas pela desinformação sobre o que se pretende como íntimo conhecedor. Mas para entender o comportamento do outro ao qual era mais efetiva e afetivamente ligado, só com a percepção da influência do meio sobre o indivíduo e aqui fui auxiliado por esta matéria do Diário Catarinense. Ainda que de redação um tanto confusa, a matéria se denota a naturalidade e corriqueirice do comportamento de uma sociedade fascista.
Para quem vive em meio a esta sociedade que apesar de nacionalmente reconhecida como reacionária, ao mesmo tempo também é considerada evoluída pela situação econômica e pelo mito da modernidade de uma colonização europeia mais recente do que as primeiras formações sociais do nordeste e do sudoeste do Brasil; as recorrências desses acontecimentos acabam se tornando tenebrosas. O caso de minha recusa a continuar ouvindo sandices ser considerada ofensiva, poderia ser um comportamento isolado, pessoal; mas, em verdade, esse tipo de situação que nos reporta aos absurdos das imagens produzidas por Hieronymus Bosch – o precursor medieval do surrealismo plástico – é tão banal que em meio a essa pretensa modernidade urbanística e arquitetônica, a sensação experimentada é de se ter integrado a uma era já superada em muitos dos mais ermos rincões do país e acredito que um escritor como Battisti saberá distinguir Santa Catarina do restante do país.
Apesar de ter convivido tão proximamente ao coronelismo do nordeste, às impunidades das fronteiriças do extremo oeste do país, às incógnitas das favelas cariocas e periferias de São Paulo, nunca antes vivi num lugar onde tantos homicídios se mantêm insolúveis e impunes, onde toda a população comente como fato de domínio popular a origem do tráfico de drogas, embora os comentados indefinidamente exerçam os mesmos poderes, as mesmas representações às quais essa mesma sociedade os reelege. Nem nos tempos da ditadura e dos botecos convivi com tantos a se arrogar revolucionários à esquerda e com tamanha presteza e agilidade se comportar como reacionários à direita.
Ainda outro dia um amigo veio me pedir que lhe explicasse o sentido de um grupo de esquerda pedir que o acompanhassem, como líder de um segmento social, a uma visita a um representante de oligárquica tradição de direita. Como explicar o surreal? Como definir intenções coesas e obscurecidas pelas forças do feixe?
Como diz uma vizinha, um tipo bem popular: “Aqui, o errado é que está certo”. Dona Valdete, minha mestra!
É verdade que por todo o Brasil pontuem hipócritas que comentam o Cesare Battisti como se fosse um Alfredo Stroessner, o criminoso e sanguinário ditador à quem o governo brasileiro ofereceu asilo em 1989 e aqui se manteve até sua morte em 2006. É verdade que esses mesmos não condenam o governo da Itália por não nos ter extraditado o corrupto dos milionários desfalques financeiros, Sebastião Cacciola. Também é verdade que sequer sejam capazes de reconhecer as diferenças entre um combatente à corrupção mafiosa do governo de seu país e um estuprador em série como o médico Abdelmassih. Esses mesmos hipócritas que condenam o que errada ou acertadamente Cesare lutou pelo interesse de sua pátria, jamais protestaram contra o Gilmar Mendes que deu fuga ao estuprador ou contra o FHC que dobrou a fraude do Cacciola com o PROER e tudo isso é verdade, com também é verdade que o feixe não é só catarinense, mas a obscuridade do fascismo que nesse estado se dissemina como névoa, embrenhando inclusive sob as frestas de janelas e portas dos departamentos da aparentemente moderna Universidade Federal de Santa Catarina é desconcertante!
De tal forma que preferi suprimir a suposição do amigo que enviou o link para esta notícia da censura ao Cesare e aos estudantes.
O nome do autor do crime contra o direito a liberdade de expressão que o amigo cogitou, tampouco é citado aí na matéria do Diário Catarinense. Apesar do poder monopólico da imprensa, em meio ao temor e medo próprio do obscurantismo e medievalismo fascistoide, possível que tenham preferível não se expor.
E, de certa forma, acabo concordo ainda que, como já disse, com boas razões para confiar no que o amigo deslinda com a elegância que também o identifica ao clérigo-detetive do Umberto Eco. Acabo concordandoporque é exatamente isso o que o fascismo sempre promove: criminalização generalizada e consequente caça as bruxas.
Aliás, talvez seja aí onde se justifique os dísticos desta capital de estado: “Ilha da Magia e Terra das Bruxas”.