Os 40 anos do desaparecimento do militante Honestino Guimarães foram lembrados na última quinta-feira (10) em uma audiência pública da Comissão Estadual da Verdade do Rio (CEV-Rio) no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. No ato, a filha do líder estudantil, Juliana Botelho, prestou depoimento público pela primeira vez e lançou a campanha “Trilhas de Honestino”, para resgatar a memória do pai e ter pistas do desaparecimento dele.
“Contaremos com colaborações principalmente via redes sociais. Qualquer coisa interessa: fotos, relatos, pistas”, pediu Juliana, que receberá as informações pelo email [email protected]. “A campanha tem o objetivo de levantar documentos, registros históricos e relatos que possam ajudar a estabelecer a verdade sobre o que aconteceu. É como cidadã brasileira e como filha que peço respostas que até hoje não foram dadas. O que aconteceu com o meu pai? Quem o matou? E onde está o seu corpo?”.
O presidente da CEV-Rio, Wadih Damous, disse que o caso de Honestino, que desapareceu em 10 de outubro de 1973, é singular e talvez o mais nebuloso entre os desaparecidos políticos. “Na história dos desaparecimentos políticos forçados na ditadura, é único. Do Honestino, não há rastros. Honestino é o desaparecido total. Não há relatos, não há pistas, não há nada. Ele simplesmente desapareceu. O que sabemos é que ele era vigiado e perseguido por diversos órgãos da repressão. É possível que tenha sido assassinado na rua, e se livraram do corpo. Vamos partir do zero”.
Natural de Itaberaí, em Goiás, aos 17 anos, Honestino foi o primeiro colocado no vestibular da UnB para geologia, em 1965. Por seu envolvimento com a política estudantil, foi preso diversas vezes. Em agosto de 1967, preso pela quarta vez, foi eleito presidente da Federação dos Estudantes Universitários de Brasília. Em 26 de setembro de 1968, foi desligado da universidade como punição por ter liderado movimento pela expulsão de um falso professor da UnB, informante da ditadura. Naquele ano, casou-se com Isaura Botelho.
Em 1968, com a edição do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), que suspendeu várias garantias constitucionais, Honestino passou a viver na clandestinidade, com Isaura, em São Paulo. Em 1970, nasceu a filha do casal, Juliana. Quando o então presidente da UNE, Jean Marc van der Weid, foi preso, Honestino assumiu a presidência interina da entidade, permanecendo até 1971. Naquele ano, foi eleito presidente da entidade. Em 10 de outubro de 1973, foi preso no Rio por agentes do Centro de Informações da Marinha (Ceninar), quando desapareceu sem deixar qualquer vestígio. Tinha 26 anos na época.
Na audiência, prestaram depoimento amigos de Honestino, como o vereador do Rio Eliomar Coelho, que o conheceu ainda na UnB e o definiu como uma pessoa que buscava manter momentos de lazer e alegria apesar do contexto político. “Ele tinha uma felicidade muito grande e gostava muito de compartilhá-la com os amigos. Não deixava de viver os prazeres da vida”, disse o vereador, que lembrou de um episódio em que o militante estendeu uma faixa com os dizeres: “Yankees, go home” [Ianques, vão para casa], durante a visita do astronauta americano Neil Armstrong à universidade.
Depois de Coelho, depôs o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ), Agostinho Guerreiro, que além de colega de militância, era também amigo de Honestino e se casou com a ex-mulher dele, Isaura Botelho, e criou Juliana, filha do casal. “A grandeza dele era tamanha, que ele consentiu que a Juliana o chamasse de pai Gui e eu fosse o pai Gusto. Fomos muito amigos”.
Agostinho levava Juliana para encontrar Honestino com frequência, e lembra um dia em que quebraram as regras da organização de esquerda e fizeram um almoço. “Não podíamos saber o endereço nem o nome verdadeiro uns dos outros. Quando íamos nos mudar, decidimos fazer um almoço em família com ele no nosso apartamento. Me lembro até hoje do sorriso dele quando falamos dessa ideia. O abraço que ele me deu chegava a machucar. Quebramos todas as regras de segurança e tiramos fotografias aquele dia. Uma delas me marcou muito, que é ele deitado no colo da Juliana. Foram quatro, cinco horas muito felizes”.
Outra depor foi Elia Meneses, que abrigou Honestino em sua casa sem saber seu verdadeiro nome, como voluntária da organização política. “Ele era muito manso e ao mesmo tempo muito seguro. Era muito focado. Praticava exercícios, se alimentava bem e dormia pouco, dizendo que era preparação para a luta política. Falava muito da filha e principalmente da mãe, que dizia ser a pessoa que ele mais amava”.
A mãe de Honestino, Maria Rosa Guimarães, buscou informações sobre o filho ao saber de seu desaparecimento, e chegou a obter a promessa de que poderia visitá-lo no Natal de 1973, em uma prisão de Brasília. Quando o dia chegou, no entanto, os militares disseram a ela, no local, que o filho não estava lá. Maria Rosa morreu no ano passado.
No último dia 20 de setembro, Honestino Guimarães foi considerado anistiado político, e o relator do processo recomendou que, em na certidão de óbito, de 1995, fosse modificada a data de falecimento, que foi registrada como 10 de outubro de 1973 para data de desaparecimento. Outro pedido foi a inclusão da causa de morte, que está em branco no documento, como “crimes cometidos pelo Estado”.
A União Nacional dos Estudantes e o Diretório Central Estudantil da UFRJ também participaram do ato e exaltaram Honestino como um exemplo e inspiração para o movimento estudantil.
Foto: Reprodução/Brasil de Fato
Fonte: Brasil de Fato