Por Luciane Recieri.
Para mim jornal é quase poesia porque o jingle dizia que “quando o dia amanheceu, tudo estava lá…”.
Depois descobri que o Mário Quintana trabalhava sentado atrás da máquina. Ele que escrevia catando caruncho e apoiando ideia que pendia da cabeça pensa. É. Não me sinto tão loser quando penso nele. Ele que saía no meio do expediente pra ver a Garbo até inventarem a Lombardi (mal gosto do poeta.
Greta não se troca por Bruna) e que morava num quarto de hotel e que via desenho no bolor. Ele que sofreu pacas na escola militar e muito na botica do mesmo jeito que sofro na universidade. Ah, Mário! Ainda tem solução pra mim? Errava a fórmula. Esquecia, se apaixonava a torto e a gauche. Quintana que carregava na sacola creme com marrom bananas pro almoço. Eu também Mário! Uma preguiça suprema de cozinhar só pra mim e vivendo perto do meu Paraíba que chamo baixinho… Guaíba… Na minha cama jangada só faltam os cigarros. Não Quintana, aprendi a fumar não, por mais que segurei bituca pro Felipe de Bagé, o amigo que vai custear meu gazeteamento na vida. Vai ser engenheiro e isso é grande. Sim, não aprendi, por mais que viajamos de nau brincando que a vida é boa. Então, na minha cama só faltam os cigarros. Ultimamente uma baleia que chamei de Olga (por conta de meu codinome que nem posso falar aqui porque o Obama está de olho na gente) e um caderninho de bordo que deixo a esmo pra ver se alguém me lê a bula. E o caderninho não se chama caderninho, descobri faz pouco, é moleskini, o Pereira que disse, mas não há meio, só chamo de Malinowski, isso porque me meti a estudar Antropologia, um troço chato à beça e disso só sei nomes, enfileiro os basbaques todos e penso: gente à toa! Tinha nada mais legal a fazer? É isso. Eu que nessa madrugada levantei pra forrar o chão da minha pata que passa férias comigo e me lembrei de toda esta parte. E nada de dormir, Quintana. Fiquei lá, passando os olhos no jornal caduco que ganhei na gare. Compro não Quintana. Jornal só tem graça quando vem embrulhando um pedaço de sabão ou meia dúzia de porcas. Foi assim que conheci Twiggy, foi assim que me apaixonei pelo Che. Um remendo n’alma. Isso como sempre. Vida atrasada, Quintana. Não saio dos 20, logo, estou lá em 1988, quando ainda caminhava por esse mundo, posando pros lambe-lambes de POA. Viveu em POA; nasci em Poá, poeta e outro dia minha filha me perguntou:
– Mãe, quem nasce em Poá é o quê? Poeta?
Sorri o riso frágil do bobo. Cheio de afeto. É, poeta, eu vejo poesia no jornal, no bolor, na vida (ainda) Sinto que parei lá em 1988. Tenho 20, poeta.
(e quando amanheceu, tudo estava lá: o céu mais bonito com pitadas dos bens que me fiz) E a vida segue seguindo, não há como, não há. Segue com a força própria dela.