Os investimentos brasileiros na África em contínuo crescimento. A empresa Odebrecht encabeça as empresas que constroem o complexo hidrelétrico de Cambambe, no rio Kwanza, em Angola.
Por Fabiana Frayssinet.*
Rio de Janeiro, Brasil, 11/9/2013 – Perdoar a dívida de quase US$ 900 milhões de uma dúzia de países africanos é para o governo do Brasil um gesto solidário. Outros veem apenas a intenção de ampliar a influência econômica e política do país. A decisão do governo de Dilma Rousseff, agora em exame no parlamento, beneficia especialmente a República do Congo, com dívidas de US$ 350 milhões, Tanzânia com US$ 237 milhões e Zâmbia com US$ 113 milhões.
Os demais são Costa do Marfim, Gabão, Guiné Bissau, Mauritânia, República Democrática do Congo, República da Guiné, São Tomé e Príncipe, Senegal e Sudão. Explicada pela presidente Dilma como “uma via de mão dupla” que “beneficia os países africanos e o Brasil”, a decisão não foi interpretada do mesmo modo pela oposição. Alguns senadores pretendem frear a aprovação no Congresso. Em xeque estão, entre outros, República do Congo, Gabão e Sudão, que enfrentam processos internacionais por casos de corrupção e até genocídio.
As autoridades desses países “são figuras corruptas, compradoras de Louis Vuitton (caríssima marca de acessórios pessoais) e de automóveis exclusivos Mercedez Benz. É uma simbologia perdoar dívidas de governos que gozam desses privilégios”, argumentou o senador José Agripino, do Partido Democrata. Um comunicado da chancelaria brasileira, porém, assegura que o perdão se baseia em diretrizes do Clube de Paris, de países ricos credores, para aliviar o peso da dívida de economias pobres.
“Não se trata de voluntarismo brasileiro, mas de uma prática concertada internacionalmente com objetivos claros para permitir que o peso da dívida não seja impedimento de crescimento econômico e de superação da pobreza”, diz a nota. Em entrevista à IPS o especialista político Williams Gonçalves, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, considerou que o argumento esgrimido contra ditaduras e governos “supostamente corruptos” é “completamente estranho às relações internacionais”.
Gonçalves observou que os críticos “não se escandalizaram” quando os Estados Unidos e outras grandes potências “protegeram ou financiaram ditaduras” latino-americanas. “São os mesmos que hoje protegem regimes similares do Oriente Médio, e tampouco levantam as vozes os defensores dos direitos humanos e da democracia”, comparou. A política externa brasileira defende o respeito à soberania.
“Exigir contrapartidas políticas, interferindo no sistema político local é prática comum dos Estados Unidos e de outras grandes potências. Como não desejamos interferências em nossa vida política, supomos que os demais alimentem o mesmo desejo”, afirmou Gonçalves. A polêmica se estende a outras questões. O senador Álvaro Dias, do PSDB, afirma que existem objetivos econômicos. O perdão reabriria novos créditos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para favorecer a presença de grandes consórcios empresariais brasileiros nos países beneficiados.
O intercâmbio comercial entre Brasil e África aumentou de US$ 5 bilhões em 2000 para cerca de US$ 26,5 bilhões em 2012, segundo dados da chancelaria brasileira. O país investiu na África em setores como petróleo, mineração e grandes obras de infraestrutura por intermédio de empresas públicas e privadas. Segundo Marcelo Carreiro, historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a política do Brasil para a África tem “objetivos estratégicos”, por exemplo, “a extensão de uma área de segurança estratégica e a ampliação de acesso aos mercados”, disse à IPS. A escolha dos países favorecidos, todos no oeste africano e em frente ao agora dinâmico nordeste brasileiro, acompanha essa teoria.
Essa aproximação “poderia concretizar a criação de um entorno geoestratégico brasileiro no sul do Oceano Atlântico, responsável por expandir conceitualmente a fronteira deste país até a costa africana”, afirmou Carreiro. Dessa forma resguardaria “não só sua área estratégica do pré-sal (o subsolo profundo do oceano rico em petróleo, na zona econômica exclusiva do Brasil), mas toda a vasta extensão da costa atlântica, em um mare brasiliensis”, blindando este país contra o eventual acesso de inimigos ao seu território.
Para o historiador, esta “nova divisão da África” seria evidente com a inclusão do “único país do planeta governado por um acusado de genocídio”, o presidente do Sudão, Omar al Bashir, que é reclamado pelo Tribunal Penal Internacional para julgamento. “O Sudão apresenta uma dupla atração para o Brasil: é rico em petróleo, deficitário em construção civil e faminto por bens industriais e agrícolas. Talvez seja o mercado mais vantajoso da África para a economia brasileira”, destacou Carreiro.
Essa aproximação traria vantagens adicionais, como apoio para o Brasil ocupar um lugar permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Gonçalves não se surpreende por esta perspectiva. “O perdão de dívidas de pequenos Estados por parte de grandes economias é algo comum”, pontuou. “A explicação técnica para este perdão é limpar a ficha desses países para viabilizar empréstimos do BNDES que favoreçam a ação de grandes empresas”, enfatizou.
Porém, o especialista não acredita que isso contrarie os princípios da ajuda. “A solidariedade e a cooperação se fazem por meio de empréstimos e execução de projetos”, detalhou. “É que as relações econômicas internacionais ocorrem sob o signo do capitalismo, o que significa que a finalidade é sempre o lucro”, ressaltou. Porém, ao contrário de outros tipos de ajuda, o analista acredita que “tais projetos serão realizados sob condições financeiras e com objetivos sociais que não despertam o interesse das grandes economias industrializadas”.
Os investimentos do Brasil também chegaram à África por meio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), totalizando em 2020 US$ 50 milhões em projetos de agricultura, saúde e educação. Carreiro recordou que em maio, pouco antes do anúncio do perdão da dívida, o governo da presidente Dilma comunicou que reformularia a ABC, e nesse contexto aumentou em US$ 300 milhões os recursos previstos, especialmente para a África.
“Entretanto, parece que foi pouco e Dilma decidiu acelerar a decisão, comprando diretamente influência sobre os mais importantes países da África”, opinou Carreiro. “Destinar US$ 300 milhões a projetos de cooperação, perdoando US$ 900 milhões de dívida de governos corruptos são duas estratégias antagônicas de uma política externa caótica”, ressaltou. Um estudo da Fundação Don Cabral mostra em 2012 uma ascendente expansão do Brasil na África, onde operam 34 empresas multinacionais de origem brasileira. Para 44,4% das empresas consultadas, a política externa governamental na última década favoreceu essa internacionalização.
* Da IPS
Foto: Mario Osava/IPS
Fonte: Envolverde/IPS