Não,
eu não estava
em 11 de Setembro.
Não poderia estar
porque era um natimorto
acéfalo em Hiroshima.
Esfacelado por sua bomba
em Nagazaki.
Não estava
em 11 de Setembro
porque era uma menina
navaja,
comanche, sioux, apache.
Menina estuprada por seus soldados
de olhos e casacos azuis.
Sinto muito,
mas em 11 de setembro
os abutres se alimentavam
de minha carne pouca
em Ruanda, ou qualquer
cidade de Etiópia,
Serra Leoa e Angola,
para saciar sua sede de ouro
e diamante.
Exatamente
em outro 11 de setembro
minhas mãos eram decepadas
num espetáculo macabro
de um estádio em Santiago do Chile.
E minha democracia morria
sob seu bombardeio.
Em 11 de setembro
eu era o alvo fácil
de um fuzil sérvio
que você fabricou.
Era um menino
com a pele queimada
por uma sua napalm no Vietnam.
Talvez não acredite,
mas em 11 de Setembro,
eu era mais um camponês
assassinado por Trujilo,
Stroesner, Somoza, Banzer…
Ou qualquer outro de seus mercenários.
Infelizmente em 11 de Setembro
eu me prostituía
nas Filipinas,
Tailândia, Havana
ou qualquer praia.
Pelos cassinos,
assistindo aos seus jogos
de destinos.
Por isso
não poderia estar
em 11 de setembro,
e também por que a bota
de um soldado de Israel
esmagava a dignidade
de meu pai palestino.
Talvez não seja uma
razão bem forte,
mas naquele momento
de um 11 de Setembro
havia uma descarga elétrica em minha genitália
numa sessão de tortura de seus carrascos
do Rio de Janeiro,
Buenos Aires ou Montevidéu.
Sei que nada justifica,
minha ausência em 11 de Setembro,
mas não sei como
se justifica sua onipresença
em tantos outros setembros.
E é por isso,
somente por isso
e algumas coisas mais,
que não pude estar em 11 de Setembro.
Justamente em 11 de Setembro.
Talvez não acredite,
sei que não vai acreditar,
mas confesso que desejei
ver a história mudar
como você disse que aconteceria.
Mas a verdade é que ela se repete
em todos os dias, meses e anos
de um único setembro.
Em todo o mundo
um sempre mesmo setembro
me violentando.
Como refugiado afegão,
faminto do Gabão,
soterrado
nos escombros de Bagdá,
torturado em Guantánamo.
Todos os dias, durante todos os meses
a cada ano
de um só setembro…
Por isso é preciso que desde já
você entenda que não poderei estar
em outro 11 de Setembro.
Talvez também não
em outro 11 de Setembro.
Talvez nunca, enquanto
um 11 de Setembro
não mudar
esse sempre mesmo fato
de todos os setembros,
todos os dias
e momentos
do mundo.
Se acontecer, por favor,
entenda as razões
dessa ausência
em 11 de Setembro.
Talvez não aconteça,
espero que aconteça.
Não quero que aconteça.
Mas mesmo sem
uma desculpa convincente,
peço antecipado
que me perdoe por não estar,
não chorar em 11 de Setembro.
Não em 11 de Setembro.
Raul Longo