Professora da USP que fez comentário polêmico sobre a Bolívia coleciona honrarias concedidas por empresas acusadas de vendê-las
Por Igor Ojeda.
Maristela Basso, a professora de Direito da Universidade de São Paulo (USP) que disse recentemente que a Bolívia é um país “insignificante em todas as perspectivas” em um programa de TV, tem uma extensa biografia profissional e acadêmica.
De acordo com seu Currículo Lattes, ela é, entre outras coisas, doutora em Direito Internacional, professora da Academia Mundial da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi) e membro da Inter American Bar Association e da International Law Association. Além disso, tem uma vasta produção acadêmica, inúmeros artigos em meios de comunicação e incontáveis participações em conferências e seminários.
Chama a atenção, ainda, a quantidade de prêmios e títulos recebidos: 18.
Somente de 2006 para cá, foram 11.
Um trecho de seu Lattes, que ocupa mais ou menos um quarto do texto de apresentação, diz o seguinte: “Tem seu nome como referência no Who´s Who in the World 2008, 2009, 2010 e 2012, noOutstanding Intellectuals of the 21st Century 2008 e 2009, no Great lives on the 21st Century 2008 e no The Cambridge Blue Book”- 2008/09. Recentemente recebeu do American Biographical Institute a Golden Medal 2010 — Passion, Courage, Commitment, Success, Excellence, Virtue, Spirit”.
O que o Lattes da professora não conta, no entanto, é que esses prêmios e títulos citados, justamente os últimos 11 recebidos por ela, são concedidos por editoras acusadas no mundo todo de vendê-los aos contemplados.
A operação é simples: por determinado valor em dinheiro, você pode ter seu nome incluído em algum anuário de “notáveis” e/ou receber alguma medalha ou placa. A inclusão em si é considerada um reconhecimento.
No caso de Maristela Basso, as editoras que a agraciaram com essas 11 honrarias são a International Biographical Centre (IBC), a American Biographical Institute(ABI) e a Marquis Who’s Who, especializadas justamente na publicação de anuários de biografias, muitos destes temáticos.
No entanto, essas três instituições são questionadas mundialmente há muitos anos por acadêmicos, jornalistas e autoridades por causa do inusitado modo de selecionar os homenageados.
Um exemplo. Na reportagem intitulada “Pagando por prestígio: o custo do reconhecimento”, de 15 de fevereiro de 2007, o jornal Vanguard, de Portland, nos Estados Unidos, conta a história de dois acadêmicos locais que utilizavam o “serviço” com freqüência.
Um deles é Jagdish Ahuja, um professor de matemática da Portland State Univesity (PSU) “orgulhoso de seus prêmios”.
Ele já havia recebido mais de 15 honrarias de empresas especializadas em publicar anuários de biografias, como o Great Minds of the 21st Century (Grandes mentes do século 21) e a The Genius Elite (A elite dos gênios).
“Mas Ahuja pagou mais de mil dólares pelos prêmios e reconhecimentos durante seus 40 anos como docente da PSU”, diz a reportagem.
O texto continua: “Muitos dos prêmios ou publicações são impressos e vendidos àqueles que aparecem neles por centenas de dólares, e os agraciados podem pagar mais centenas de dólares por placas e medalhas”.
A descrição do Vanguard sobre o procedimento adotado por essas editoras vai ao encontro dos muitos relatos existentes. Geralmente, enviam e-mails ou cartas a acadêmicos de todo o mundo dando a boa notícia de que seu nome será incluído em um anuário que conterá a biografia de poucos notáveis – por exemplo, o Great Minds, ou o International Professional of the Year (Profissional internacional do ano).
De acordo com Ahuja, em algumas das mensagens inclui-se a justificativa de que os pagamentos são usados para cobrir os gastos com a publicação das listagens. Segundo a reportagem do jornal de Portland, muitos professores da universidade local já haviam recebido essas missivas.
Boa parte do reconhecimento de Ahuja veio do American Biographical Institute. O ABI, sediado na cidade de Raleigh, nos Estados Unidos, publica inúmeros livros de referência diferentes, como o American Medal of Honor (Medalha de honra estadunidense) e o Legion of Honor (Legião de honra). Além disso, concede prêmios e medalhas, como a Golden Medal – Passion, Courage, Commitment, Success, Excellence, Virtue, Spirit (Medalha de ouro – paixão, coragem, compromisso, sucesso, excelência, virtude, espírito), recebida por Maristela Basso em 2010.
Segundo o Vanguard, em suas cartas a editora solicitava aos “homenageados” (na época da veiculação da reportagem, em 2007) que “comprassem” o livro em que teriam seu nome incluído por 195 dólares. Placas e medalhas poderiam ser adquiridas por 150 dólares cada. Ainda de acordo com o jornal estadunidense, na lista Great Minds of the 21st Century havia 2.500 nomes, que poderiam ter enchido os cofres do American Biographical Institute com 375 mil dólares.
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Também em 2007, o cientista da computação estadunidense Jeffrey Shallit, professor da University of Waterloo, no Canadá, revelou em seu blog ter recebido uma carta do ABI indicando-o para o Great Minds of the 21st Century. Segundo ele, a correspondência dizia que por 395 dólares poderia adquirir uma edição luxuosa do anuário em que seu nome estaria incluído. Por 595 dólares, receberia uma medalha referente a essa honraria. Por mais 295 dólares, ganharia uma placa de “proclamação” de seu nome como uma grande mente do século 21.
O International Biographical Centre, sediado em Cambridge, na Inglaterra – mas que não tem relação alguma com a famosa universidade da cidade –, é alvo de questionamentos semelhantes. A editora contemplou Maristela Basso com a inclusão de seu nome no Great lives on the 21st Century (Grandes vidas do século 21), em 2008, nos anuários de 2008 e 2009 do Outstanding Intellectuals of the 21st Century (Intelectuais destacadosdo século 21) e na versão 2008/2009 do The Cambridge Blue Book (O Livro Azul de Cambridge).
No site do setor antifraude do Departamento de Comércio de Western Australia, um dos seis estados australianos, há um alerta sobre o IBC. “Quanto você desejaria pagar pelo título ‘Profissional internacional do ano’?, pergunta o texto, para responder em seguida: ‘Bem, como alguns habitantes de Perth [capital de Western Australia] vêm descobrindo pelas cartas que recebem, a taxa atual é de 325 dólares, cobrada por uma organização sediada no Reino Unido chamada International Biographical Centre’.”
Segundo o site, o IBC “equivocadamente” deixa implícito que o recipiente da correspondência foi escolhido por meio de um processo especial de pesquisa que levou em consideração seu trabalho e qualificação.
Por fim, o setor antifraude do governo de Western Australia aconselha às pessoas “a considerarem cuidadosamente quanto desejariam pagar para uma inflada no ego que não necessariamente vale o papel em que é escrita”.
Em sua página na internet, o IBC disponibiliza ao navegante a possibilidade de indicar um “colega” ou de ele próprio se candidatar a alguma premiação.
“Se o senhor gostaria de ser considerado para inclusão em um de nossos títulos, por favor complete o formulário nesta página”, convida a editora britânica.
No formulário em questão, pede-se, além de nome, currículo profissional, histórico educacional e artigos publicados, entre outros dados, que o mais novo candidato escolha qual título mais bem se adequaria a sua biografia: Outstanding Intellectual of the 21st Century ou Dictionary of International Biography(Dicionário de biografia internacional).
O IBC, que se intitula um “líder mundial em publicações de biografias”, afirma em seu site que em mais de 40 anos já publicou mais de um milhão de biografias de pessoas notáveis de todo o mundo em mais de 150 edições de seus anuários. E garante: “a inclusão em nossos livros é baseada somente no mérito e nunca cobramos por isso”.
A Marquis Who’s Who tampouco escapa das críticas. Responsável por incluir Maristela Basso nos seus anuários de 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2012 do Who´s Who in the World (Quem é quem no mundo), a editora estadunidense fundada em 1899 é igualmente acusada de incluir pessoas em seus livros em troca da compra de “produtos”.
Por isso mesmo, é questionada por abrigar milhares de nomes “não merecedores” de estarem em publicações como Who’s Who in America (Quem é quem nos Estados Unidos) e Who’s Who in Science and Engineering (Quem é quem na Ciência e na Engenharia).
Uma reportagem da revista Forbes, de 1999 – significativamente intitulada The Hall of Lame – lembra que as publicações da Marquis Who’s Who costumavam ser bastante confiáveis. “Ao folhear o último volume, no entanto, não é difícil concluir que algo mudou, que o critério de seleção tornou-se – digamos – mais democrático.”
O texto diz que o Who’s Who America, por exemplo, parece ter muitos nomes de pessoas que simplesmente indicam a si mesmas, o que é permitido por meio do preenchimento de um formulário biográfico disponível na página na internet da editora.
“Com a maioria dos incluídos nesses anuários sabe, a inclusão dos nomes é majoritariamente autoindicada e amplamente não checada, o que os tornam lugares ideais para ajustar um currículo educacional e profissional irregular”, conclui o autor da matéria.
Procurada pela reportagem, a professora Maristela Basso afirmou: “Meus ‘títulos’ de fato importantes e significativos carrego dentro de mim e são meu maior patrimônio. Aqueles aos quais o senhor se refere têm, na minha vida, lugar bem menor e não dizem quase nada ao meu respeito”.
“O mundo está de ponta cabeça. Estamos na iminência de uma nova intervenção militar no Oriente Médio. O Brasil fora dos trilhos. E o senhor preocupado com os títulos que recebi no exterior?”, disse.
Fonte: Viomundo.
Curioso é que onde ela mais publica é una revista estrato “C”… vejam, existe: A1, A2, B1, B2, B3, B4, B5 e finalmente… C. É o mais baixo da escala.