Por Lidiane Ramos Leal.
Em algum lugar do Brasil, no ano de 2013, durante uma aula de pós graduação em Gestão Pública, na disciplina de Gestão de Pessoas, a professora teve a ideia de trazer para ministrar uma palestra um Superintende de Trânsito de uma Prefeitura Municipal. Durante sua exposição com referências da Wikipédia, o superintendente tentou articular a teoria encontrada na “enciclopédia livre” com sua prática.
O gestor falou – satisfeitíssimo e por várias vezes – que “sua” equipe trabalha 12 horas por dia, e que “seus” funcionários trabalham sábados e domingos, sem receber por isso. O superintendente afirmou que “sua” equipe era composta por nove funcionários, mas um deles faz “corpo mole”. O motivo de tal atitude por parte do trabalhador é que ele é funcionário efetivo, e não admite trabalhar além das suas 8 horas diárias sem receber hora extra.
Causa-me espécie que nove trabalhadores – além do gestor – sejam comissionados e somente um trabalhador seja do quadro de efetivos. Sugiro que exista algum equivoco na referida gestão. Parece-me que falta boa vontade da administração municipal a fim realizar concurso público para cobrir a falta de efetivos, haja vista que se tal atitude fosse tomada, provavelmente, os trabalhadores não precisariam ser tão explorados. No entanto, possivelmente, algumas promessas de campanha seriam “quebradas”. Essa espécie de “coronelismo” deveria vicejar na atual conjuntura? Será que estamos presenciando uma nova fase da República Velha? Mas, o dinheiro não é público? A gestão não deveria administrar para os munícipes? Aliás, a lei não determina que os funcionários públicos ingressem por meio de concursos públicos?
Esse trabalhador do quadro de efetivos é o tipo de pessoa que deve ser taxado de “descolaborador”, dificilmente alcançará um cargo melhor nesse espaço, contudo, vai se aposentar sem ter que lutar por um “votinho” para conservar seu bom cargo, afinal, esse trabalhador já tem sua autonomia (ou pelo menos deveria ter) e não é daqueles que está de passagem por um cargo em troca de apoio político. Ele, certamente, não recebe aquelas gratificações que muitos trabalhadores comissionados auferem. Seguindo essa lógica de raciocínio, será que existe transparência nesse processo de “gratificações” e todos os trabalhadores têm acesso aos mesmos benefícios?
Analisando um pouco mais, esse único trabalhador efetivo que compõe a equipe, pode ser um socialista que se nega á ser superexplorado e então é visto como um “calo no sapato” pelo superintendente. Ou então, dada essa onda de comunistas invadindo o Brasil, pode ser que esse trabalhador seja um deles e que por conta de sua ideologia ele não admite ser submisso a um tirano, que dada a ausência de conteúdo, prefere conduzir a gestão no grito. Ao contrário de alguns, o trabalhador comunista deve pensar que o superintendente é tão ineficiente que precisa explorar esses oito trabalhadores durante 12 horas por dia por conta da falta de competência técnica para gerir, e o pobre superintendente ainda acha que sua gestão é baseada na motivação. Tenho ainda outra hipótese, o trabalhador que faz “corpo mole” é só uma pessoa inteligente o bastante (nem precisa de muito) para saber que em pleno século XXI existem leis trabalhistas suficientes para resguardarem o direito de laborar somente pelas horas efetivamente pagas, e que caso sofra alguma situação de assédio moral, o gestorzinho pode se complicar, seriamente!
Ao traçar o perfil de “seus” funcionários, além do trabalhador efetivo, que faz “corpo mole” lembrou de uma trabalhadora afirmando que ela é do tipo que só “funciona” se pelo menos uma vez por semana, agora é necessário que seja nas palavras do gestor “eu chamar ela na minha sala, fechar o pau, gritar e dar soco na mesa. Feito isso, ela trabalha como uma máquina” (Sic!). Isso é assustador, chega a ser uma espécie de terrorismo. O mais lamentável é ter a percepção quase convicta de que ele se acha um exemplo de bom gestor público, o que supostamente o levou a ser convidado a palestrar sobre gestão de pessoas. Será essa a referência de motivação de equipe? Pasmem!
Se o superintendente fosse exemplo de bom gestor de pessoas, o trabalhador “corpo mole”, certamente estaria disposto a fazer horas extras em prol da “causa” (se é que existe) do superintendente. Quando me refiro as horas extras, necessariamente, me refiro as horas trabalhadas e pagas além da jornada, pois é injusto que o trabalhador seja explorado, ainda que por motivação, o que se percebe que motivação nem de longe é o caso deste exemplo. No entanto, diante do exposto seria impossível essa atitude sensata, pois a gestão é incapaz de garantir o direito dos servidores públicos, uma vez que naturalizou a idéia de trabalho voluntário pelos cabides de emprego e insiste em estender aos trabalhadores efetivos.
Prefiro acreditar que tal exposição foi só uma tentativa fracassada de marketing pessoal de uma pessoa que não tinha ciência do que estava falando. Claro, se ele soubesse o quanto foi cômico expor o seu pensamento reacionário, certamente, teria amadurecido melhor suas ideias e não prestaria esse desserviço a sociedade ao palestrar com informações que á tempos foram superadas com a luta de classes e vitória dos trabalhadores. Motivação de equipe não acontece diante dos gritos de uma “carroça vazia”. Aliás, conheço alguns gestores públicos que sofrem desse mal. Até quando?
Figura: http://autogestaone.blogspot.com.br/p/cultura-autoritaria.html
Perfeito, Lidiane. Sou aquele pernilonguinho comunista chato, que vive a zunir na orelha daqueles que querem sossego e explorar. Sou o divulgador da tese: “Quem trabalha muito, erra muito, quem trabalha pouco, erra pouco. Quem não trabalha, não erra. E quem não erra, tem cargo comissionado e ganha bem.”
Bem isso que acontece, gosto das tuas crônicas, parabéns!