O alto custo do lobby

mercado

Por Rodrigo Martins.

Nomeado no início do mês, o novo diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Elano Figueiredo, é alvo de um processo na Comissão de Ética da Presidência da República. A investigação foi instaurada a pedido da Casa Civil, após a revelação de que Figueiredo atuou por mais de dez anos como representante jurídico das operadoras de planos de saúde Hapvida e Unimed. Em ao menos 21 processos, o advogado moveu ações contra a própria ANS, na tentativa de reverter punições aplicadas às empresas por se negar a pagar o tratamento de segurados. Esse fato foi omitido no currículo enviado ao governo federal e ao Congresso, onde o dirigente passou por uma sabatina. Entidades médicas e associações de defesa do consumidor exigem o seu afastamento, por causa do flagrante conflito de interesses. Servidores da ANS também enviaram uma carta ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em que exigem a troca do diretor.

Não é a primeira vez que uma raposa é escolhida para cuidar do galinheiro. “Há uma ‘porta giratória’ na ANS. Executivos de operadoras de planos de saúde assumem postos-chave na agência reguladora e, depois, voltam a atuar no mercado de saúde suplementar, o que levanta dúvidas sobre a isenção da entidade”, comenta o pesquisador Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP. Ex-diretor de um hospital da Amil, Alfredo Cardoso foi diretor de Normas da ANS entre maio de 2004 e outubro de 2010. Oito meses depois de deixar o cargo, assumiu a superintendência da Amil Dental. Em quarentena após deixar a presidência da ANS, Mauricio Ceschin foi presidente da Medial e da Qualicorp, a maior corretora de planos de saúde do País.

Em resposta a CartaCapital, Figueiredo nega ter omitido informações ao Senado Federal ou em quaisquer órgãos públicos. Não existe nenhuma restrição legal que impeça a nomeação de diretores da ANS que tenham atuado anteriormente no setor de saúde suplementar, registra ainda a assessoria de imprensa da agência reguladora. “Portanto, considerando a determinação legal, não há conflito de interesses.”

Atualmente, 47,9 milhões de brasileiros, cerca de um quarto da população, possuem planos de saúde. Trata-se de um mercado que faturou mais de 95 bilhões de reais em 2012, e que lidera os rankings de reclamações dos órgãos de defesa do consumidor. As principais queixas dizem respeito à negativa de exames e consultas, mas também aos reajustes abusivos. Em 2012, a ANS recebeu mais de 75 mil reclamações de usuários. A fiscalização resultou na aplicação de cerca de 2,5 mil multas às operadoras. Desde 2011, 396 planos de 56 empresas tiveram a comercialização suspensa para proteger os consumidores.

Em julho, a ANS autorizou as operadoras de planos de saúde individuais ou familiares a reajustar os preços em até 9,04%, o maior aumento dos últimos oito anos e acima da inflação acumulada no período, de 6,49%, segundo o IPCA. A medida tem impacto para perto de 8,4 milhões de segurados. Os demais, quase 40 milhões de brasileiros, são usuários de planos coletivos ou empresariais, que podem reajustar seus preços sem ter um limite imposto pela agência reguladora. “O grande problema é que parcela significativa dos planos coletivos contempla menos de 30 vidas. E eles têm pouco poder de barganha para conter aumentos abusivos”, afirma Joana Cruz, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Para verificar os reajustes dos planos coletivos, desconhecidos por não serem regulados pela ANS, o Idec realizou uma pesquisa com base em 118 ações judiciais e constatou que os aumentos podem chegar a até 538,27%, com uma média de 82,21%. A Justiça considerou os aumentos abusivos em oito a cada dez casos. “Mas não são apenas os preços que ameaçam os segurados. Há mais de 400 procedimentos reconhecidos pela Associação Médica Brasileira que a ANS não exige que as operadoras ofereçam para os seus usuários”, diz Cruz.

Revisto de tempos em tempos, o rol de procedimentos obrigatórios tem incorporado novos exames e tratamentos, como a quimioterapia domiciliar, exigência imposta aos planos em 2012. Mas procedimentos de alto custo, entre eles transplantes de coração, pulmão e fígado, continuam fora da lista, e são custeados exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde.

Para o Idec, trata-se de uma grave omissão da ANS, pois a Lei nº 9.656, de 1998, define claramente que os planos de saúde são obrigados a oferecer assistência médica para todas as “doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial da Saúde”. As exclusões estão previstas em lei, como tratamentos experimentais e inseminação artificial. “E os transplantes nem sequer de longe se enquadram nessas categorias.”

Os planos de saúde também são malvistos pelos médicos, apesar de oferecerem remuneração melhor que a do SUS. Nove em cada dez profissionais afirmam sofrer interferência das operadoras em sua autonomia, segundo pesquisa divulgada pelo Datafolha em 2010. A ingerência costuma ocorrer com a recusa total ou parcial de medidas terapêuticas (segundo 78% dos 2.184 entrevistados em 26 estados e no Distrito Federal) e com a limitação do número de exames (75%). “Se um médico pede procedimentos desnecessários, ele pode ser denunciado nos conselhos regionais de medicina. Em vez de optar pela denúncia, o que exigiria apresentar provas da inépcia do profissional, as operadoras preferem a retaliação, normalmente com o descredenciamento do médico”, comenta Aloísio Tibiriçá, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina. “E o valor pago pelas consultas médicas continua muito baixo, em média 46 reais.” De toda forma, o valor é quase quatro vezes superior ao pago pelo SUS.

É inegável que os planos de saúde desafogam a rede pública ao garantir assistência médica para quase 48 milhões de brasileiros. Mas o economista Carlos Octávio Ocké-Reis, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, sustenta que, da forma como estão organizados hoje, “eles mais prejudicam do que contribuem com o Sistema Único de Saúde, a começar pelo fato de o Estado subsidiar o setor privado com renúncias fiscais e abrir mão de bilhões de reais que poderiam ser investidos na rede pública”. Autor do livro SUS: O desafio de ser único (Editora Fiocruz), o especialista, Ph.D. pela Yale School of Management defende uma nova regulamentação da saúde suplementar, na qual a assistência médica seria organizada a partir do modelo de concessão, a exemplo do setor elétrico. E propõe que o governo crie um seguro público para competir com os planos privados nos moldes do Plan Public Option, que o presidente Barack Obama tentou, sem sucesso, implantar nos EUA.

“Em 2011, os gastos tributários em saúde alcançaram 16 bilhões de reais, equivalentes a 22,5% dos 70 bilhões destinados ao SUS pelo governo federal. Por sua vez, a renúncia associada aos gastos com planos de saúde chegou perto de 8 bilhões e garantiu, aproximadamente, 10% do faturamento desse mercado”, diz Ocké-Reis. “O lucro líquido desse mercado cresceu mais de duas vezes e meia entre 2003 e 2011, alcançando quase 5 bilhões de reais neste último ano. Trata-se, portanto, de um setor altamente lucrativo. Apesar disso, os consumidores não param de reclamar, principalmente os doentes crônicos e idosos.”

Crítico do mercado de saúde suplementar, Scheffer reconhece que o Brasil não pode prescindir dos planos, responsáveis pela assistência a um quarto da população. Mas insiste: é preciso regulamentar melhor o setor e repensar a forma de atuação da ANS. “Infelizmente, as operadoras têm muita influência sobre a agência reguladora. E o lobby das empresas é muito forte.” Em parceria com Lígia Bahia, do Laboratório de Economia da Saúde da UFRJ, o especialista identificou doações de campanha feitas pelas operadoras em 2010 que somam mais de 11,8 milhões de reais.

Fonte: Carta Capital.

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