Os protestos e a queda na desigualdade de renda no Brasil

Os protestos no Brasil não foram realizados pelos mais pobres, os mais beneficiados pelas mudanças que ocorreram nos últimos anos. Segundo o Centro de Políticas Sociais da FGV, desde 2003, quase 50 milhões de pessoas, uma população superior à da Espanha, ingressaram no mercado de consumo. Os dados mais recentes mostram que uma mudança tímida, mas poderosa, de desconcentração da renda está em curso no país.

Por Jorge Ussan.*

Manifestações-Populares-protestos-em-SP-destaque-960x500A dimensão que as recentes manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus adquiriram em todo o país surpreendeu a todos. O grau de violência entre manifestantes e a polícia, somado a abrangências de cidades envoltas em distúrbios, conferiu ao movimento características únicas.

Tentar analisar estes eventos lembra o elefante tateado por cegos da fábula budista, cada um descrevendo o que apalpava sem ter noção de como era o animal. Nesse sentido, o texto que segue tenta analisar, ou tatear, este fenômeno sob uma perspectiva econômica.

A bandeira pela redução das tarifas é emblemática, mas talvez diga pouco sobre a dinâmica atual. Os protestos na Turquia e no Egito começaram por muito menos. O pano de fundo a todos estes eventos é uma profunda mudança social, a ascensão de uma expressiva parcela da população que põe sob tensão instituições políticas e econômicas.

Os protestos no Brasil não foram realizados pelos mais pobres, os mais beneficiados por essas mudanças. Para o presidente do IPEA, Marcelo Neri a forte queda da desigualdade na última década, que beneficiou os mais pobres do País, estaria provocando uma reação de parte da sociedade. Segundo ele “pessoas que estão no lado belga da ‘Belíndia’ [1] talvez tenham razões para não estarem satisfeitas”.

Para ilustrar estas insatisfações de maneira sumária apresentamos a seguir alguns indicadores. Os dados mais recentes mostram que uma mudança tímida, mas poderosa, de desconcentração da renda está em curso na sociedade brasileira.

Os 50% mais pobres do país possuíam em 2001 pouco mais que 12,5% de toda a renda disponível da economia enquanto o 1% mais rico tinha acesso a quase 14%. Os últimos dados de 2009 mostram uma inversão, ainda que discreta, e os 50% mais pobres detém 15,5%, enquanto a participação do 1% mais rico recuou para pouco mais que 12%, como pode ser visto no gráfico a seguir.

Participação na Renda – Brasil (%)

Esta redistribuição ocorreu em um período houve um aumento da renda real generalizado. O gráfico abaixo mostra quanto aumentou a renda real de cada décimo da população e do 1% mais rico.

Variação Real da Renda per capita 2001/09 – média por décimo da população

Fica claro que não se trata de os mais ricos perderem para os mais pobres ganharem e sim de todos ganharem, mas a renda dos mais pobres aumentou em escala maior. Assim, uma das insatisfações pode estar contida na seguinte frase de Marcelo Neri, “Talvez as pessoas que estejam mais no topo da distribuição, e que tiveram menores crescimentos de renda, olhem para o lado e falem: também quero um crescimento mais alto”.

Dados mais recentes mostram que esta tendência de redução das desigualdades vem se consolidando. Entre 2001 e 2011 a razão entre o rendimento familiar per capita dos 20% mais ricos em relação aos 20% mais pobres apresentou queda. Enquanto, em 2001, os 20% mais ricos percebiam uma renda 24 vezes superior àquela auferida pelos 20% mais pobres, essa diferença, em 2011, caiu para 16,5 vezes.

Segundo o Centro de Políticas Sociais da FGV, desde 2003, quase 50 milhões de brasileiros e brasileiras, uma população superior à da Espanha, ingressaram no mercado de consumo. O Rio Grande do Sul contém 30 dos 50 municípios com maior participação relativa da classe média.

Outro ponto importante é o grau de escolaridade em elevação no país. Para demonstrar este movimento o gráfico abaixo mostra os anos de escolaridade de pessoas com mais de 25 anos nas 4 maiores economias da Federação e no Brasil.

Anos de Estudo médio de pessoas com mais de 25 anos

A média de anos de estudos no Brasil subiu neste período 15% no país, um avanço considerável, embora ainda insuficiente.

Todas essas mudanças mostram a ascensão de uma “Nova Classe Média”[2], que tem criado tantas oportunidades de negócio no país, seja no consumo diário de bens e serviços, seja no mercado imobiliário. Entretanto, a nova realidade coloca sob pressão uma estrutura econômica moldada a gerações para atender integralmente apenas uma parte da população.

Nesse sentido, as demandas por melhorias nos serviços públicos podem estar associadas também à elevação do nível de exigência da sociedade. As condições objetivas de vida dos brasileiros melhoraram, mas talvez as aspirações tenham aumentado ainda mais, gerando as presentes insatisfações.

Isto se assemelha ao modelo de Tocqueville: a revolta vem não quando tudo vai mal, mas quando um período de progresso, durante o qual as expectativas crescem muito, é interrompido. Os indicadores de bem-estar brasileiros cresceram nos últimos anos, mas embora não tenha havido uma interrupção brusca, é inegável que a economia nacional está em um momento de desaceleração.

Assim, a saída para a superação desses conflitos significa, por um lado, mais crescimento econômico e, por outro, uma reacomodação das expectativas da parcela de maior renda da sociedade. O Brasil reúne as condições objetivas e subjetivas para avançar, investindo mais e crescendo mais.

(*) Economista, da Coordenação de Assessoramento Superior do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.

Notas

[1] A expressão “Belíndia” foi criada pelo economista Edmar Bacha, em 1974, para designar a concentração de renda que gerou o abismo entre o minúsculo Brasil rico, a “Bélgica”, e o enorme Brasil pobre, a “Índia”.

[2] Termo intensamente contestado por muitos, em especial Marilena Chauí, para quem isso é uma “bobagem sociológica”, pois o que houve de fato foi a ampliação da classe trabalhadora.

Fonte: Carta Maior.  

Foto: Reprodução.

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