Por Srta. Bia.
Sábado, 27 de julho, aconteceu mais uma Marcha das Vadias na cidade do Rio de Janeiro. E, assim como no ano passado, quando um pequeno grupo entrou em uma igreja para protestar, em 2013, outro pequeno grupo tornou-se o holofote da mídia ao quebrar santas e enfiar crucifixos em sua partes íntimas. O cu ainda choca o mundo.
Preguiça de pessoas inteligentes que creditam um evento pontual como esse a toda Marcha. Acho irritante pessoas que não vão as Marchas das Vadias, mas gostam de resumir um evento de quase seis horas num momento que não deve ter durado nem meia hora. É sempre mais fácil ecoar uma imprensa que nunca esteve ao lado do feminismo, não é mesmo? As pessoas também me dizem que só estão querendo ajudar o movimento com críticas, mas parecem não saber o quanto os direitos das pessoas são atacados por instituições religiosas.
Não foi a Marcha das Vadias do Rio de Janeiro quem organizou um quebra-quebra-masturbatório de imagens sacras. Foi um pequeno grupo que, com certeza não estava preocupado com a imagem da marcha na mídia, mas queriam protestar de uma maneira polêmica. E numa marcha pública com mais de duas mil pessoas como evitar que algo assim aconteça? Não há como. Eu é que não vou fazer papel de bedel de Marcha das Vadias e ficar ditando regras do que pode ou não ser performático.
“Essa Marcha das Vadias não me representa, é um absurdo quebrar santas”.
Primeiro, vou contar como são organizadas as Marchas das Vadias. Acompanho, desde 2011, a organização das Marchas de Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Recife por meio de amigas e das redes sociais. Todas essas marchas são estruturadas de forma horizontal, com reuniões públicas e muitas pessoas colocando a mão na massa.
Não acredito que alguém vá chegar numa dessas reuniões e dizer: “Olha gente, vamos quebrar umas imagens de santas, que nem aquele pastor da Record como estratégia para afrontar o catolicismo?”. Mesmo que alguém faça essa proposta, dificilmente será apoiada, porque as pessoas sabem os riscos que essas polêmicas envolvem. Porém, uma marcha pública, nas ruas, é algo incontrolável. Você não sabe quem vai e nem o que vão fazer. É claro que a organização tem uma estratégia para tentar lidar com a questão da segurança, mas não há como prever o que vai acontecer.
Já saiu a nota da Marcha das Vadias do Rio de Janeiro afirmando que a performance, que envolveu quebra de imagens religiosas, não foi programada pela organização do evento. Esse tipo de ação não é uma estratégia política do feminismo. Segundo informações, as pessoas que realizaram o ato fazem parte de um grupo pornô terrorista. E, a organização da Marcha não condenou a performance ou repudiou como muitos queriam, porque condenar performances artísticas não é objetivo da organização. Blasfêmia não é crime. Sim, é insulto religioso. Sim, é desrespeitar uma religião numa manifestação que pregava o Estado laico. Sim, não é algo que queríamos relacionado a imagem da Marcha. Porém, onde mais se quebrariam santas se não numa marcha libertária?
Com um Papa acusado de colaborar com a ditadura argentina sendo ovacionado pela mídia brasileira como “o mais humilde”. Com cartilhas de bioética que pregam a intolerância sendo distribuídas na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) junto com mini-fetos sensacionalistas. Com o PLC 03/2013, que normatiza o atendimento das vítimas de violência sexual, ameaçado de não ser sancionado por causa de pressão dos setores conservadores, estamos num momento crucial. Portanto, não serão todas as pessoas que distribuirão flores para peregrinos, algumas mostrarão sua indignação de outras maneiras consideradas não tão bonitas e educadas. O ideal de manifestante limpinho, higienizado, bonzinho, que dá a outra face para bater, não é o único caminho.
E, como disse Paulo Candido, vale lembrar do caso Pussy Riot na Rússia. Em março de 2012, as ativistas improvisaram um concerto na Catedral de Cristo Salvador de Moscou contra Vladimir Putin e a igreja ortodoxa russa. Três mulheres da banda foram presas e acusadas de vandalismo motivado por intolerância religiosa. É isso que queremos?
“Mas o que o feminismo ganha com isso? A opinião pública ficará contra nós”.
Deixa eu te contar um segredo: a opinião pública nunca esteve a favor do feminismo. Nem se todas as feministas usassem terninhos cor de rosa, fizessem escova e se depilassem, a opinião pública e a mídia estariam nos apoiando. Como disse o Everson: todo ano, toda marcha, toda parada, vai ter um motivo a ser explorado a fim de deslegitimar o evento. O nome da Marcha já é bem controverso e o que mais vemos nos comentários de quem fala primeiro para conhecer depois não é apoio.
A mídia não está do nosso lado, provavelmente William Bonner nunca leria uma nota sobre a Marcha das Vadias se não houvesse essa quizumba. Tem também quem diga que perdemos apoio de católicos que apoiam ideais feministas e nossa, cê jura? São tantos assim? Tô apostando que não. Quem está no movimento sabe que feministas não são chamadas de fofas, mas de assassinas de fetos, castradoras de homens, lésbicas sapatônicas. E não adianta piscar os olhinhos, somos todas filhas de Satã. Pessoas da minha família, que me conhecem, sabem que não entro em canoa furada e não se compadecem, nem apoiam a Marcha. Apoio para um movimento que prega liberdade para as mulheres é algo bem difícil, especialmente quando chegamos nos direitos sexuais e reprodutivos.
O feminismo ganhou uma de suas maiores Marchas das Vadias esse ano. Muita gente de outras cidades conseguiu ir para o Rio de Janeiro participar. Desde sexta-feira aconteceram ações pela cidade. Entre as reivindicações também haviam protestos contra a truculência do governador Sérgio Cabral e apelos que perguntavam: onde está Amarildo? Passou da hora de pessoas de carne e osso morrendo chocarem e provocarem mais revolta que imagens sacras de gesso sendo quebradas.
A Jô Hallack pergunta: o que ganhamos com isso? Ganhamos as ruas, numa época de muito medo e temor da reação da polícia no Rio de Janeiro. As pessoas foram muito corajosas de saírem as ruas e o feminismo ganha muito com isso. Portanto, cabe a nós divulgar o que realmente foi a Marcha das Vadias do Rio de Janeiro 2013, uma festa linda com música, glitter, gente pelada, fantasias, beijos, humor. Uma marcha que pede liberdade. Quem viu a transmissão da Mídia Ninja sabe que foi um grande momento.
“Mas tem que respeitar para exigir respeito”.
Pelamor, minha gente, quando que a igreja me respeita? A igreja é contra a liberdade e diversidade sexual. É contra pesquisas com células-tronco embrionárias. Contra as pessoas decidirem pela eutanásia e pelo aborto, decisões particulares, que deveriam ser privadas. Uma igreja que acoberta por anos a pedofilia de seus membros, mas condena veementemente os homossexuais, inclusive lutando para impedi-los de adotar crianças. E, mais importante, eles não pregam isso só para quem é católico, a igreja católica é presença forte no Congresso brasileiro, elaborando leis, baseadas em dogmas, para toda população.
O discurso do “respeite, para ser respeitado” ou “meu direito começa onde acaba o seu” geralmente é usado para deslegitimar atos contra fundamentalismos. E, mais uma vez temos que dizer, não se iluda achando que o manifestante limpinho, sempre disposto a dialogar, conseguirá muita coisa. No movimento combativo é preciso ter todas as formas de militância. Porque há direitos humanos sendo ameaçados pela igreja, há cidadania sendo negada por causa de dogmas religiosos. Há a mutilação do afeto, porque duas mulheres se beijando é considerado uma afronta. E, se você não se sente oprimida pela igreja, está na hora de sair desse umbigo.
Não nego de maneira alguma o trabalho social realizado pela igreja católica. Desde iniciativas como a Pastoral da Criança, até o Conselho Indigenista Missionário, e a atuação em locais onde o Estado está ausente, como as penitenciárias. Porém, isso não é motivo para isenção ou falta de críticas, especialmente quando o Estado laico é ameaçado. Da mesma maneira que muitos fiéis choraram ao ver santas de gesso sendo quebradas, ao ver um crucifixo no cu de alguém, choro todos os dias ao receber emails de mulheres desesperadas em busca de indicação de clínicas de aborto, porque não posso fazer nada por elas. Desculpe, Vovó Candinha, mas não posso querer o mudar o mundo sem chocar você.
Vale também lembrar que há anos imagens de religiões de matriz africana, como o candomblé, são quebradas por pessoas e não provocam nem metade dessa comoção. Quantas religiões indígenas não foram dizimadas pelas catequizações de jesuítas? A revolta em torno da intolerância religiosa parece valer só para algumas religiões em nosso país.
Cartum do Laerte. Publicado em seu facebook.
Então, vamos deixar algumas coisas claras em relação a Marcha das Vadias do Rio de Janeiro:
- O evento já estava marcado para essa data há meses, inclusive as organizadoras fizeram formalmente o aviso a polícia. A escolha da data tinha como objetivo fazer um contraponto a agenda religiosa que tomaria conta da cidade, mas não o confronto com participantes da JMJ. A programação do Papa aconteceria em Guaratiba, na zona oeste, mas devido a especulação imobiliária e desorganização das autoridades o lugar virou um lamaçal devido a chuva e toda programação foi transferida para Copacabana. Inclusive, sabendo que os eventos da JMJ estavam em Copacabana, o trajeto da Marcha seguiu em direção a Ipanema.
- As imagens de gesso quebradas foram compradas e levadas pelas próprias pessoas que fizeram a performance. Não foram roubadas imagens de fiéis, não foram benzidas e a blasfêmia não foi realizada em frente ao público da JMJ, mas sim numa roda aberta em meio a Marcha. As cruzes foram enfiadas nos cus e bucetas consensualmente. Sim, pode ser considerado atentado ao pudor. Alguns peregrinos presenciaram as cenas porque passavam pelo local. Havia peregrinos em absolutamente todos os locais da orla. Pelas imagens é possível ver que apenas duas pessoas nuas realizaram o ato, enquanto milhares marcharam durante toda tarde construindo uma bela festa.
Todo meu apoio para a Marcha das Vadias do Rio de Janeiro, esse movimento lindo e libertário que conseguiu, com muita coragem, colocar o bloco nas ruas do Rio de Janeiro. Por fim, deixo a reflexão de Barbara Araújo:
Está difícil sentir compaixão pelos santos de barro e pelas pessoas religiosas que sentiram ofendidas ao vê-las sendo quebradas. Os santos não são agredidos na rua e mortos por playboys homofóbicos, eles não são culpados quando são estuprados por causa da roupa que vestem, eles não morrem em clínicas de aborto clandestinas e nem são criminalizados por interromper a gravidez, eles não são obrigados pelo Estado a ter um filho que foi fruto de um estupro. A instituição Igreja Católica está apoiando que quebrem os nossos corpos e as nossas vidas há muito mais tempo.
Fonte: http://srtabia.com/2013/07/meu-apoio-a-marcha-das-vadias-do-rio-de-janeiro/