Por Paulo Nogueira.*
Ao se calarem diante do comportamento predador da emissora, as empresas de mídia deixaram crescer um monstro que as sufoca.
Sonegação é um problema sério numa economia.
Para os cofres públicos, significa dinheiro a menos para construir escolas, portos, hospitais, estradas etc.
Para o mercado, é uma agressão à concorrência justa: quem sonega tem vantagem competitiva sobre quem paga impostos. Sobram mais recursos para investir, por exemplo.
Por tudo isso, o caso Globo é espantoso: como a empresa pôde se safar impunemente, durante tanto tempo, sendo uma sonegadora serial?
Uma informação que está circulando freneticamente na internet hoje é quase inacreditável.
Documentos obtidos pelo Hoje em Dia, jornal de Belo Horizonte, mostram que nos últimos dois anos a Globo foi notificada 776 vezes pela Receita Federal por sonegação fiscal.
Os papeis mostram também que, ao contrário do que a Globo afirmou recentemente em nota, não foi quitada a dívida de 600 milhões de reais com a Receita relativa ao caso da trapaça contábil na compra dos direitos de transmissão da Copa de 2002.
Segundo o Hoje em Dia, a papelada comprova ainda que o Ministério Público Federal, ao ser avisado sobre operações irregulares da Globo nas Ilhas Virgens Britânicas, “prevaricou muito”.
“Ao invés de solicitar investigação à Polícia Federal, [o MP] preferiu emitir um parecer que atesta não ter ocorrido nenhum ato ilícito nas transações nas Ilhas Virgens”, afirma o Hoje em Dia. “Um inquérito criminal contra os irmãos Marinho chegou a ser instaurado, mas também sumiu das dependências da Receita Federal.”
Não há nada que a Globo não pareça fazer para sonegar. Dias atrás, por exemplo, soube-se que o jornalista Carlos Dornelles conseguiu levantar uma cifra calculada em 1 milhão de reais num acordo judicial com a Globo.
Dornelles acionou a empresa por causa de uma prática comum ali: pegar jornalistas, sobretudo os mais bem pagos, e transformá-los contabilmente em PJs com o único objetivo de sonegar.
Dornelles tinha sido transformado em PJ em seus últimos anos de Globo embora fizesse o mesmo que fazia quando era contratado pela CLT.
Nos protestos, a Globo foi um dos maiores alvos
O que leva a Globo a ser tão deletéria?
A certeza da impunidade é um dos pontos centrais para entender essa questão. Essa certeza deriva de muitas coisas, como os laços que a empresa mantém com altas patentes do Judiciário.
E também da omissão cúmplice dos concorrentes da Globo, que acabam esmagados por ela, numa competição injusta e desigual, sem fazer nada.
Nenhuma grande empresa jornalística se mobilizou para investigar o caso da Copa de 2002, por exemplo.
O blog O Cafezinho publicou uma denúncia que era nitroglicerina pura: o flagrante que a Receita dera na Globo. Estava tudo documentado. Mas a mídia nada fez.
Podemos imaginar que parte do silêncio se deve a que a Globo saiba informações pouco edificantes das demais empresas de mídia, e poderia publicá-las sob pressão.
Mas mesmo assim. Nada fazer – e é o que tem acontecido desde que a Globo é a Globo – acabou transformando a emissora no monstro monopolista que é.
Os problemas para a Globo só apareceram pela ação da mídia digital, não controlada – graças a Deus — pelos irmãos Marinhos.
Uma vez publicadas as malfeitorias da Globo, é difícil acreditar que o regime de vida boa na contravenção possa perdurar.
Quando a posteridade estudar o caso Globo, terá dificuldade em compreender certas coisas.
Sendo a emissora não nociva perante seus concorrentes, deixando-lhes apenas migalhas, como eles puderam ficar imobilizados, mesmo sob o risco de revelações complicadas?
A competição não se limitou a silenciar. Deu uma cobertura para a Globo sem limites – ao ponto de irritar os leitores.
Poucos meses atrás, a Folha publicou a carta de um leitor indignado com o espaço dedicado na Ilustrada às novelas.
A revista Veja dedica regularmente grandes reportagens a novelas da Globo, e o BBB é um assunto de toda a mídia nacional.
O resultado disso foi, sempre, apenas alimentar uma companhia de caráter predador.
Sonegação pode ser, às vezes, a saída desesperada e arriscada de uma empresa em dificuldades.
Este está longe de ser o caso.
Recentemente, a Revista Exame publicou o resultado da Globo em 2012. “No acumulado de 2012, a companhia lucrou 2,9 bilhões de reais – um aumento de 35,9% ante o resultado do ano anterior”, escreveu a Exame.
A receita líquida da empresa também avançou 32,4% em 2012 e chegou a 12,6 bilhões de reais.
Por que, então, sonegar?
Olhe o patrimônio dos acionistas. Segundo a Forbes, os irmãos Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto Marinho têm, cada um, uma fortuna avaliada em quase 9 bilhões de dólares.
O caso pertence à patologia humana e corporativa.
A Globo fez uma imensa farra no Brasil – até que apareceu uma coisa chamada internet em seu caminho.
* O jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
Fonte: Diário do Centro do Mundo.