Chile: Líderes estudantis no Parlamento?

Por Rodrigo Cea.

Os principais rostos do movimento, mesmo desconfiando do sistema, querem converter-se em deputados para realizar transformações desde a institucionalidade.


Protesto de estudantes chilenos em Santiago / Martin Bernetti (AFP)

Os principais dirigentes do movimento estudantil chileno empreenderam uma das batalhas de maior complexidade desde que, em 2011, removeram o tabuleiro político do país: converter-se em parlamentares nas eleições do dia 17 de novembro e, apesar de sua postura inicial, de desconfiança ante o sistema institucional, apostar nas transformações a partir do interior do Congresso.

A geógrafa Camila Vallejo, de 25 anos, principal rosto da revolta dos estudantes, pretende converter-se em deputada por La Florida, uma zona de classe média de Santiago de Chile. A líder comunista, uma das figuras políticas chilenas de maior fama internacional, com seus cinco meses de gravidez, percorre as ruas do bairro pedindo o voto à cidadania para chegar ao Parlamento com o apoio de seu partido e da centro-esquerda.

Giorgio Jackson, outro dos dirigentes que protagonizaram os protestos de rua, há dois anos, ex-presidente da Federação de Estudantes da Universidade Católica (Feuc), desafiou os partidos políticos tradicionais e, com o apoio dos independentes, quer ser deputado por Santiago. Líder da Revolução Democrática, um movimento que conseguiu influência desde 2011, recolhe assinaturas para lançar sua postulação e permanecer com uma das ‘comunas1 de maior relevância do país.

“Chegamos à conclusão de que não podíamos esconder a cabeça frente às eleições deste ano e que era importante que os movimentos sociais também tivessem uma expressão política nas eleições”, ressalta o dirigente do movimento Izquierda Autónoma, Gabriel Boric. Ex-presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile (FECh), crítico do establishment político, do Partido Comunista e da ex-mandatária Michelle Bachelet, informou, na segunda-feira passada, sua candidatura por Magallanes, no extremo sul do país: “Caso eu seja eleito, apoiarei as marchas, as paralisações e as mobilizações. O sistema deve ser mudado a partir de seu interior e também a partir de fora”.

Francisco Figueroa, o ex-vice-presidente da FECh, militante da Izquierda Autónoma, é outro dos dirigentes que se animou a disputar uma vaga no Congresso e ressalta que “é um triunfo que ex-dirigentes de 2011 hoje sejam candidatos”.

O movimento, desde seu início, desconfiou profundamente que a política se fizesse desde o Estado e, ao contrário, propugnavam que a vida pública transitava pela sociedade e não pelas instituições da democracia representativa. Desde 2011, os principais dirigentes moveram-se para uma posição de pragmatismo e, para evitar que sua força se dilua, como aconteceu com os ‘indignados’ espanhois, apostam em ter presença no Poder Legislativo.

No entanto, para alguns, o caminho que os estudantes tomaram é um erro estratégico. “Deveriam insistir pela via do movimento social e não passar à política”, afirma Gabriel Salazar, Prêmio Nacional de História e reconhecido intelectual de esquerda. O docente que, para muitos, inspirou o movimento estudantil, pensa que os jovens estancaram. “Propõem consignas e não propuseram um novo sistema educativo que responda às necessidades atuais”, afirma Salazar, que acredita que os jovens pouco influirão nas eleições presidenciais e parlamentares do dia 17 de novembro.

O movimento estudantil pretende que o sistema educativo, que carece de regras e está entregue às leis do mercado, deve ser corrigido. Os jovens que, apesar de todos os prognósticos, conseguiram manter vigentes suas demandas e instalado a educação no seio do debate político, querem um modelo gratuito e de qualidade e recuperar o domínio público tanto na educação escolar quanto na universitária. De acordo à última pesquisa do Centro de Estudios Públicos (CEP), o ensino das crianças e dos jovens encabeça a lista de prioridades da população.

A educação é uma das áreas pior avaliadas da Administração do presidente Sebastián Piñera e, segundo a última pesquisa Adimark, 71% da população desaprova seu desempenho na área. No dia 21 de maio passado, em sua última conta pública antes de deixar a presidência, em março de 2014, o chefe de Estado destacou o aumento de créditos e bolsas de estudos: “Se, em 2009, o Estado investia 8.900 milhões de dólares em educação, este ano investiremos quase 14 milhões de dólares, o que representa mais de 50% de incremento”, disse o mandatário, que tem 34% de popularidade.

Os estudantes rechaçaram suas palavras, argumentando que as iniciativas que ele tem impulsionado não satisfazem seu principal objetivo: uma mudança radical do sistema educativo que impera no Chile desde a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

O movimento tem suas raízes nos protestos dos secundários de 2006. A chamada ‘Revolución Pingüina’ –nome dado devido às cores do uniforme estudantil- na época, exigiu ao governo de Michelle Bachelet que os liceus não fossem administrados pelos municípios; que os administradores dos colégios públicos não lucrassem com a educação e que eliminasse a Lei Orgânica Constitucional de Ensino (Loce), promulgada por Pinochet um dia antes de deixar o palácio de La Moneda. A médica socialista Bachelet a substituiu em 2009 pela Lei Gerald e Educação (LGE), com a anuência de todos os setores políticos.

No entanto, professores e estudantes resistiram e até a data essa iniciativa gera reações. “Para ser honesto, não creio que perdoarão a Michelle Bachelet pela aprovação da LGE e a imagem dos presidentes da Concertação e da direita com as mãos para cima celebrando seu acordo”, escreveu, no começo de abril, o ex-presidente da FECh, Nicolás Grau. O ex-dirigente criticou os anúncios que a ex-diretora da ONU Mulheres (Bachelet) lançou em matéria educativa após o início de sua campanha pela reeleição, em fins de março: “Há boas razões para duvidar”, indicou o economista.

Os estudantes não encontraram soluções durante a último governo de centro-esquerda e, em 2011, com os universitários à cabeça, seu mal estar foi a ponta de lança da indignação da sociedade pelos altos níveis de desigualdade. “Quando há uma nova classe média, que tem altas exigências e expectativas, as manifestações sociais são iniludíveis”, explicou o editor de América Latina, do semanário The Economist, Michael Reid, no jornal chileno La Tercera, em abril de 2012.

Segundo diferentes analistas e dirigentes, entre eles o ex-presidente socialista Ricardo Lagos, o Chile mudou de ciclo político, econômico e social após os protestos de 2011. As mobilizações dos jovens, cujas demandas chegaram a conseguir o apoio de 80% da cidadania, puseram em cheque a classe política em seu conjunto. As instituições democráticas, entre elas o Congresso e os partidos se instalaram entre as menos confiáveis do país.

E o que conseguiram desde então?

Os estudantes conseguiram instalar a crise da educação pública na agenda nacional e abrir a discussão sobre os preconceitos que, em diferentes áreas, tem causado o modelo de mercado com pouca regulação. No ano passado, por exemplo, a justiça abriu uma investigação em tribunais contra diferentes instituições de educação superior que ganhavam dinheiro, o que está proibido pela lei chilena.

Apesar de 2012 ter sido um ano ‘débil’, os estudantes mostraram sua força em 2013 na rua: congregaram 150 mil pessoas no dia 11 de abril em Santiago na primeira mobilização de 2013, uma das mais massivas desde o retorno à democracia, em 1990. Em sua última marcha, no dia 28 de maio passado, houve um resvalo e somente mil alunos atenderam à sua convocatória, no centro da capital, em grande parte por culpa da chuva. “Não foi tal como queríamos; porém, estamos trabalhando para que junho seja um mês de mobilizações”, anuncia Andrés Fielbaum, presidente da FECh.

Hoje, 19 universidades -15 subscritas ao Conselho de reitores (CRUCh) e quatro privadas- estão mobilizadas. Segundo cálculos de dirigentes, significa que pelo menos 50% dos universitários encontram-se em assembleias e paralisações. De acordo com as mesmas fontes, 26 colégios públicos estão paralisadas ou ocupadas por secundários.

A meados de abril passado, os jovens obtiveram uma vitória política: a queda do terceiro ministro de Educação de Piñera, Harald Beyer, que, após 16 meses, foi destituído pelo Congresso graças à pressão dos estudantes. “É uma campanha inédita porque por primeira vez os candidatos terão que discutir sobre o modelo”, diz Fernando Atria, advogado e membro da equipe dedicada a avaliar uma nova Constituição do comando de campanha de Michelle Bachelet, a grande favorita, segundo as pesquisas.

Eugenio Guzmán, membro do centro de estudos de direita ‘Libertad y Desarrollo’, prevê que não será fácil para os estudantes continuar impondo seus temas na agenda quando a reta final da corrida presidencial comece, após as primárias do dia 30. O sociólogo ressalta que “a qualidade das lideranças” decaiu, tanto devido ao desgaste natural do processo, como pelas características próprias dos atuais dirigentes. “O ‘fundacional’ outorgou a Camila Vallejo e a Giorgio Jackson uma força e carisma que os líderes de 2013 não têm”, indica.

Os dirigentes estudantis apostam em radicalizar suas mobilizações nos próximos meses e já falam de que em 2014 sairão às ruas para exigir que se concretizem as promessas de quem chegue a La Moneda. “A luta pela educação é longa”, diz Andrés Faulbaum, da FECh, que, em um curto prazo, antecipa uma maior articulação com outros setores sociais. Nessa linha, os estudantes se somarão à paralisação produtiva convocada para o dia 11 de julho pela Central Unitária dos Trabalhadores (CUT), o organismo multissindical mais importante do país.

No dia 13 de julho será a próxima marcha: os estudantes já pediram autorização para caminhar pela Alameda, a principal avenida de Santiago e o farão com cartazes de “Educação gratuita” e “Não ao lucro!”.

Tradução: ADITAL

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.