Eu estive na Virada Cultural por duas vezes este ano. Uma vez, das nove da noite de sábado até às 5 da manhã de domingo. E na outra, com meu filho de sete anos, entre as três e seis da tarde de domingo. O saldo total, não nego, foi de absoluto pavor e medo.
Jamais poderia imaginar que aquelas horas que passei nas ruas do Centro de São Paulo poderiam ser descritas por tanta gente como “festival de violência”, “território dominado por marginais”, “show de horrores”. Como eu, um pretenso atento observador, não consegui ver tamanha barbárie. E olha, eu andei. Fui na Gal, no Emicida, no Palco Rap; no Nego Blue, no Palco Funk; rodei pela São João, fui ver os metaleiros e Punks em frente as grandes galerias, fui ao Anhangabaú, fui na República, fui na Cásper Líbero ver as bandas alternativas e terminei com o George Clinton. No domingo, voltei a tarde com meu filho para a viradinha.
A Virada que eu vi foi um festival de alegria, com muita, muita gente feliz. A cidade dominada por gente disposta a se divertir. No Anhangabaú, um balanço gigante, pendurado no viaduto do chá, dava o tom lúdico. Na São João, punks pogavam na frente da Galeria. Em todos os palcos, shows bons, com som afiado e, quase, sempre pontuais.
Eu também vi violência. Brigas entre adolescentes, correria e me disseram que um arrastão passou ao meu lado, mas eu não vi. No palco Rap, um camarada tentou vasculhar meu bolso, mas a mão dele não era leve o bastante e o peguei no flagra. Ele deu uma risadinha, eu devolvi, e seguimos nossos destinos.
No fim, uma pessoa morreu. A polícia contabilizou 11 arrastões, uns cinco baleados, alguns esfaqueados e várias vítimas de furto e roubo. Números naturais, acho eu, para um evento que reúne 20% da população da área metropolitana de uma das maiores cidades do mundo. É claro, violência é terrível, eu adoraria que não houvesse nenhum caso. A segurança precisa melhorar, ela é fundamental para todos nós. Mas pera lá, há um quê de má fé ou absoluta ingenuidade em acreditar que um evento dessas proporções não teria casos de violência. É como se São Paulo, da noite para o dia, deixasse de ser o que sempre foi.
O que mudou e o que gerou toda a gritaria, acho eu, é que uma parcela da população paulistana não consegue mais se misturar à população parda, pobre e pouco afeita à cultura do privilégio. Dois meninos de cabelo raspado nos lados correndo se transformam numa ameaça. Vinte amigos negros andando juntos viram uma gangue disposta a trucidar. As profunda divisão social dessa cidade, agravada por uma política de apartaide urbano, em que a periferia não pode vir para as áreas centrais por conta da completa inexistência de transporte urbano, está criando uma elite coxinha, amedrontada.
É fácil bancar de outsider na Augusta com cara de motorista de caminhão americano, onde uma cerveja long neck custa R$ 9 reais. Ou, ainda, adotar aquele visual de tough guy londrinho na Vila Madalena. Mas ir ali, compartilhar o espaço público com todo mundo, é pesado demais.
*Texto publicado no perfil do autor, no Facebook.