Vai-Vai, não vai

image_previewA mais antiga escola de samba paulista corre o risco de ser desalojada

Por Márcio Sampaio de Castro.

“Quem nunca viu o samba amanhecer, vai no Bexiga pra ver, vai no Bexiga pra ver.” Enquanto os músicos entoam o hino da Vai-Vai, os frequentadores da quadra, na esquina das ruas São Vicente e Lourenço Granato, no bairro paulistano citado na letra da música, se organizam na fila ansiosos por provar a tradicional feijoada do sábado.

Este não é um sábado qualquer. Em uma cerimônia comandada por Pai Francisco de Oxum, o orixá protetor da agremiação é homenageado. O festejo coincide com as celebrações a São Jorge. A Feijoada para Ogum marca o início da preparação para o carnaval de 2014 e celebra o retorno do vitorioso carnavalesco Chico Spinosa ao comando do desfile, após um afastamento de quatro anos.

Não há, porém, muito a comemorar. O Bexiga já teve uma grande população negra, o que explica a presença da Vai-Vai no bairro, ocupante no passado dos inúmeros cortiços da região. O tempo tem apagado essa memória. E é possível que ela suma de vez. Em 30 de julho serão abertos os envelopes com as propostas dos consórcios interessados em construir a Linha 6-Laranja do Metrô. No meio do traçado da nova linha fica a quadra da tradicional escola de samba, símbolo dos carnavais paulistanos.

“Respeitamos o crescimento da cidade. O transporte público é necessário. A Vai-Vai não quer ser um empecilho, mas também queremos ser respeitados”, afirma Renato Maluf, vice-presidente da agremiação. “O local é público e a partir daí não teríamos de receber indenização. Trabalhamos com a prefeitura sem interesse financeiro. Esse não é o nosso ponto. Queremos fazer o carnaval e dar continuidade ao nosso trabalho social. Num projeto em que serão gastos bilhões de reais, queremos uma solução. A Vai-Vai faz parte de São Paulo.”

Metido em uma vistosa camiseta vermelha em que se lê “Salve Ogum, Salve Jorge”, Sérgio Lúcio de Oliveira, o Serginho Maluco, observa o movimento, enquanto espera na fila da feijoada. Antigo morador do bairro desde criança, diz sem titubear: “Nunca saí daqui. Vamos morrer e a Vai-Vai não vai sair nunca. Pode mudar de local, mas sair do Bexiga, não. Mudar a capital do Brasil é fácil, mudar uma escola do próprio bairro é impossível. Se mudar o bairro de nome a gente até sai”.

Zé Mário, integrante da velha-guarda, lamenta a situação e reclama da falta de memória da cidade. “Precisamos conviver com o progresso, mas também com o que é antigo. O brasileiro não sabe preservar. Em São Paulo não se preserva nada. A parte da história negra, então, nem se fala”, afirma. “A Vai-Vai é a escola mais antiga de São Paulo, não tinha de sair daqui. Existem áreas invadidas por empresas na vizinhança e ninguém mexe. A saída da escola vai tirar mais uma parte da cultura negra de São Paulo. Eles fazem questão de jogar areia na nossa cultura.”

Na esquina, satisfeito com um belo prato de feijoada, o ex-ministro dos Esportes Orlando Silva é solidário. “A alma do samba de São Paulo está no Bexiga. Das pessoas que estão no Peruche, do outro lado do Rio Tietê, muitas tiveram de sair daqui no passado. Manter a Vai-Vai no Bexiga tem um valor simbólico”, relembra o agora vereador, em referência ao processo de expansão imobiliária da cidade nas últimas décadas responsável pela expulsão para a periferia de um enorme contingente de pobres e negros.

Até o momento, nenhuma das vizinhanças declaradas de utilidade pública no Decreto Estadual nº 58.025, de 7 de maio de 2012, para a implantação da Linha 6-Laranja foi procurada pela direção do Metrô. O assunto segue em pauta. Após a escolha do consórcio em julho, as obras tendem a ser aceleradas, pois estarão totalmente sob responsabilidade da iniciativa privada. À espera do leilão, os moradores do Bexiga dividem-se a respeito. Os integrantes da Vai-Vai sonham com a possibilidade de a prefeitura apoiar a construção de uma arena do samba, mais espaçosa e confortável, embora fora da região. Há quem comemore a chegada do “progresso”. De outro, os defensores da tradição lamentam.

A urbanista Raquel Rolnik alinha-se a esse último grupo. Segundo ela, a presença da Vai-Vai no Bexiga extrapola a simples existência de uma sede e de uma quadra. “Ali fica um dos territórios negros na cidade. É muito importante para a história da comunidade negra em São Paulo. Não só a existência da escola, mas a presença dos antigos moradores e suas diversas atividades, como as religiosas. É muito preocupante uma possível saída. Envolve a questão de uma cidade que se vê como europeia, imigrante, até nordestina, mas incapaz de reconhecer sua herança negra.”

Fonte: Carta Capital.

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