Entrevista especial com Cleber Buzatto.
“De um total de 1046 terras indígenas, apenas um terço delas está regularizada, um terço está em procedimento e outras 300 terras indígenas reivindicadas ainda não foram concedidas pelo Estado brasileiro. Essa é uma demanda premente que continua atual”, diz o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário – Cimi.
Há 25 anos, desde que os direitos indígenas foram garantidos pela Constituição da República, de 1988, o reconhecimento e a demarcação das terras das comunidades têm sido a “demanda histórica” que está no centro dos conflitos com ruralistas e o Estado brasileiro. “De um total de 1046 terras indígenas, apenas um terço delas está regularizada, um terço está em procedimento e outras 300 terras indígenas reivindicadas ainda não foram concedidas pelo Estado brasileiro”, informa Cleber Buzatto em entrevista concedida à IHU On-Line, por telefone.
Ao avaliar a atuação do Estado junto às comunidades indígenas, Buzatto acentua que “existe uma deliberação política por parte do governo para que a Funai não funcione, especialmente no que tange à sua responsabilidade de responder às demandas fundiárias dos povos indígenas no país”. Diante da atual conjuntura, ressalta, a garantia dos direitos dos povos tradicionais “vai depender do grau de mobilização e articulação dos próprios povos indígenas. Estamos confiantes de que os povos terão sabedoria em mais esse momento histórico para efetivar essas articulações contra seus direitos. Esperamos que o Estado e a sociedade se sensibilizem para essa demanda, e que os direitos se tornem efetivos para que os povos tenham, a partir então, condições mais dignas de existência de acordo com o seu jeito próprio de ser”.
Cleber César Buzatto é graduado em Filosofia. Atualmente trabalha como secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário – Cimi.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Pode traçar um quadro geral da situação indígena no Brasil?
Cleber Buzatto – A questão dos povos indígenas no Brasil reflete um sentimento de preocupação bastante grande. Do nosso ponto de vista, há uma estratégia anti-indígena em curso que envolve três objetivos evidentes em relação à tentativa de tomada dos territórios dos povos indígenas. O primeiro diz respeito à inviabilização de novas demarcações de terras tradicionais, as quais continuam usurpadas por não indígenas; o segundo objetivo é reabrir processos de demarcação que já foram conclusos referente a terras que estão sob posse dos indígenas; e terceiro objetivo é deixar que as terras indígenas sejam exploradas e mercantilizadas. Para cada um desses objetivos temos identificado uma série de instrumentos políticos e administrativos que estão sendo implementados pelos diferentes poderes brasileiros, especialmente pelo Legislativo e pelo Executivo.
Entre os instrumentos utilizados para realizar tais metas, menciono a PEC 215, por meio da qual os ruralistas pretendem transferir o poder de demarcação das terras do Executivo para o Legislativo e, com isso, ter o poder de decidir se uma terra é ou não tradicional. Em relação ao segundo objetivo, o de reabrir procedimentos de demarcação, temos como instrumentos a PEC 215 e a portaria 203, uma iniciativa do poder Executivo, por meio da Advocacia Geral da União – AGU, instrumentos que impõem limites ao usufruto das terras indígenas, limita o direito do consentimento de aviso prévio sobre a construção de empreendimentos que afetam as terras indígenas e abre a possibilidade de revisão e ajustes de procedimentos demarcatórios já finalizados. Esses instrumentos criam uma instabilidade jurídica grave para os povos indígenas. Em relação ao terceiro objetivo, podemos citar a PEC 237, que propõe que a União possa, por meio de concessão, passar 50% das terras indígenas demarcadas para serem exploradas pelo agronegócio, o PL 1610, que trata da exploração mineral em terras indígenas, e o recente Decreto 7957, do poder Executivo, de março de 2013, que cria uma força de repressão para qualquer tipo de manifestação contrária a empreendimentos que afetam terras indígenas. Um exemplo da aplicação desse decreto é a Operação Tapajós, que aconteceu na região dos Munduruku, e ontem foi suspensa por decisão do Tribunal Regional Federal.
IHU On-Line – Desde a promulgação da Constituição de 1988, quais são as principais conquistas e perdas dos povos indígenas? Há uma mudança na postura do Estado em relação ao que diz a Constituição?
Cleber Buzatto – A opção do atual governo pelo modelo desenvolvimentista, com base no agronegócio e exportação de commodities, tem favorecido os setores econômicos que atuam na exploração desses recursos. Então, os setores ligados ao agronegócio, que produzem para a exportação, geram dividendos para a economia, e os setores ligados à mineração têm sido favorecidos pelas políticas estruturantes dos últimos governos. Isso tem potencializado as forças dos setores que historicamente são anti-indígenas e que têm sentido, nessa atual conjuntura, um momento propício para implementar um ataque mais radical e violento contra os direitos que os povos conseguiram conquistar por ocasião da Constituição, de 1988, que completa 25 anos.
Em termos positivos, destacamos que o potencial de mobilização dos povos se mantém e que, neste momento – diante dessa conjuntura, a exemplo do que aconteceu na década de 1970, diante do projeto de integração dos povos indígenas e diante da ditadura militar –, o potencial de mobilização precisa ser bastante alimentado para que sejam superados os riscos de possíveis retrocessos dos direitos conquistados pelos povos.
IHU On-Line – Quais são os povos indígenas que enfrentam mais dificuldades em relação aos seus direitos?
Cleber Buzatto – No que se refere à invasão de territórios, há o caso dos índios Munduruku, no Pará, que enfrentam um ataque duro por parte do governo brasileiro, que tenta impor a construção de um complexo hidrelétrico contra a vontade das comunidades. Por outro lado, o povo Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, vive historicamente um processo de expulsão de seus territórios, violência, assassinatos de lideranças, situação de vulnerabilidade cultural aguda etc. Também há a situação dos Tupinambá, no sul da Bahia, que enfrentam dificuldades para garantir sua terra tradicional.
IHU On-Line – Qual é o orçamento da União destinado aos indígenas?
Cleber Buzatto – Para a questão fundiária, o orçamento da União é irrisório. Nos últimos anos tem ficado abaixo de R$ 20 milhões para responder à demanda dos povos indígenas de todo o país. E mesmo esse recurso, que é considerado muito insignificante, não tem sido efetivamente utilizado pela Fundação Nacional do Índio – Funai. A nosso ver, isso demonstra que existe uma deliberação política por parte do governo para que esta fundação não funcione, especialmente no que tange à sua responsabilidade de responder às demandas fundiárias dos povos indígenas no país.
IHU On-Line – A Funai é prejudicada pelo Estado?
Cleber Buzatto – Ela está bastante fragilizada, e sua atuação está enfraquecida junto aos povos indígenas de diferentes regiões do país. A atuação do órgão tem sido aquém da necessidade e demanda dos povos indígenas, especialmente no que tange à demanda fundiária dos povos. Essa retração acontece por parte de uma decisão deliberada, uma decisão política do governo de não fazer as políticas avançarem. Essa postura é considerada uma omissão por parte do governo: quanto mais o governo cede para as demandas do agronegócio, tanto mais o agronegócio tem demonstrado que não tem limite nas suas pressões e tem aumentado até o tom de pressão contra o governo.
IHU On-Line – Nos últimos anos, o Conselho Indigenista Missionário – Cimi tem denunciado casos de suicídio entre os indígenas e problemas relacionados à saúde. Que avaliação faz do atendimento à saúde oferecido às comunidades?
Cleber Buzatto – Nós temos demonstrado historicamente que a questão do atendimento à saúde nos povos indígenas tem sido deficiente e, infelizmente, nesses últimos dois anos e meio, essa deficiência foi ainda mais potencializada. O que nós acompanhamos é uma reclamação generalizada dos povos indígenas do Brasil, que apontam não só uma ineficiência, mas também uma irresponsabilidade da Secretaria Especial de Saúde Indígena – Sesai no tocante à atenção à saúde dos povos indígenas no Brasil. Esperamos que, nesse aspecto também, o governo brasileiro assuma a sua responsabilidade e faça efetiva a legislação que garante o atendimento diferenciado aos povos, com presença de equipes que possam atender as comunidades de acordo com seus usos, costumes e tradições.
IHU On-Line – E em relação à educação, o que é possível dizer?
Cleber Buzatto – Em termos de educação, a responsabilidade é descentralizada. Tem a responsabilidade do governo federal, dos governos estaduais e das prefeituras. A grande demanda é que sejam efetivadas as estruturas e condições para que as crianças e jovens indígenas possam frequentar a educação escolar em suas aldeias, no espaço de convivência dos povos, para que não seja necessário que saiam dos seus locais de residência. Para solucionar essa questão, o governo está tentando implementar o programa Territórios Técnicos e Educacionais. Mas até o momento isso não foi efetivado nas diferentes regiões do país.
IHU On-Line – A partir da retrospectiva da política indigenista conduzida pela presidência da República nos últimos 10 anos, como o senhor analisa a relação da esquerda com a problemática dos povos indígenas?
Cleber Buzatto – Infelizmente, fomos surpreendidos e decepcionados com a atuação dos últimos governos. Havia uma expectativa muito grande, não só por parte das entidades de apoio como também pelos povos indígenas de que, com a eleição de Lula, se iriam agilizar os procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas. Mas o que se concretizou foi justamente o contrário. A partir do governo Lula houve uma diminuição no ritmo de demarcações e, agora, com a Dilma isso está ainda mais lento.
Os povos têm demonstrado e manifestado essa contrariedade. Essa omissão do governo em relação às demandas dos povos indígenas tem contribuído para que as pautas dos setores ligados historicamente à direita política do país sejam potencializadas, o que também nos preocupa bastante, porque, junto com as pautas anti-indígenas, estão as pautas políticas da direita brasileira.
IHU On-Line – Qual é a maior urgência do indigenismo brasileiro? Em que consistiria um plano indigenista moderno?
Cleber Buzatto – Nós entendemos que a questão central continua vinculada a essa demanda histórica dos povos indígenas, a qual não foi respondida pelo Estado brasileiro: o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas no país. De um total de 1046 terras indígenas, apenas um terço delas está regularizada, um terço está em procedimento e outras 300 terras indígenas reivindicadas ainda não foram concedidas pelo Estado brasileiro. Essa é uma demanda premente que continua atual, e o Estado brasileiro precisa tomar a decisão política de resolver essa questão de forma definitiva. Se isso acontecer, uma série de outras situações tais como os conflitos, os assassinatos de lideranças indígenas, os ataques às comunidades serão gradualmente amenizados. Ademais, isso também deixaria os povos mais tranquilos para fazerem as suas reivindicações em relação às políticas públicas de saúde, de educação, de sustentabilidade nos espaços que vierem a ser demarcados. Então, o Estado precisa se organizar, criar estruturas, ter condições efetivas de cumprir o que foi estabelecido nos artigos 231 e 232 da Constituição brasileira.
IHU On-Line – Que perspectiva vê para a questão indigenista no país, considerando a construção de novas hidrelétricas e o aumento da produção do agronegócio?
Cleber Buzatto – Entendemos que a efetivação dos direitos, junto com essa demanda de evitar com que eles sejam rasgados como aponta a conjuntura, vai depender do grau de mobilização e articulação dos próprios povos indígenas. Estamos confiantes de que os povos terão sabedoria em mais esse momento histórico para efetivar essas articulações contra seus direitos. Esperamos que o Estado e a sociedade se sensibilizem para essa demanda, e que os direitos se tornem efetivos para que os povos tenham, a partir então, condições mais dignas de existência de acordo com o seu jeito próprio de ser.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos.
Foto: http://amazonia.org.br
Que engraçado o CIMI ,está tão preocupado ,por que tanto índio morrendo de fome de saúde , terras já demarcadas ,com índios se alcoolizando ,se drogando, se prostituindo ,que mudem essas leis ,que o índios passe a ser tratado comum ,que ele trabalhe ,estude e tenha um dignidade como um ser humano ,chega de hipocrisia ,posso posta ,muitas barbaridades que estão fazendo com os índios , essa que deixo aqui é uma delas .
O grupo é formado por quarenta pessoas, entre elas, muitas crianças
AMILCAR JÚNIOR
Cerca de quarenta índios Yanomami, entre crianças, jovens e adultos ocupam há três dias a quadra da escola estadual Manoel Augostinho de Almeida, na vila Antônio Ribeiro Campos, na região de Campos Novos, a 70 quilômetros da sede de Iracema, município no Centro-Sul de Roraima.
Os indígenas alegam que deixaram a comunidade onde viviam, a Maiamase, na região do Catrimani, porque a malária estava dizimando famílias inteiras. “Perdi dois irmãos e outros parentes. Não temos gente lá na comunidade para cuidar da nossa saúde”, reclamou Joaquim Yanomami, um dos líderes.
A falta de comida também é motivo de reclamação dos índios. Eles garantem que não conseguem mais viver só da caça, pesca e da agricultura. “A gente também quer comida. Tá faltando lá na aldeia. Nossos filhos estão morrendo de malária e de fome”, lamentou Joaquim. Não bastasse isso, a comunidade Maimase ainda está em conflito com outras aldeias próximas.
O prefeito de Iracema, Rarisson Nakaiama (PSDB), teria dado carona aos índios até a quadra da escola, quando eles se aproximavam da vila. Os Yanomami já tinham andado dez dias, da missão Catrimani até Campos Novos. Durante o percurso, uma índia grávida de dois meses morreu e foi enterrada na beira da estrada. Os parentes não souberam detalhar o local.
No início da tarde de ontem, desconsolado e distante dos outros, o marido da índia que morreu no caminho estava sentado no final da quadra, apenas observando a outra filha, de seis anos, correr pela área da escola. Ele não quis conversar com a reportagem.
“Também queremos que a Funai (Fundação Nacional do Índio) vá pegar o corpo da parente que ficou para trás. Ela morreu porque estava muito doente de malária e por isso não aguentou, assim como outros parentes que ficaram lá na comunidade, também morrendo”, denunciou Joaquim.
O líder alega que só voltarão à aldeia Maimase quando a Funai disponibilizar médicos, enfermeiros e remédios. “Veio a metade, mas ainda ficou parente lá na comunidade. Só voltamos quando resolverem nossos problemas”.
Os Yanomami avisaram que se ninguém resolver a situação, como forma de protesto, vão continuar a caminhada até chegar a Boa Vista. “A gente descobre o caminho. Queremos que a Funai nos dê assistência”, reivindicou.
O coordenador da Fundação Nacional do Índio em Roraima (Funai/RR), André Vasconcelos, informou no começo da noite de ontem, por telefone, que servidores da Fundação, anteontem, já teriam ido ao local com ônibus para fazer o translado dos Yanomami de volta à comunidade Maiamase, mas eles teriam se recusado.
“Pediram ferramentas e alimentação para voltarem, e já estamos providenciando isso. A situação é um pouco complicada porque eles têm conflitos étnicos com outras tribos”, ressaltou o coordenador.
Sobre a suposta epidemia de malária na comunidade Maimase, o coordenador adiantou que também vai verificar a denúncia junto às autoridades responsáveis pela saúde Yanomami em Roraima.
DOAÇÕES – No início da tarde de ontem, a professora Maria da Silva Mendonça e outras servidoras públicas ajudavam a servir o almoço às famílias indígenas. “A nossa comunidade doou roupas e comidas para eles. Estamos aqui ajudando, pois tem muitas crianças e até idosos”, comentou.
Pela manhã, a direção da escola suspendeu as aulas de Educação Física. “Muitos estão definhados devido à longa caminhada e por isso dormem um pouco mais”, justificou a professora. A escola estadual atende alunos das últimas séries do ensino fundamental e dos três anos do ensino Médio.