Em uma carta aberta, auxiliares, agentes e especialistas em indigenismo da Fundação Nacional do Índio (Funai) fazem um pedido de socorro à sociedade brasileira. O documento datado de fevereiro e publicado em março de 2013, pretende fazer um panorama da condição de trabalho a que os profissionais são expostos, especialmente os que trabalharam com indígenas isolados e recém-contatados.
Dois dos indigenistas responsáveis pela carta, Marco Targino e Felipe Cavalcante, afirmam que a principal urgência é de um plano consolidado de indigenismo para o Brasil. As Frentes de Proteção Etno-ambientais (FPE) são unidades da Funai responsáveis pela localização, monitoramento e proteção dos indígenas isolados e recém-contatados. A principal função desses grupos é garantir a inviolabilidade e a proteção dos territórios indígenas. Das 12 FPE’s, 11 assinaram a carta.
Segundo o auxiliar em indigenismo Felipe Cavalcante, a natureza do manifesto é denunciar a falta de infraestrutura e recursos humanos. Além disso, ele ressalta a urgência de medidas para que a política de atuação junto a índios isolados seja mais efetiva.
De acordo com a Constituição de 1988, é de responsabilidade do governo federal a demarcação dos territórios dos povos indígenas, bem como a incumbência de protegê-los e fazer respeitar todos os seus bens. A Funai é o órgão que estabelece e executa a política indigenista no Brasil.
A Funai esclareceu que, em seu planejamento anual para 2013, estabeleceu como prioridade a estruturação das unidades descentralizadas, como é o caso das 12 FPE’s. De acordo com o órgão, os representantes dessas unidades pactuaram projetos e atividades com os diretores e coordenadores-gerais para que, trabalhando de forma articulada, a instituição alcance os objetivos e metas estabelecidos no Plano Plurianual (PPA) 2012-2015.
Assistência à saúde
A carta aberta também faz denúncias de descaso com a saúde de indígenas. Marco Targino conta que, no Vale do Javari, na região do Alto Solimões, hepatite B é um caso crônico de saúde pública. que causa muitos óbitos por ano. Além disso, o indigenista também apontou a grande incidência de casos de cirrose: “Aqui, nos grandes centros urbanos, a gente associa a cirrose a alcoolismo. Lá eu constatei que cirrose é a consequência de doenças hepáticas”, conta.
Existem no Vale do Javari cerca de 5 mil indígenas que integram um conjunto de nove etnias: Aconã, Ahanenawa, Kanamari, Korubo, Katukina, Kulina, Marubo, Matis e Mayouruna.
De acordo com um relatório feito em dezembro de 2010 pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI), nos últimos 11 anos já morreram 325 pessoas na Terra Indígena do Vale do Javari, o que representa 8% da sua população total. Em junho de 2004, o
CTI lançou o dossiê “A grave Situação das Hepatites B e D no Vale do Javari”. Em abril de 2005 o CTI lançou outro dossiê: “A grave situação de saúde no Vale do Javari continua,mesmo após um ano de denuncias”.
Quando contatada, a Funai afirmou que questões referentes à saúde indígena são de responsabilidade da Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde.
Apesar das denúncias, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) afirmou que sempre houve um trabalho constante de manejo clínico das hepatites virais na região do Vale do Javari, e que os esforços se intensificarem em 2010 com a criação da secretaria especializada em saúde indígena. Segundo o secretaria, no manejo, realizado em março de 2012, a prioridade foi para população do polo base Maronal – Alto Rio Curuçá, da etnia Marubo, que concentra cerca de 180 índios.
As regiões atendidas estão nas cidades de Benjamim Constant, Tabatinga e Atalaia do Norte, no extremo oeste do estado do Amazonas, na divisa com a Colômbia e o Peru (Região do Vale do Javari). A Sesai explica que manejo clínico é o trabalho de identificar o estágio da doença e definir o tipo de tratamento que cada paciente irá receber.
De 2010 para cá, a Sesai informou ao Portal EBC que avaliou 698 indígenas, de um a 60 anos. Destes, foram diagnosticados 63 casos, que foram encaminhados até à Casa de Apoio de Tabatinga, unidade mantida pela Sesai, que recebe apenas portadores da doença para realização de exames laboratoriais e ultrassonografias, e posterior início do tratamento, que dura em média de um a dois anos. A secretaria informou também que os índios que estão na casa de apoio recebem avaliação semanal.
Índios isolados e de recente contato
As preocupações com as saúde dos índios podem representar uma ameaça também às etnias que vivem isoladas, pela ameça da contaminação por meio de índios de recente contato. O contágio de moléstias virais (como a hepatite) e de doenças sexualmente transmissíveis se torna mais fácil. Em nota enviada por e-mail, a Sesai comenta o contágio por hepatite: “as possíveis causas para o surgimento da doença, está o contágio, na grande maioria, pela relação sexual, o que é um dos grandes problemas. Mas, os hábitos culturais também são destaques, como o compartilhamento de objetos, quando fazem tatuagens, e perfurações no corpo. Muitas vezes eles usam os mesmos objetos como talheres, copos, pratos. Vale ressaltar que, por mais que se oriente, é cultural entre eles”.
A secretaria informou que realizou no dia 15 de março a 1ª reunião de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato. O objetivo do encontro ocorrido na sede da Fiocruz, em Brasília, foi discutir e elaborar protocolos para índios isolados e de recente contato. Além disso, o encontro iniciou debates para a definição de diretrizes de atenção à saúde de índios de recente contato. Segundo a a diretora do Departamento de Atenção à Saúde Indígena, Mariana Marelonka Ferron, essas reuniões acontecerão anualmente.
Conflitos e poder de polícia
O auxiliar em indigenismo que atua na região dos Awá Guajá (Imperatriz/ MA), conta que outro problema enfrentado são conflitos com invasores não índios. Marco Targino também conta que na sua região de trabalho, no Alto Solimões, próximo à fronteira com o Peru, o narcotráfico exerce influência sobre os povos indígenas: “lá os índios são cooptados a atuarem no narcotráfico”.
De acordo com a Lei 5.371 de 1967, a Funai tem o direito de “exercitar o poder de polícia nas áreas reservadas e nas matérias atinentes à proteção do índio”. No entanto, segundo o próprio órgão, essa atribuição nunca foi regulamentada.
Segundo Felipe Cavalcante, também existem conflitos com traficantes, invasores, madeireiros, posseiros, mineradores, garimpeiros, caçadores e pescadores. “Pelo fato de não termos poder de polícia regulamentado e não conseguirmos contatar as instituições dessa natureza, fica essa carência”, afirma.
Quanto à questão de invasão de terras indígenas para prática de ilícitos, a Funai alegou manter ações de fiscalização e monitoramento, bem como atuar na implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI).
Fonte: EBC