Sul 21.– Merece elogios a iniciativa do governo gaúcho de realizar um seminário de dois dias para discutir um tema que a imensa maioria dos governos prefere deixar guardado nas gavetas: o financiamento da comunicação pública. Debates mais ou menos genéricos, mais ou menos setoriais, sobre a comunicação pública até são comuns. O que não é comum é reunir a esfera governamental e entidades da sociedade para discutir por que, afinal de contas, a comunicação deve ser tema de políticas públicas e, portanto, de financiamento do Estado. A mídia privada tradicional costuma ter aversão a esse debate. Mais do que isso, não raras vezes, parte para a impugnação pura e simples de qualquer tentativa mais séria de discutir a comunicação como um bem e um serviço público. Até hoje, ainda há uma dificuldade muito grande de se falar sobre a comunicação neste sentido. Essa dificuldade se traduz, entre outras coisas, pela sonegação de informações importantes à população.
Há um mesmo padrão argumentativo tacanho e falacioso que embala as objeções a esse debate. Esse padrão costuma vir sob a forma de um alerta a uma suposta ameaça à liberdade de imprensa causada pelos defensores de um novo marco regulatório para o setor. A grande imprensa brasileira, e a latino-americana de um modo geral, está entre as mais conservadoras do mundo. A Inglaterra aprovou recentemente um novo marco regulatório para sua imprensa, medida provocada em grande parte pelo escândalo das escutas telefônicas praticadas de modo ilegal por veículos do grupo Murdoch. Na Inglaterra, na França, Alemanha e na União Europeia como um todo há normas que não só regulamentam o funcionamento da comunicação como defendem, explicitamente, a adoção de políticas públicas para garantir que o pluralismo da sociedade se expresse nos meios de comunicação.
A França destina milhões de euros por ano (e faz isso mesmo sob governos conservadores) para garantir a existência de meios de comunicação que aqui no Brasil costumamos chamar de alternativos. Somente em 2013, serão 12 milhões de euros destinados a assegurar o pluralismo no sistema de comunicação nacional. Veículos impressos podem receber até um milhão de euros por ano. Sites jornalísticos, cerca de 200 mil euros/ano. Ao todo, os meios de comunicação franceses receberão, em 2013, 500 milhões de euros de recursos públicos. O Estado francês, e a população de modo geral, entende que tais incentivos são estratégicos para a democracia. Por isso, eles merecem uma rubrica no orçamento.
É claro que, lá atrás, há um pequeno detalhe chamado Revolução Francesa, que impregnou o dna francês da ideia de República e da importância da existência de bens e serviços públicos de qualidade para que exista, de fato, uma democracia. Mesmo sofrendo também um crescente processo de sucateamento e precarização, a esfera pública francesa resiste bravamente em meio a um oceano de governos tomados pelo discurso do mercado. O fato é que, no terreno da comunicação (como ocorre em tantos outros, aliás), há interesses públicos em jogo – como o direito à uma informação de qualidade que contemple a diversidade cultural e política do país – que vem sendo bloqueados pela intransigência do grande capital privado do setor e seus aliados no plano político.
Quem quiser mais informações sobre esse debate tem um ótimo material à disposição na página do Seminário Internacional Comunicações Eletrônicas e Convergências de Mídia, promovido, em novembro de 2010, pelo então ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Participaram desse encontro representante de agências reguladoras (sim, elas existem!) de países da Europa, da América Latina e dos Estados Unidos. Uma anedota circulava pelos intervalos dos debates deste seminário. No início do encontro a Ley de Medios argentina era vista, pelos representantes das entidades empresariais, como a besta fera a ser combatida. No final dos debates, diante do que ouviram dos representantes das agências reguladoras da Europa principalmente, os empresários brasileiros iriam correr para abraçar o representante argentino. Nenhum grande meio de comunicação brasileiro repassou para a população o conteúdo desse debate. Essa já seria uma razão suficiente para defender a existência de um sistema de comunicação pública forte e de qualidade. Não é a única, mas já bastaria.
O seminário sobre o financiamento da Comunicação Pública
Seminário ocorre nos dias 5 e 6 de abril, no Hotel Continental, em Porto Alegre
O seminário Comunicação em Pauta: Financiamento da Comunicação Pública será realizado dias 5 e 6 de abril, em Porto Alegre. Ele é uma iniciativa da Secretaria de Comunicação e Inclusão Digital (Secom-RS), da Fundação Cultural Piratini, ad Associação Gaúcha de Radiodifusão Comunitária (Abraço-RS) e da Rede de TVs Comunitárias do Rio Grande do Sul, entre outras entidades. O objetivo é debater propostas que possam contribuir para o financiamento e a sustentabilidade da comunicação pública e comunitária no Estado e analisar o papel dos gestores públicos na promoção deste segmento da comunicação social. Esses debates ocorrerão no Hotel Continental (Largo Vespasiano Julio Veppo, nº 77, no centro de Porto Alegre).
A mesa de abertura será realizada na sexta, às 18h30min, com o tema “O financiamento da comunicação pública”. Participarão do debate: Manoel Rangel (Ancine), Leopoldo Nunes (Ministério da Cultura), Cezar Alvarez (Ministério das Comunicações), Nelson Breve (Empresa Brasil de Comunicação), Mário Sartorello (Associação das Rádios Públicas do Brasil), deputado federal Pedro Uczai, e deputado estadual Aldacir Oliboni.
No segundo dia do encontro, pela manhã, será a vez da exposição de casos internacionais, dirigidas à gestão pública estadual e municipal nas esferas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além de grupos de trabalho por segmento da comunicação pública. À tarde, será realizada uma plenária para a exposição dos debates realizados em grupos.
Nunca é demais lembrar que o encontro promovido pelo governo gaúcho e por um conjunto de entidades do setor ocorre no momento em que se acirra, em nível nacional, o debate sobre a destinação de recursos públicos para o setor da comunicação. Hoje, como se sabe, a imensa parte desses recursos, especialmente via publicidade, é abocanhado por alguns poucos grandes grupos privados de mídia. As vozes dissonantes deste grupo estão sendo asfixiadas por esse cenário de concentração de recursos e poder. Quem acha que esse debate é importante tem, portanto, uma ótima oportunidade esta semana.