A sessão às dez da noite de uma chuvosa e lacônica sexta-feira é a composição bem adequada para assistir Hitchcock. O filme, que tem como título e personagem principal um dos mais importante nomes do cinema do século XX, se constitui em algo de semelhante às diversas facetas das obras que Hitchcock dirigiu e produziu ao longo da sua carreira.
Sacha Gervasi trouxe para a cena um Hitchcock (Antony Hopkins) corajoso, mas um Alfred vulnerável. Entre as gravações de Psicose, filme em que Hitchcock decide realizar de forma independente, um recorte de sua longa história com a esposa e colega de trabalho, Alma Reville (Helen Mirren). Em cena, suas contradições, dúvidas sobre fidelidade, impasses conjugais e a cumplicidade do casal, que se sobrepõe tanto ao fracasso quanto ao sucesso.
Por óbvio, um filme sobre Hitchcock deveria conter elementos característicos de sua própria obra. E o suspense está presente nos diálogos entre Hitch e as personagens de Psicose. Em universo paralelo, Alfred lança mão do imaginário para costurar os dilemas de sua própria realidade. É a intersecção entre vida real e ficção, consumindo e salvando, ao mesmo tempo, a alma do artista.
Um dos pontos altos do filme é revivermos a cena em que o assassino esfaqueia impiedosamente a mocinha no chuveiro. É Hitch quem a dinamiza e a projeta de dentro de Janet Leigh – aqui Scarlett Johansson. O desespero escandaloso que se eternizou como uma das cenas mais famosas do cinema é agora ainda mais efervescente, após conhecermos os bastidores de sua construção.
Hitchcock, nessa humilde opinião, não é uma obra de arte. É trivial, não fosse a personagem título uma lenda. Atendo-se ao que vale do filme, as cenas entre Helen Mirren e Antony Hopkins reservam, com leve comicidade, o drama de uma vida de sucessos e incertezas. Ainda, e mais importante, Hopkins está excelente na sua caracterização e interpretação, fazendo valer a pena sair de casa na noite chuvosa da sexta-feira.