Por Lucas Ferreira, para Desacato.info
Enquanto a Argentina condena mais um de seus ditadores militares, o Uruguai engaveta a História e o Brasil finge estar em outro tempo. O fingimento não vem curiosamente dos políticos, mas dos cidadãos. Os protestos que se espalham pelo Brasil contra Renan Calheiros na presidência do Senado Federal e do pastor Marco Feliciano, pela presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal são resultados de um desgostoso voto obrigatório – o voto de arrependimento.
Quando militares “transferem” o poder ao povo, o que ocorre não é soberania, nem autodeterminação – mas “exercício compulsório da democracia via eleição”. Longe de significar um dever moral; é uma ação, uma obrigação. E isto é Justiça Eleitoral! No entanto, aí entra a pergunta: qual a voz democrática que perdura depois dos pleitos eletrônicos de 1.23 segundos? Como é possível sustentar a ideia de que a democracia se realize em menos de dois segundos?
Marco Feliciano utiliza a bíblia e não a Constituição como fonte de suas afirmações. Ao falar que “africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé” diz que “quem fala é a Bíblia”. Ao passo que se tivesse lido nosso bestseller parlamentar, saberia o que significa o artigo 20 da Lei nº 7.716/89.
Só que ler a Constituição não é a preocupação de Feliciano.
Sua preocupação é com “o ódio, o crime e a rejeição”. De quem e para quem? O que nos diz é que o motivo de tudo isso é a “podridão dos sentimentos dos homoafetivos”. O procurador-geral da república, Roberto Gurgel, indiciou Feliciano por essa declaração, pois fere a dignidade das pessoas homoafetivas. Se o projeto de lei complementar 122 estivesse em vigor, o quadro poderia ser diferente. Um único problema: ele agora está tramitando na Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal.
Frente a esta realidade no Brasil diversas manifestações tem ocorrido exigindo a saída do deputado de seu cargo de presidente da comissão. Nesta quarta-feira (13), Florianópolis teve a sua vez de levantar a voz. O protesto estava marcado para domingo, devido à chuva, ocorreu ontem.
Às 17h00 começou a se formar um grupo na frente da Catedral da praça XV de Novembro. Faixas contra racismo e homofobia, apitos e a bandeira das cores prismáticas, a bandeira GLBTT, chamavam a atenção de quem passava.
– Quem é Feliciano? – Perguntou uma senhora. Mais vezes se ouviriam essa e outras dúvidas.
Então, quando o grito do grupo se tornou apelo de uma multidão, já se tinha passado uma hora e meia. Do grito; da dúvida; da adesão, marchou-se. Da Catedral as pessoas tomaram a Felipe Schmidt em direção ao TICEN e deitaram na faixa de pedestre que dava acesso ao terminal.
A polícia, que não havia aparecido até o aquele momento (e não estou reclamando), ao perceber que os manifestantes haviam bloqueado o acesso aos veículos, abordou o repórter de Desacato com a seguinte pergunta:
– Quem é o responsável [pela manifestação]?
Mesmo com a frase “Feliciano não nos representa” escrita em letras garrafais nos cartazes, mesmo com as pessoas gritando “Fora Feliciano!”, foi necessário aclarar ao agente do Estado que o responsável era, de fato, Feliciano. Satisfeito com o nome, foi procurá-lo na multidão.
A volta para o ponto de origem se deu por um trajeto parecido, mas com um pequeno desvio para a frente da Câmara Legislativa Municipal. Em decorrência do horário, não foi possível apresentar aos vereadores algumas reivindicações populares além da nomeação de ruas.
Perto dali onde terminava a manifestação, um Museu exibia instrumentos de tortura da Idade Média, época de alta religiosidade e de nenhuma comissão parlamentar. Mais próximo à Catedral, o morador de rua continuava seu sono ao relento e as pessoas saíam mais convencidas de que o horizonte dos Direitos Humanos no Brasil permanece incerto e o direito à diversidade fica ameaçado, comprometendo o funcionamento da própria democracia. Afinal, não são nas urnas que o voto vale, são nas ruas.
Fotos: Lucas Ferreira.