As obras competas podem ser encontradas em espanhol no link:
http://www.patriaroja.org.pe/docs_adic/obras_mariategui/index.htm
Por Fábio Vieira Peixoto.
José Carlos Mariátegui[1] nasceu em 16 de julho de 1984 em Monqueguá, capital da província de mesmo nome, uma cidadezinha localizada ao sul de Lima. Teve de enfrentar várias dificuldades desde a infância até sua idade adulta. Filho de Francisco Javier Mariátegui y Requejo, um criollo da aristocracia limenha, funcionário do Tribuna Mayor de Cuentas e de Maria Amália La Chima Bollejos, uma mestiça católica de origem humilde que trabalhava como costureira para sustentar o lar e seus outros dois filhos.
O menino José Carlos Mariátegui, que desde cede sofrera de inanição e formação física defeituosa, além de cansaços, febres e dores constantes, teve pouco acesso a uma educação formal. Ele se constituiu autodidata por toda a vida.
Quando tinha por volta de oito anos de idade, em uma brincadeira na escola, recebeu um forte golpe no joelho esquerdo que lhe trouxe graves conseqüências. A partir daí ficara manco a maior parte de sua vida e já adulto, teve uma de suas pernas amputada.
Depois desse acidente em 1902, quando estava cursando metade do segundo ano primário, José Carlos não voltaria mais a sala de aula e ao ambiente escolar. Por motivo de enfermidades e dificuldades financeiras, teve que abandonar a escola muito cedo para cuidar de sua saúde e posteriormente, para trabalhar no sustento familiar.
O jovem Mariátegui, praticamente não chegou a freqüentar seus estudos por completo, conseguindo apenas a conclusão do primeiro ano do ensino fundamental. Ou seja, ele não teve nenhuma formação escolar em decorrência deste problema e ainda há quem diga, porém sem comprovação documental, que ele teria concluído o primeiro grau.
As primeiras leituras do jovem ocorreram na escolinha de seu bairro,[3] na cidade de Huacho e depois durante a internação na Clínica administrada pelas madres da Ordem de São José de Clany, na Capital. Durante o período que ficou imobilizado em casa, começou a ler vários livros que compunham a biblioteca deixada por seu pai, que antes havia sido de seu bisavô paterno, um liberal maçom chamado Francisco Javier Mariátegui y Tellenia, antigo secretário do Primeiro Congresso Constituinte do Peru, que fora ainda tribuno e jornalista. A família materna de Mariátegui era constituída de um catolicismo bastante tradicional, extremamente religioso e mítico. A família dos Mariátegui de Lima também seguiam a risca os costumes do cristianismo, apesar de sue bisavô repudiar alguns atos e rituais católicos e defender a separação dos poderes do Estado com os da Igreja. Mariátegui foi bastante influenciado pela mãe que via o lado paterno com a idéia de “anti-religiosidade”. A infância e adolescência do Amauta na prática representaram umas buscas estética religiosas, familiares e depois profissionais.
Ele procurou ler todos os livros fazendo análises críticas. Entre eles autores como Charles Baudelaire e autores clássicos da literatura como Dante Alighieri e a biografia de homens como Garibaldi e Mazzini. Já era possível ver o interesse por figuras heróicas em suas leituras, que a seu ver, lutaram contra as injustiças do mundo.
Mariátegui tinha o hábito de acompanhar sua mãe em visitas à residências particulares onde prestava serviços de costureira. Enquanto ela trabalhava, o menino aproveitava para ler revistas e livros que pedia emprestado aos patrões de sua mãe.
Mariátegui carregava desde jovem o trauma de nunca ter conhecido seu pai que não se preocupava com ele e nem com a família. A convivência com o lado materno reforçara sua religiosidade e isso contribuiu muito em suas obras que possuem caráter místico revolucionário.
Começou a trabalhar muito cedo aos anos de idade, como entregador do jornal “La Prensa”, chegando ao cargo de assistente gráfico e linotipista. Onde tinha uma jornada desgastante 14 horas de trabalho por dia e nas horas de folga aproveitava para se encontrar com os amigos boêmios de Lima e discutir as obras de Proudhon, Ferrer e Kropotkin. Também chegou a participar das reuniões do clube dos Anarquistas, onde conheceu Manoel Gonzáles Prada, a quem se tornou amigo e passou a ser freqüentador assíduo de sua biblioteca particular, passando horas discutindo escritores famosos.
Publicou seus primeiros artigos em 1911, utilizando o pseudônimo de Juan Croniquer. Colaborando com diversas revistas e jornais neste período como El Tiempo, Mundo Limeño, El Túrf e Lulu. Ajudara fundar juntamente com Abraham Valdelomar, Percy Gibson e José Maria Eguren, a revista Colónida, onde publicara poemas, teatro e contos, contextos que iam de crônicas policiais ao colunismo social.
Neste mesmo período Mariátegui ajudou a criar os jornais Nuestra Época e La Razón. Em 1918 é possível perceber no jovem uma formação socialista embora ainda sem o instrumento histórico e uma formação política, ao participar das lutas da classe estudantil e se solidarizando com as causas populares.
José Carlos Mariátegui foi obrigado a aceitar a bolsa de estudo fornecida pelo governo de Augusto B. Leguia, que tentou através do exílio calar o jovem político que escrevia constantes críticas a seu governo ditatorial. Viajou para a Europa onde trabalhou como agente de propaganda jornalística do governo. Era preferível ir para a Europa do que para a prisão.
Em 1919, chegou à França onde ficou por quarenta dias, a partir daí seguiu viagem para a Itália onde viveu dois anos e meio. Conheceu uma moça italiana e teve um filho com ela. Ainda morou alguns meses na Alemanha e retornou ao Peru em 17 de março de 1923. Na Itália ele conheceu o marxismo de Gramsci que exerceu influência em seu pensamento, permitindo interpretar a realidade peruana sob olhar marxista.
Quando vai para Europa o jovem Mariátegui já era um intelectual formado, reconhecido pelos leitores que não queriam contemplar os autores europeus. O período de estadia no velho continente representou uma escala imprescindível para sua formação, ali ele pode estudar e observar de perto os acontecimentos e desdobramentos revolucionários na Rússia, Alemanha e na Itália, onde assistiu a formação do Partido Comunista da Itália e a luta da classe operária nesse país.
A Europa contribuiu para o perfil intelectual de Mariátegui possibilitando enxergar os acontecimentos mundiais de sua época. Ao regressar ao Peru ele já era um “Marxista convicto e confessor” afirmava ele próprio. Leituras de George Sorel, Lukács e Lênin permitiram ver de outra forma os acontecimentos de seu país, porém seu marxismo na era apegado as correntes dogmáticas ou alguma das escolas políticas de seu tempo.
Em 1926 publica-se a primeira edição da revista Amauta, nome que na língua incaica significa maestro.No ano de 1928 participa da fundação da APRA juntamente com Victor Raúl Haya De La Torre, fundando o Partido Socialista Peruano se afiliando à III Internacional. Neste mesmo ano publica o Siete Ensayos de Interpretación de la Realidad Peruana. Dois anos depois, em 16 de abril de 1930, falece José Carlos Mariátegui aos 35 anos. Deixando uma imensa contribuição à construção do marxismo na América Latina com suas obras e sua atuação revolucionária.
I – O surgimento do marxismo na América Latina
As idéias marxistas começaram a ser divulgadas na América em fins do século XIX, mas foi somente no transcorrer do século XX, que começaram a se firmar.
Até então, Marx era mais conhecido na América Latina como revolucionário do que como um intelectual. Michael Löwy, marxista brasileiro analisa que a obra de Marx foi introduzida na América por dois caminhos de fundamentais importâncias.
1 – Através de uma leitura revolucionária “europerizante”, que apreende no papel civilizador do capital, especialmente no combate artificial da burguesia democrática – a chave para o desenvolvimento econômico e social do continente.
2 – Por meio de uma leitura dialética que ao considerar esgotado o papel progressista da burguesia desenvolve a perspectiva revolucionária. É a fase democrática e socialista enraizada nas tradições sociais e culturas das classes populares. (LOWY, 1998:11)
O desenvolvimento do marxismo na América Latina teve um grande impulso com Juan B. Justo, fundador do Partido Socialista Argentino (1985). Justo é considerado o primeiro marxista latino-americano e introdutor das idéias marxistas na classe operária Argentina, além de ter sido o primeiro a traduzir a obra “O Capital” de Karl Marx para a língua espanhola.
A segunda vertente do marxismo na América – Latina foi representada pelo peruano José Carlos Mariátegui, que apresentou uma visão completamente diferenciada do marxismo. Para ele a burguesia na América tinha chegado tarde à cena histórica, o que a possibilitava desempenhar o papel de desenvolvimento do capital nacional.
Mariátegui se preocupou em encontrar a essência que nutria o pensamento marxista fazendo uma leitura dialética conforme a realidade peruana dos anos 20. Seu marxismo e sua proposta foram diferentes dos demais pelo fato de analisar esta corrente de pensamento de Marx conforme as necessidades de seu país. Seu objetivo foi o de articular uma mudança conforme a modernidade européia seguindo as tradições indígenas de uma perspectiva socialista.
Segundo o Prof. Luiz Bernardo Péricas (2006), as contribuições de Mariátegui para o desenvolvimento do marxismo na América, foram extremamente importantes por articular algo novo o “comunismo-incaico”:
Seu romantismo anti-capitalista não é próprio a seu estilo de pensar; não busca também de modo algum como os românticos – ou os populistas russos – restabelecer uma ordem social pré-capitalista, e no caso do Peru, o “comunismo inca”. Seu objetivo é articular de modo dialético a necessária modernidade técnica de origem européia e as tradições comunitárias indígenas favoráveis a uma perspectiva socialista. (PÉRICAS, 1998:15)
Para José Aricó, o marxismo na América se desenvolveu graças às revoluções que aconteceram no contexto mundial nos anos 20. A América necessitou desse “boom” revolucionário que possibilitou a formação de movimentos de massas e sindicais na Argentina, Brasil, Chile, México e Peru. Há de se ressaltar também, certa tendência de inspiração anarcosindicalista destes movimentos.
II – O marxismo de Mariátegui
O Amauta peruano foi o fundador do marxismo peruano, o introdutor da teoria marxista e inovador do pensamento político. Para Mariátegui o marxismo não era uma “teoria”, muito menos um jogo de conceitos, mas sim uma atitude, um estilo de vida, uma maneira de encarar o mundo, o marxismo representava a revolução, onde o homem passa a se doar a esta causa, a revolução se torna uma sentimento, uma paixão. “La revolución más que uma idea, es un sentimento. Mas que un concepto es una pasión…”
Na defesa do marxismo, ele se preocupa em definir a essência do pensamento de Marx, não pensando em nenhuma categoria de análises econômica, material ou dialética que pudesse explicar a sociedade, seu marxismo consistiu em descobrir o proletariado (o índio peruano) e fazê-lo acreditar em seu valor de criar uma revolução.
A teoria do marxismo na América foi marcada principalmente pelo impulso que a Revolução de Outubro de 1917 deu ao desenvolvimento desta teoria, a onda revolucionária tomou conta em todas as partes do globo, deflagrando várias insurreições por todas as partes.
A aplicação da teoria de Marx na sociedade, esta engendrada nas análises econômicas que são a base do desenvolvimento humano. Segundo Marx são as condições materiais que qualificam o homem na vida em sociedade, o conjunto de relações de produção é que constituem a estrutura econômica.
O modo de produção da vida material condiciona em geral o processo da vida social, política, e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é inversamente o ser social que determina a sua consciência. (LENIN, 1983: 22)
A descoberta da concepção materialista da história permitiu a adequação deste conceito dentro das relações sociais de produção, até então os países latinos não conheciam esta realidade. O desenvolvimento do modo de produção na América não se desenvolveu como na Europa, segundo Mariátegui as bases do capitalismo não encontraram forças nós países da América do Sul.
Os países latino-americanos chegaram tarde na partilha do bolo do modo de produção capitalista, o destino destes na ordem capitalista é o de simples colônias de exploração do imperialismo mundial.
Mariátegui foi o primeiro marxista da América Latina a abordar os problemas agrários e suas relações com a problemática indigenista, tentando aplicar uma outra forma de marxismo conforme a realidade latino-americana.Mariátegui não propõe implantar as bases do desenvolvimento do capitalismo como aconteceu na Rússia para então se chegar ao socialismo.
No Peru se desenvolveu o ‘comunismo-ynca’ que diferencia o Peru do contexto mundial. Seu objetivo é articular de modo dialético a necessária modernidade técnica de origem européia e as tradições comunitárias indígenas favoráveis a uma perspectiva socialista. (MARIÁTEGUI, 1970: 126-127)
Segundo Adolfo Sánchez Vasquez, o pensamento de Mariátegui se destaca em dois aspectos de grande relevância na análise marxista: o primeiro seria a ação das classes sociais que poderiam mudar a realidade; o segundo, sua preocupação pelas peculiaridades na realidade concreta tanto na práxis quanto na sua transformação social.
Por propor uma revolução operário-camponesa, foi acusado tanto de “europerizante” como de “populista” e indianista por parte dos seus críticos.
Mariátegui conseguiu interpretar a doutrina de Karl Marx de forma diferente dos demais por reconhecer as tendências antieconomicistas e antidogmáticas. Soube compreender a realidade latino-americana, numa época em que tentar inovar era teoricamente perigoso e inconcebível dentro das análises políticas. No Peru surgiu um marxismo renovado, devido a dois fatores: o primeiro quanto à formação marxista de Mariátegui que se deu fora de influências dos movimentos comunistas e da III Internacional; o segundo, quanto ao socialismo peruano que se estrutura dentro do movimento intelectual e político, não aceitando sanções por parte do partido comunista e de influências exteriores.
Em os “7 Ensayos de Interpretación de la Realidad Peruana”, Mariátegui faz uma análise da realidade peruana, onde mostra a questão do imperialismo na América, o mal que os países latinos que combater e a situação da classe indígena peruana, ignorada com total desprezo pelos acontecimentos históricos e por parte dos governantes. Propõe a educação dos indígenas e que o conhecimento do marxismo seja levado até os mesmos, para que seja possível uma revolução indigenista no Peru.
Em prólogo de “Tempestad em Los Andes”, José Carlos Mariátegui afirma que;
Occidentalización material de la tierra quéchua. No es la civilización, no es el alfabeto del blanco, lo que levanta el alma del índio, es el mito, es la idea de la revolución socialista. Esperanza indígena es absolutamente revolucionar “La fé en el resurgimiento indígena no proviene de un proceso de ia. El mismo mito, la misma idea, son agentes decisivos del despertar de otros viejos pueblos, de otras veijas razas em colapso; hindúes, chinos, etc. (MARIÁTEGUI, 1976: 40)
Aqui podemos ver a manifestação do “romantismo-revolucionário” de Mariátegui caracterizado por Alfonso Ibáñez, ao acreditar no potencial da civilização inca peruana e em sua fé no comunismo incaico.
Mariátegui faz parte do grupo de intelectuais revolucionários como Rodo e Enrique Ureñas que dão sua vida ao marxismo de “factor subjetivo”, o que o torna o marxismo com um fator de libertação de classes.
A agonia de Mariátegui se dá por essa sua fé que se torna uma “utopia revolucionária indígena”, o marxista peruano Alberto Flores Galindo define que a “Agonia” significava para Mariátegui luta pela vida, uma constante batalha cotidiana de sucessos e insucessos (práxis revolucionária) representava, portanto, o oposto de morte. O verbo “agonizar” segundo Galindo é uma palavra “chave” do pensamento do Amauta, a chave que nos possibilita entender o mundo e o pensamento deste autor.
Acreditar no marxismo seria a forma de levar uma mensagem de emancipação ao povo peruano: “una buena nueva”. Esta fé é que concretiza o marxismo presente em seus ideais de um conteúdo mítico-religioso. O marxismo do Amauta peruano era um estilo de vida onde o homem teria que se doar por uma única causa a “Revolução”, que é mais do que uma idéia, é um sentimento.
Aníbal Quijano define o marxismo de Mariátegui como sendo de um caráter metafísico e religioso. Ele considera ainda que nem todo o pensamento de Mariátegui se enquadrava dentro da teoria marxista e que são fundamentais em seu pensamento, questões como o revisionismo e o positivismo. Os aspectos apresentados por Quijano, levaram Mariátegui a receber inúmeras criticas de Haya de la Torre dentro da APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana) que chegou a classificá-lo como um populista e não um revolucionário.
Mariátegui não propõe uma nova definição do conceito de religião superando a velha concepção da antiguidade, mas sim a introdução de uma nova conceituação ético, político e espiritual dentro da teoria marxista. Desde modo, para ele o marxismo era uma nova religião.
O movimento que surgiu no Peru, não recebeu tanta atenção como deveria ter recebido. O pensamento e os ideais propostas pelo Amauta peruano em seu tempo fizeram surtir efeitos na América Latina somente com a Revolução Cubana, o socialismo cristão na Nicarágua Revolução Sandinista e o Movimento de Chiapas no México, o socialismo cristão no comando do Subcomandante Marcos. Estes movimentos foram exemplos que mais se aproximaram do pensamento místico e revolucionário de Mariátegui.