Por José Álvaro de Lima Cardoso* e Adhemar Mineiro*.
A balança comercial brasileira no ano de 2012 fechou com saldo de cerca de US$ 19,5 bilhões, o menor desde 2003. Apesar do fluxo geral de comércio ter caído em 2012 em relação a 2011 (as exportações caíram de cerca de US$ 256 bilhões para cerca de US$ 243 bilhões, enquanto as importações caíram de US$ 226 bilhões para US$ 223 bilhões), as exportações caíram mais do que as importações (-5,3% foi a variação das exportações, enquanto as importações variaram -1,4%). Esse movimento é explicado pelo forte crescimento das importações no período recente (se tomarmos como base, por exemplo, o ano de 2006, quando se registrou o maior saldo comercial, de cerca de US$ 46,5 bilhões, enquanto as exportações avançaram de cerca de US$ 137,8 bilhões para US$ 242,6, crescimento de cerca de 76%, as importações passaram de US$ 91,4 a US$ 223,1, ou seja, 144%, isto é, quase o dobro da variação). Entre as categorias de bens importados, o que vem crescendo consistentemente é o de bens não duráveis, embora como todas as categorias tenha também caído no ano de 2012, porém menos que as outras categorias (caiu 1,5% em 2012, contra crescimentos de 20,2% em 2011 e 23,5% em 2010).
No caso dos exportados, os bens manufaturados recuaram menos do que os setores de básicos e semimanufaturados (-1,5% contra -7,4% e -8,3%, respectivamente), mas esse desempenho está longe de compensar o crescimento dos dois anos anteriores (em 2011, as exportações de manufaturados cresceram 16,6%, contra 36,1% e 27,7% dos básicos e semimanufaturados, respectivamente, e para 2010, 18,7% para manufaturados, contra 45,3% para básicos e 37,6% para semimanufaturados).
Os dados divulgados pelo Banco Central para o ano de 2012 mostraram, entretanto, um recorde nos gastos dos turistas brasileiros no exterior (US$ 22,2 bilhões), contra US$ 6,6 bilhões de gastos de turistas estrangeiros no Brasil. Além dessa conta de turismo gerando um saldo negativo de US$ 15,6 bilhões, a conta de aluguel de equipamentos custou ao país US$ 18,7 bilhões, e a remessa líquida de lucros e dividendos US$ 24,1 bilhões (e chegou a esse valor mesmo tendo caído 36,8% na comparação com 2011). Os dados foram divulgados em nota à imprensa divulgada pelo Banco Central em 23/01/2013. Segundo avaliação dos técnicos do BC, este recorde decorreu em parte do crescimento da renda e da massa salarial real, que motivaria as despesas com viagens.
Os dados da balança comercial preocupam, dentre outras coisas, porque as contas nacionais apresentaram déficit em transações correntes, em 2012, de US$ 54,2 bilhões em 2012, equivalente a 2,4% do PIB (Produto Interno Bruto). No mesmo período do ano anterior, o déficit foi de US$ 52,5 bilhões, o equivalente a 2,12% do PIB. Os investimentos estrangeiros diretos (IED) registraram ingressos líquidos de US$ 65,3 bilhões, abaixo do recorde de 2011 (US$ 66,7 bilhões). A participação no capital de empresas estrangeiras no país, incluindo as conversões em investimentos, somou ingressos líquidos de US$ 52,8 bilhões. Os empréstimos intercompanhias totalizaram US$ 12,4 bilhões. Diante dos resultados das contas externas em 2012, o funcionário do BC declarou que “déficits em conta corrente são naturais em países em desenvolvimento, que precisam absorver poupança externa. O déficit cresce naturalmente porque o país está em desenvolvimento, em crescimento. Mas estamos financiando [o déficit] com investimentos estrangeiros diretos, o que é benigno” (g1.globo.com, 23.01.13).
É difícil aceitar sem ponderações a argumentação do economista do BC. Como observaram alguns analistas, déficits em conta corrente não são “naturais”, mas frutos de políticas e escolhas concretas. Tanto é verdade, que o país que apresenta o maior déficit em conta corrente é justamente os EUA e o maior superávit é de um país em desenvolvimento, China. Entre 2003 e 2007 o país apresentou superávit em conta corrente, os déficits voltaram em 2008 através do crescimento do investimento direto estrangeiro, do aumento das importações e das remessas de lucros, que aumentaram com a crise mundial.
Aquilo que se chama de “absorção de poupança externa”, significam capitais em busca de valorização adquirindo empresas nacionais, como revelam os dados. O problema é que esse processo tem significado a desnacionalização da economia brasileira. Segundo dados divulgados pela empresa de consultoria KPMG (em 14.01.13), as vendas de empresas brasileiras bateram um novo recorde em 2012, com 206 empresas nacionais passando para controle estrangeiro. Segundo a KPMG, desde 2004, foram 1.296 empresas transferidas para controle de empresas estrangeiras. Muitas vezes, inclusive, com recursos públicos obtidos via BNDES. Ou seja, estamos financiando déficit (que não cai do céu, mas decorre de estratégias concretas) com a venda de empresas nacionais, o que significa mais remessas de lucros e dividendos no futuro, ou seja, maior o passivo externo da economia brasileira.
A desnacionalização da economia tem relação direta com o problema da perda de competitividade da indústria. As empresas multinacionais que tomam conta de setores inteiros da economia brasileira, obviamente, não têm maiores compromissos com os projetos nacionais do país; a abertura e a manutenção de suas plantas industriais seguem estratégias globais de investimentos e obtenção de mercados. Se deixar ao sabor das estratégias dessas empresas, a aquisição de empresas nos países periféricos não significa transferência, nem desenvolvimento local, de tecnologia. Longe disso, significa continuar dependente, de forma aprofundada, de importação de tecnologia, forma clássica pela qual as transnacionais remetem divisas ao exterior.
Entre 2004 e 2010 a economia brasileira foi alavancada pelos aumentos de preços das commodities, expansão do crédito e crescimento acelerado do emprego formal. No último biênio, em função das dificuldades da economia mundial e das escolhas do Brasil em termos de política macro econômica, o crescimento do PIB ficou abaixo de 2% anuais. Daqui para frente a tendência é a conjuntura ficar mais difícil, em função da renitência da crise europeia e da redução do ritmo de crescimento chinês, além da pouca perspectiva da economia estadunidense. Não há maiores sinais de turbulências no curto prazo, até aqui, mas, é importante lembrar que todas as vezes em que o Brasil enfrentou crises agudas, a economia passava por déficits em conta corrente.
*Técnicos do DIEESE.
Fonte: DIEESE