Ao ler artigo publicado recentemente, de autoria da bióloga Débora Calheiros, e os comentários resultantes, voltou-me a preocupação com a mania, tipicamente brasileira, de querer resolver quaisquer pendências surgidas com a edição de uma nova lei. Alguém já disse, só não consigo lembrar-lhe o nome, que nós estaríamos precisando, sim, de uma nova lei, mas de um artigo só, dizendo simplesmente que todos somos obrigados a cumprir as leis existentes.
O antigo Código Florestal nunca foi cumprido e o novo, se continuar a ser apedrejado, xingado e desqualificado, como tem acontecido, acabará caindo no descrédito e terminará não sendo cumprido. As pessoas vão dizer: ora, se ele não protege o meio ambiente, não há razão para colocá-lo em prática. Portanto, eu acho que deveríamos fazer todo o esforço possível para colocar o novo Código em operação. Depois, se for o caso, pensarmos em maneiras de corrigir as falhas surgidas.
Se fizermos uma análise isenta de tudo que aconteceu durante as discussões que resultaram no novo Código, vamos concluir que o movimento ambientalista também cometeu muitos erros. Principalmente quando teimou em não discutir uma reforma, dizendo que o antigo era ótimo, que tinha bases científicas etc., etc. Ora, com o desenvolvimento da ciência ao longo do período compreendido entre 1965 (edição do antigo Código) até 2010-2011, anos centrais na discussão do novo, foi muita ingenuidade brigar para manter o estabelecido em 1965. Além do mais, o cipoal de decretos, resoluções e normas era já uma rede intransponível.
Em maio de 2009, quando o assunto ainda estava em seus primórdios, foi publicado, aqui no EcoDebate, um artigo de minha autoria intitulado “Reflexões sobre o Código Florestal e uma proposta de mudança”. Nele eu defendia um Código Ambiental Brasileiro, com capítulos por Biomas e com administração descentralizada, nos moldes dos Comitês de Bacias, da Lei das Águas. Sugeria, assim, a entrega das decisões a colegiados formados pela sociedade, pelos governos e, também, corrigindo defeito da Lei das Águas, pela comunidade científica que deveria ter lugar nos Comitês de Biomas. Ao Código Ambiental Brasileiro caberia criar as regras gerais e o sistema de gerenciamento. Em nível federal ficaria o Conama, reformulado, servindo de guardião para que os Comitês trabalhassem em harmonia. Seria um mediador de conflitos. Além da publicação aqui no portal, mandei o artigo para várias pessoas que já estavam envolvidas na discussão, mas ninguém deu importância, nem sequer para dizer que eu estava errado.
Com certeza, as pessoas estavam decididas a lutar para manutenção do antigo Código e qualquer proposta de mudança era considerada inconveniente. Insisti com novo artigo em maio de 2010, também aqui no EcoDebate, sob o título “Proposta técnica para um Código Florestal por Biomas”, em que defendia algo muito próximo ao de 2009, apenas considerando os fatos já resultantes do avanço da discussão. Nem a comunidade científica da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), com um Grupo de Trabalho (criado em julho de 2010) para tratar do assunto, mostrou interesse pela proposta. Ela também já havia embarcado na tese da “não mudança do Código de 1965”. O professor Aziz Ab’Saber, de saudosa memória, também escreveu artigo, na mesma época, defendendo proposta um pouco mais complexa, pois sugeria a discussão de um Código da Biodiversidade, mas nem ele teve sucesso.
A citação dos artigos foi para deixar claro que sempre acreditei na possibilidade de o país ter uma legislação melhor do que a antiga. Veio a nova, que também poderia ter ficado mais eficiente. Mas os próprios movimentos ambientalistas não quiseram discutir o assunto com mais racionalidade. Preferiram o confronto com os ruralistas. Perderam a aposta, mas pelo ângulo ambiental não acho que foi tudo perdido.
O que devemos fazer agora é lutar para a implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), o mais rapidamente possível, pois ele trará uma radiografia da real situação do meio ambiente rural. Vamos brigar para que haja uma operação eficiente das organizações oficiais (federal, estadual e municipal) para implantação dos Programas de Recuperação Ambiental, quando demandados nos Cadastros.
De nada adianta uma nova lei se os organismos de estado, responsáveis pela parte operacional, não atuarem na orientação técnica referentes à boa prática conservacionista. O método atual, chamado de comando-controle, apenas com penalidades e multas, desconsidera totalmente a realidade do meio rural brasileiro, em que as pequenas propriedades andam carentes de assistência técnica. Enfim, se bem aplicado, o novo Código será capaz de trazer inúmeros benefícios para o nosso meio ambiente rural, disso não tenho a menor dúvida. Poderia ser melhor? Claro que sim, pois o ideal está e estará sempre atrelado aos nossos sonhos.
Não podemos ficar eternamente brigando por novas leis, pois o que mais precisamos, no momento, é de tecnologias para cumprir os pontos já definidos. As leis devem ser consideradas não como fins por si mesmas, mas apenas como indutoras de mudanças de hábitos e de procedimentos. Ao desmoralizarmos o novo Código, começando uma briga para mudá-lo logo, logo, acabaremos por criar um sentimento de “vácuo legal” e uma descrença na sua capacidade de melhorar a nossa situação ambiental.
Ao trabalho, pois a aplicação do novo Código exigirá muito esforço e disponibilidade de tecnologias apropriadas às diferentes regiões brasileiras. Oferecer soluções objetivas é a tarefa mais importante no momento. Sei que é muito mais fácil criticar e por isso mesmo venho apelar para que os movimentos ambientalistas passem a considerar, como passo importante, a operacionalização do novo Código. O meio ambiente deixará de ser um coitado, protegido apenas no papel, e agradecerá.
Osvaldo Ferreira Valente é engenheiro florestal, especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas, professor titular, aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e autor de dois livros recém-publicados: “Conservação de nascentes – Produção de água em pequenas bacias hidrográficas”e “Das chuvas às torneiras – A água nossa de cada dia”; colaborador e articulista do EcoDebate.
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