O fato de Antonio Carlos Textor estar com um novo curta-metragem pronto é importante, por ser ele um nome de enorme referência do cinema gaúcho. Mas, em meio à divulgação do documentário A Liga dos Canelas Pretas, um inventário histórico sobre a presença do negro na sociedade gaúcha, Textor, 80 anos, avisa: não desistiu de realizar seu primeiro longa-metragem.
Textor é padrinho afetivo da geração de cineastas gaúchos que despontou nos 1980 com os curtas realizados na bitola Super-8. Reverência devida por ser ele, nos filmes que realizou nas décadas de 1960 e 1970, um pioneiro no registro de uma Porto Alegre urbana, quando à época imperavam na cinematografia gaúcha as produções regionalistas. E tanto na ficção, com o tom ensaístico da crônica audiovisual contemporânea, quanto no documentário histórico, pautado pelo rigor da pesquisa, Textor imprimiu uma marca autoral em mais de 20 filmes. E sempre lhe cobraram um longa-metragem.
– Estive por três vezes para realizar um, mas sempre fui desviado dele ou por falta de recursos ou por outras atividades – explica Textor. – Por um tempo, fui morar em São Paulo, administrei a farmácia da família e depois comecei a trabalhar com produção de eventos. Mas agora tenho um roteiro pronto e aprovação para captação de financiamento pela Lei Rouanet. Vou começar a correr atrás de dinheiro para viabilizar o filme.
Chama-se Um Vago Rumor de Vida esse projeto de longa, resumido pelo realizador como “uma crônica urbana que intercruza um grupo de personagens no centro da Capital”.
Mas, antes, Textor quer promover A Liga dos Canelas Pretas, curta no qual ele tira o véu de um fato histórico pouco conhecido. Em 1910, um grupo de negros criou a Liga Nacional de Futebol Porto-Alegrense, no embalo da fundação de Grêmio (1903) e Internacional (1909), clubes então restritos a atletas brancos. A iniciativa, no clima do grande preconceito racial daquele período, foi jocosamente apelidada como Liga dos Canelas Pretas – em 1926, Dorval, revelado na liga, rompeu a barreira e tornou-se o primeiro craque negro do Inter.
– Os registros oficiais da liga se perderam na enchente de 1941 – explica Textor. – Essa história foi praticamente ignorada pela imprensa e sobreviveu na memória oral da comunidade negra e em raríssimas fotografias. Muita gente, inclusive entidades ligadas ao movimento negro, desconhece esse episódio.
A Liga dos Canelas Pretas, porém, não trata apenas desse peculiar episódio. Relembra ainda, com depoimentos de historiadores, antropólogos e personalidades da cultura local, o processo de inserção social e cultural da população negra, que, naquele começo de século 20, vivia em guetos como a Ilhota, a Colônia Africana e o Areal da Baronesa. Textor prepara o lançamento oficial do curta, com 36 minutos de duração, “para breve”, com uma sessão especial em sala de cinema:
– Depois, vai circular em escolas, entidades sociais e cinematecas. Esse é o destino dele.
Prolífico, Textor tem na fila ainda mais quatro curtas: uma trilogia que adapta contos de Lendas do Sul, de Simões Lopes Neto, e outro sobre Guido Mondin, destacando o lado artista do político gaúcho que também foi um reconhecido pintor.
Fonte: Zero Horas