Como num passe de mágica

Por Lucas Ferreira.

Na década de 1920, foi construída uma pista de pouso e de decolagem em Florianópolis. Conta-se que era utilizada por Antoine Saint-Exupéry, na época piloto. Mais tarde, o local tornou-se o bairro Campeche e sua avenida principal recebeu o nome de Pequeno Príncipe.

Para muitos políticos, o trabalho de alterar e batizar o nome de ruas toma todo o tempo de seus mandatos, impossibilitando-os de focar em questões não tão nobres. Desta forma, a imobilidade política é incorporada ao rol das tradições: ninguém sabe como começou, mas sente que “sempre foi assim”.

Em proposta inédita para a cidade, o projeto “Prefeitura no bairro” tem por intensão manifesta “colher sugestões e propostas de ação para o novo governo.” No terceiro encontro desse projeto, Desacato foi até a Avenida Pequeno Príncipe, no campo de aviação do bairro Campeche acompanhar o evento.

Tenda dos milagres

Duas pistas, ciclovia, calçadas com acessibilidade davam o tom da fachada. A poucos metros o esgoto aberto alagava outra rua, sem calçamento ou acessibilidade, no entanto, não tão visível para quem “só procura beleza em Florianópolis”. No espaço, duas tendas haviam sido montadas: na primeira, shows de mágica para as crianças; na segunda, para os adultos, outro tipo de atração: prefeito e secretários “ouviriam” as demandas dos cidadãos.

A proposta não era resolver problema algum. O espaço ali era de “escuta”. Trezentas pessoas conversavam no mesmo local, as inscrições eram feitas, os nomes chamados no microfone e cada um dirigia-se ao secretário com quem desejava falar. Quais os problemas que apareceram? Barulho, o primeiro. Pouco se ouviu, pouco se teve certeza de ter sido dito, a não ser aquilo que foi assinado.

Jean-Paul Marat em sua banheira medicinal escutava as aflições populares e as aliviava com algumas condenações para a guilhotina daqueles por ele chamados de “inimigos do povo”. Ele foi o pioneiro nesse atendimento mais direto e resolutivo ao público. Não é o caso de César.

Vestidos com as mesmas camisetas do evento, como se fosse uma espécie de “feijoada do Cacau”, prefeito e secretários sorriam para as câmeras, beijavam bebês e deixavam no coração de todos inúmeras promessas.

Outra tradição

Diferente da ocupação temporária do prefeito, moradores e representantes de associações estiveram lá para, por sua vez, apresentar casos e demandas que não eram apenas individuais, mas coletivas. Uma dessas pessoas era Janice Tirelli Ponte, moradora do bairro há mais de duas décadas e professora da UFSC. Ela trouxe um carrinho de supermercado abarrotado de documentos, mapas, estudos, manifestos e petições: “muito orgulho me dá esse carrinho” disse Cesar ao vê-lo. É compreensível a ligação sentimental – a tradição Bornhausen-Amin brinda seus participantes com a sensação de “estarem em casa”: demandas tradicionais, promessa tradicionais. Contudo, o carrinho não era um presente, era um passado.

Jean-Paul Marat odiava a tradição e foi morto por Charlotte Corday enquanto a atendia. Cesar ama a sua tradição e não havia nenhuma Charlotte presente, mas se estivesse, seria solicitada a se afastar do prefeito, como solicitaram duas guardas municipais aos repórteres de Desacato quando foram cobrir alguns atendimentos.

Por fim, pautou-se num evento silencioso em sua divulgação, “mágico” em sua apresentação e ruidoso em sua execução. Muito barulho por nada.

2 COMENTÁRIOS

  1. “Muito barulho por nada” define muito bem!
    Enquanto acontece isso é construído um emissário submarino que vai jogar esgoto no mar contrariando as propostas alternativas dos moradores do campeche…

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.