SIP elege Argentina e Equador como alvos principais

Por Bia Barbosa.
São Paulo – No próximo dia 7 de dezembro, expira o prazo definido pela Corte Suprema de Justiça da Argentina para a medida cautelar, obtida pelo Grupo Clarín, que impede a aplicação de dois artigos da Lei de Medios às atividades econômicas do grupo. Um deles, o art. 161, determina que os grupos que ultrapassem os limites de outorgas definidos pela nova lei devem iniciar um processo de adequação de suas licenças. Pela Lei de Meios, nenhum grupo de comunicação no país pode ter mais do que 24 outorgas de TV a cabo e 10 de rádio e televisão aberta. O Grupo Clarín, além do jornal impresso, tem 4 canais de televisão, 1 rádio FM e 9 rádios AM, além de dez vezes mais licenças de cabo do que o número autorizado pela Lei de Medios.

Diante da proximidade da data e reconhecendo a influência que a iniciativa de Cristina Kirchner tem tido nos países vizinhos em prol da democratização dos meios de comunicação de massa, a 68ª Assembléia Geral da SIP, que acontece até esta terça-feira (16) em São Paulo, centrou sua crítica no que definiu por “hostilidade contra a imprensa” por parte do governo argentino. A sessão da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP foi aberta na manhã desde domingo (14) pela apresentação, de mais de 40 minutos, do representante da SIP no país, Daniel Dessein.

Dessein fez a leitura completa do relatório (disponível AQUI), que afirma que “várias resoluções do governo, manobras judiciais, declarações ofensivas e ameaçadoras de funcionários públicos, medidas contra a mídia e ameaças e agressões físicas a jornalistas delineiam um cenário sombrio para o exercício do jornalismo e o direito de todos os cidadãos se expressarem livremente” – considerando que a liberdade de expressão dos cidadãos se dá através da grande imprensa argentina.

Sobrio também foi o vídeo elaborado pelo Clarín, e apresentado na sequência da leitura do relatório, mostrando o “crescimento da censura” no país. Numa ágil edição de imagens e trilha sonora de suspense, o vídeo elenca as ações da Presidenta Kirchner contra a imprensa e afirma que seu objetivo é “consagrar o medo, a autocensura e o silêncio”. Afirma que “organismos do governo são escritórios para reprimir cidadãos que querem se expressar”.

Entre as ações tachadas como violadoras da liberdade de imprensa estão a amplificação da rede de comunicação oficial, “mecanismos discriminatórios” de distribuição da publicidade oficial, “abuso ilegítimo” de cadeias nacionais na televisão, cobertura parcial de eventos por parte de algumas emissoras de TV, que estariam vinculadas ao governo federal, e “aplicação seletiva” da Lei de Meios. Segundo a SIP, há vários meios de comunicação – o relatório não citou quais – que não se ajustam ao previsto na lei, aprovada há três anos, e que não foram “intimidados” a cumprir o que ela estipula.

O final do vídeo traz um questionamento sobre a versão oficial do que acontecerá no dia 7 de dezembro. Segundo os constitucionalistas ouvidos pelo Clarín, nada. Se até lá a Corte Suprema de Justiça não se decidir sobre a constitucionalidade dos artigos questionados pelo grupo e não prorrogar a validade da medida cautelar, apenas começará a contar o prazo para que o Clarín se adeque à nova lei. Para o grupo, isso não é nada. Para o governo Kirchner, será uma vitória da lei criada para, entre outros pontos, combater a concentração da propriedade da mídia na Argentina.

Discordando dessa leitura do governo e afirmando que nada acontecerá no dia 7, o vídeo termina com três fortes perguntas acusatórias: “O que se busca então com o relato oficial?”, “Preparar o terreno para outra coisa?”, “Terminar com o Estado de Direito na Argentina?”. Para quem não conhece a realidade no país, parece assistir a um documentário pré-ditadura no território vizinho.

Após a exibição do vídeo, foi sugerido, pelos representantes de outros jornais argentinos presentes, que a SIP faça uma missão internacional à Argentina no dia 7 de Dezembro, para acompanhar os acontecimentos políticos no país. O diretor do jornal Los Andes, de Mendoza, destacou a importância de uma “ação enérgica da SIP”, “porque a sociedade argentina está amordaçada pela autocensura e ficou sem referências institucionais”.

Um empresário uruguaio comparou o caso Clarín com o que aconteceu com a RCTV, na Venezuela. Ao que o dono de um jornal de Caracas acrescentou: “É uma epidemia. A estratégia da Venezuela está sendo imitada por outros países”.

Imprensa equatoriana: sem consenso sobre o caso Assange

O segundo destaque dos relatórios foi o do Equador. Num extenso informe de 9 páginas – o maior da Comissão (disponível AQUI) -, a SIP denunciou decisões judiciais, iniciativas de projetos de lei e medidas do Presidente Rafael Correa que atacariam a liberdade de imprensa. Segundo o relatório, os três poderes do país agem contra os meios de comunicação.

“O regime continua usando recursos públicos para atacar e “desmentir” sistematicamente as publicações da mídia, jornalistas e pessoas com opiniões distintas da sua. O Presidente Rafael Correa promove a ideia de que a mídia privada deve ser rejeitada porque busca o enriquecimento dos seus donos e, por isso, mantém a proibição aos seus ministros de dar entrevistas ao que ele chama de “mídia mercantilista” (Ecuavisa e Teleamazonas, além dos diários El Universo, El Comercio, Hoy e La Hora).

Essa decisão conta com respaldo legal, já que a Justiça indefiriu mandato de segurança que pretendia classificá-la como inconstitucional”, diz um trecho do documento. “As instituições estão sendo atacadas e controladas pelos políticos e gangues de delinquentes, e quem for perseguido fica praticamente indefeso”, analisa outro.

A SIP também afirma que o “fechamento” de canais de rádio e televisão regionais – que segundo as autoridades do Equador não cumpriam as normas técnicas e econômicas vigentes – se deu por retaliação política. O inquérito da Procuradoria Geral sobre o articulista Miguel Macias Carmigniani, do jornal El Comercio, também foi considerado uma violação à liberdade de imprensa. A comunidade LGBT do Equador questionou seu artigo “Famílias alternativas?”, considerando que o conteúdo publicado incita o ódio, o que é proibido pela Constituição.

A SIP, no entanto, não se posicionou sobre o asilo político dado pelo governo de Correa ao fundador do WikiLeaks, Julian Assange, na embaixada do país em Londres. O caso é apenas citado no documento com caráter informativo. Questionado pela CARTA MAIOR sobre como a imprensa equatoriana vê o asilo político a uma das principais vítimas de violação da liberdade de expressão nos dias de hoje, o vice-presidente para o Equador na SIP afirmou que “não há posição única por parte dos veículos”. “Alguns consideram que o asilo é legítimo, outros não. Cada meio teve uma opinião”, descreveu.

Ao longo do dia foram apresentados os informes da maior parte dos países membros. Além de Argentina e Equador, a presidência da Comissão, sem coincidências, também considerou “extremamente preocupantes” os casos da Venezuela, Bolívia e Cuba.

À tarde, quando se perguntavam por que a sociedade latino-americana “não reage” e “não está preocupada, como a SIP está, com a defesa da liberdade de imprensa no continente”, um jornalista do Paraguai deu uma sugestão que merece consideração: “A SIP deveria fazer uma pesquisa sobre o que pensa a população e se o que a sociedade entende como como liberdade de expressão é o mesmo que nós, da SIP, entendemos”.

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