Mais de três décadas depois de extinto o bipartidarismo no Brasil, um grupo com representantes em mais de 10 Estados brasileiros quer tirar dos porões do passado a Aliança Nacional Renovadora (Arena), criada em 1965 para sustentar a então incipiente ditadura militar. Mas engana-se quem pensa que o líder dessa iniciativa veste uniforme das Forças Armadas e penteia cabelos brancos. As mais de 150 pessoas comprometidas com o projeto são presididas por Cibele Bumbel Baginski, 22 anos, estudante de Direito na Universidade de Caxias do Sul, na serra gaúcha. A nova Arena, avisa Cibele, responde a um cenário em que a política brasileira está desmoralizada, com 30 siglas em atividade entre as quais “não existe partido de direita”.
Aos apressados em reprochar a empreitada, Cibele ensina: o que a Arena professava era uma coisa, e o que os arenistas faziam nas rédeas do País era outra. “No período pós-64, havia a Arena, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e o governo. O que o governo ou o que os eleitos fizeram são atos dessas pessoas, não dos partidos – porque eles não têm autonomia jurídica para torturar ninguém, censurar ninguém, matar ninguém. Foi o sistema que fez, e não o partido. O partido político faz política, que é outra coisa.”
De fato, não foi “política”, e sim “Ato Institucional número 5” o nome de batismo da licença jurídica que permitiu ao Estado cassar os direitos dos cidadãos. Se a ordem legal frustrava o combate à militância de esquerda ainda em 1968, o AI-5 calhou como álibi para a censura e o assassinato, práticas em que Cibele não vê o dedo da Arena. “O partido não foi o executor, e com certeza a tortura é uma coisa muito errada, triste e lamentável, qualquer idiota sabe disso, mas o partido, em si, fazia política”, sustenta a jovem, reconhecendo que Executivo e Legislativo andavam de mãos dadas: “O que os governantes faziam, eles estavam endossados pela lei para fazer.”
Mas Cibele diz que não pretende voltar os olhos para trás. É mirando o futuro que ela juntou os amigos para dar vida nova à Arena. “A História do Brasil – a Revolução de 1964 e outros fatos – deve ser respeitada, mas um partido político não é uma instituição histórica para ficar remoendo fatos do passado. Deve-se respeitá-los, sim, conhecê-los, mas deve-se focar em propostas para mudar o País, que é o que um partido político faz: propor e fazer”, ela diz, com a sabedoria de quem foi filiada ao DEM, circulou pelo PP e estudou o PCdoB.
E foi justamente munida de amizades com comunistas que a estudante teria descoberto, entre familiares de vítimas, o sentimento de que a Lei da Anistia quitou as dívidas da ditadura. “Conversei com um senhor que teve um parente sequestrado na época. Ele estava indignado – ele é de um partido de esquerda, aliás – e me disse o seguinte: ‘Tudo que eu quero é que deixem o meu parente morto em paz para que eu possa rezar por ele. Eu não quero arrancar dinheiro do governo para enriquecer às custas dos cofres públicos, eu quero paz.’ E, realmente, alguém assim quer paz, não quer ficar fazendo mídia às custas de quem morreu, sofreu e teve a sua história triste. Eles querem tranquilidade.”
Como Arena alguma patrocina autoritarismo que não esteja previsto em lei, o alento de rezar no sossego de casa serve também aos saudosos de coturno: “Respeitamos a Constituição Federal de 1988, assim como a antiga Arena respeitava a Constituição da época.” A nova Arena não está interessada em romper com a ordem democrática, mas em resgatar valores como o nacionalismo e o conservadorismo.
“A Arena de agora não é a recuperação daquele partido. Eu, por exemplo, não vivi naquela época. Tem muita gente nova. É um movimento dinâmico que resgata valores de conservadorismo, nacionalismo e tecnoprogressismo”, afirma Cibele, anunciando mecanismos de consulta popular e de democracia interna: “Temos tópicos no programa que preveem pesquisas para ver o que a população realmente acha que vai ser mais eficiente – questões de maioridade, penas, aprimoramento do sistema educativo, desenvolvimento de tecnologias em várias áreas. É um programa amplo e, ao mesmo tempo, bem sintético, porque a Arena de agora, assim como a antiga, se fores reparar, é uma aliança de várias tendências diferentes.”
Se o presidente deposto pelo Exército, João Goulart, propunha controlar as remessas de dinheiro ao exterior e nacionalizar refinarias estrangeiras, Cibele adverte que nacionalismo também é questão de firmar baluarte em favor dos costumes locais. “Tem várias pessoas que não gostam da invasão em excesso de outros países aqui dentro, porque a gente vai perdendo a cultura própria do Brasil. Se tu vais perguntar, por exemplo, para uma pessoa mais jovem do Nordeste se ela conhece aquela música, Luar do Sertão, do Catullo da Paixão Cearense, a criatura não conhece. Agora, axé tem um monte. Tu perdes a cultura porque tu vais botando Lady Gaga no lugar, às vezes, de um Teixeirinha da vida”, lamenta.
Brasil sem direita
Para Cibele, a Arena vem suprir a vacância de uma representação de direita em um contexto de pragmatismo ideológico. “Eu diria que, entre os que estão por aí, não existe partido de direita. Existem centristas, um tanto governistas, na sua maior parte social-democratas (como o PSDB) ou liberais (como era o PFL, hoje Democratas, e o PP). O perfil do nosso partido não é focado no liberalismo. Como programa, a gente não defende o Estado mínimo nem o Estado máximo, porque o Estado máximo seria implantar uma ditadura aos moldes comunistas e marxistas, e o Estado mínimo seria simplesmente criar um anarquismo”, ela pondera, exaltando a moderação como virtude própria do conservador.
Sem citar nomes, a jovem confirma ter sido procurada por políticos e militares. “Há assim, vamos dizer, pessoas interessadas que atuam no meio militar. Conversei com um general aposentado que me falou ser maravilhosa essa organização dos jovens. O pessoal mais velho tem restrições para participar, até mesmo por motivos de saúde, mas há interessados.”
Ainda que o site provisório da legenda conclame a participação de militares e servidores públicos, Cibele rechaça abrir portas a toda a velha guarda arenista. “O (deputado federal Paulo) Maluf (PP) é o tipo de pessoa que eu gostaria de ver muito longe da Arena. Não é o tipo de pessoa adequada, que tenha o perfil de querer ser diferente de todo esse interessismo, dessa situação no Brasil. Uma pessoa procurada por ‘n’ crimes não tem o menor currículo para estar num partido que se propõe a ser honesto. Tem que fazer política, e não politicagem.”
A líder da nova Arena não recua ao tratar de temas controversos, embora se preocupe com o arejamento das opiniões dentro do partido em assuntos como o aborto. “Estamos defendendo a conscientização ao controle de natalidade, mas isso não é um tema pacificado. Tenho uma opinião até complicada de expor porque, na posição em que estou, vou influenciar a opinião dos outros.”
O recato é menor quando vem à baila o Bolsa-Família: “Os programas assistencialistas são ridículos. O que tu vês é uma mãe tendo uma penca de filhos e recebendo R$ 50 para dar comida para cada um. Tu achas que ela consegue alimentar um filho com R$ 50 um mês inteiro? Garanto que não. Com meu irmão aqui em casa, gasto bem mais que R$ 50 para alimentá-lo no mês”, revela, preocupada também com o ócio dos beneficiários: “Daqui a pouco a criatura vai achar que é mais fácil ganhar bolsa do governo que trabalhar. O que o governo tem que fazer para distribuir renda é capacitar as pessoas e dar emprego para elas.”
Sobre a Copa do Mundo de 2014, Cibele encontra no deputado federal Romário (PSB-RJ) um discurso a ser seguido. A estudante apoia uma petição que pretende enviar o evento para a Inglaterra. “A Copa no Brasil vai ser, depois de Brasília, o maior roubo ao contribuinte que tu vais ver na História. O Romário disse, e ele entende do assunto por ter sido jogador: ‘manda essa Copa embora, vai ser uma roubalheira’. Não consegui conversar com ele a respeito do partido, e até gostaria de convidá-lo no futuro, mas enfim, a questão da Copa é que estão fazendo tudo em cima da hora e, daqui a pouco, vão dizer que não há prazo para fazer licitação – e, sem licitação, como é que tu vais controlar quanto dinheiro foi roubado?”, ela pergunta.
Repelir a Copa vem também por coerência com a cartilha nacionalista, já que o evento estaria orientado para “os gringos virem aqui se divertir”. “Porque o pobre não vai ver a Copa, o pobre não vai ter dinheiro para isso”, antecipa, apontando problemas irresolvidos no País, como a falta de computadores na escola do irmão e a superlotação das UTIs.
Demonstrando conviver em harmonia com divergências, Cibele reconhece os méritos de dar a cara a tapa por suas convicções. “Simbolicamente, algumas pessoas vão remeter à época. Tu podes observar que vai acontecer uma coisa: as pessoas ou vão simpatizar muito ou não vão gostar, como amigos meus de partidos de esquerda que disseram ‘bah, isso é terrível, tu podias ter inventado outra coisa’. É que nem sushi – ou tu gostas ou tu não gostas. É importante ter aquela sinceridade de dizer ‘olha, eu acredito nisso, e não naquilo’ e não precisar ficar agradando todo mundo com um discurso hipócrita. Tentar ser legal com todo mundo é estar mentindo. Ser sincero é uma coisa que ninguém faz hoje na política, e a gente precisa disso.”
Foto: Arquivo personal. Divulgação.