Por Larissa Cabral.
A palavra “Desvalor” era estranha aos meus ouvidos até que meu querido professor Ricardo Blue Barreto a citou em uma conversa no Facebook. Na verdade, não que eu não tenha entendido, na hora, mas é que nunca tinha pensado nela, assim, tão forte na minha realidade. Falávamos sobre uma oferta de estágio que recebi há algumas semanas por e-mail, em um grupo de alunos e ex-alunos do curso de Jornalismo da UFSC. Quem oferecia a vaga era um portal de Economia, focado no Estado de Santa Catarina.
A proposta: cinco horas por dia, de segunda a sexta-feira, com bolsa auxilio inicial de R$ 350,00, mais VT. Já estou há quase um ano fora do meio acadêmico, mas ainda assim consigo ver que tem muita coisa errada aí. Primeiro, de acordo com o Programa Nacional de Projetos de Estágio Acadêmico em Jornalismo (documento que, convenhamos, está bastante defasado), o estágio em Jornalismo deve ter quatro horas de duração:
k) a jornada/carga horária do estágio será compatível com a formação acadêmica e terá teto máximo de 20 horas semanais, distribuídas preferencialmente em quatro horas diárias. Nenhum estágio poderá ser realizado em horário noturno após as 22h. O estagiário também não pode cumprir carga horária nos sábados, domingos e feriados. Os horários do estágio não podem coincidir com atividades acadêmicas
E claro, tem mais. Trezentos e cinquenta reais. Sério? Há quem pense “Ah, mas tem também o VT, claro.” Mas não, não dá. Eu achei isso quase ofensivo, a real expressão do desvalor. A desvalorização do ensino, a desvalorização da pessoa, a desvalorização da categoria como um todo. A quantia é, inclusive, inferior à Bolsa Permanência da UFSC.
Não soube se, afinal, a vaga foi preenchida. Imagino que sim, infelizmente, pois esse tipo de proposta só acontece porque há quem precise dela e se disponha a trabalhar sob essas condições. Considero importante destacar a omissão do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina e da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), já que muito se fala (mais ou menos, quer dizer) sobre o piso e o diploma, mas pouco se discute sobre esse aspecto tão importante para o ensino na área.
Será que estão fiscalizando a legalidade do exercer da profissão (e o passaralho nas redações)? Será que estão cobrando a valorização profissional e humana dos jornalistas, por meio da exigência de salários descentes, carga-horária legal e contra o acúmulo de funções não remuneradas? Onde está o debate pela regulamentação dos estágio em Jornalismo? Sabe-se que:
o) a fiscalização do estágio irregular será solicitada às DRTs, através dos Sindicatos, e baseada em denúncia de exercício irregular da profissão. Os Sindicatos devem buscar, também, a intervenção do Ministério Público do Trabalho, solicitando que reconheça e incorpore às suas ações o presente Programa Nacional de Projetos Pilotos de Estágio Acadêmico
Ainda de acordo com o Programa Nacional, a existência e o valor da bolsa-auxílio são estabelecidos em negociação entre o curso de jornalismo, a emissora e o sindicato dos jornalistas. Na teoria, o estágio deve atender aos princípios pedagógicos definidos pelo respectivo curso de jornalismo, contar com um efetivo acompanhamento por parte de um profissional-supervisor, sem que a emissora vise lucro.
A negociação em relação à remuneração dos estágios deve ainda se pautar pela compatibilização da defesa dos interesses, direitos e condições de trabalho dos jornalistas (prerrogativa legal dos sindicatos), com a natureza do veículo e com os princípios da qualidade da formação profissional em jornalismo. Mas isso tudo está na teoria, no papel, na legislação ultrapassada, negligenciada e pouco discutida.
O descaso é evidente: não há lei específica para esse assunto e não há como obrigar qualquer empresa a pagar um valor um pouco menos sem-vergonha. A única legislação sobre estágios é a federal e as bolsas variam muito, seguindo uma lógica de vale-tudo, em que o estudante está ali apenas para aprender, o que nem sempre é caso, visto que muitos precisam daquele dinheiro para se manter na universidade.
Como jornalista recém formada, também vejo pouco rigor em relação à fiscalização acerca da substituição de profissionais por estudantes nas empresas, que muitas vezes restringe o acesso a profissionais formados, em favor do detrimento de uma bolsa desvalorizada. Não sei apontar de onde vem a maior ineficiência, se é dos estudantes, professores, das universidades, empresas ou sindicato, mas vejo aqui a urgência de se abrir o debate, buscar melhores condições de trabalho e a valorização profissional e humana.
Oi Larissa! Parabéns pelo artigo! Sempre instigantes e muito bem escritos. Beijos, Bartira.
Obrigada, Bartira! E como são os estágio em Direito, hein? hehe Continue acompanhando o Desacato. Ficamos muito honrados com a sua contribuição. Beijos!
Olá Larissa,
Sou estudante de jornalismo e entrei há pouco tempo no mercado de trabalho. Atualmente estagio em uma empresa onde é visível a substituição de mão-de-obra qualificada com profissionais experientes e, quando me refiro à experiência me dirigo é claro à chamada bagagem profissional,por estagiários mal-pagos, submetidos a uma sobrecarga de trabalho, forte cobrança de produção pelos patrões e falta de orientação e ensino. Uma vez que, o estágio tornou-se uma opção dos empregadores para economizarem em seus orçamentos no pagamento de seus funcionários e não uma oportunidade do estudante e, por que não, dos próprios empregadores de aprendizado e vivência profissional.
Falta de primazia e de respeito à profissão. Imagino que isso também prejudique os jornalistas recém-formados que entram em um mercado competitivo e desvalorizado financeiramente.
Um abraço!
Excelente colaboração! Muito obrigada e um abraço, Lari.
Olá, Larissa.
Gostaria de fazer um comentário sobre o seu texto. Sou estagiária de Jornalismo desde outubro e eu esperaria que a profissão fosse tratada com maior respeito. Pelo ao contrário, economiza-se no número de profissionais para dar lugar à estagiários que não possuem bagagem profissional na área, apenas para cobrir um problema financeiro! Eu, por exemplo: faço um trabalho como um jornalista qualquer (o que é contrário a lei da FENAJ) e não possuo benefício algum se não minha “bolsa auxílio” (que não é obrigatória), VT + VR. Sendo uma funcionária que produz algo na empresa e colabora para o lucro da “chefia”, eu deveria ter, no mínimo, um seguro de vida ou um convênio médico para caso aconteça algo sério com a minha saúde e a minha vida. Pior do que isso, faço um trabalho que não colabora para o bem social!
Como querem que os jornalistas e a população em geral respeite o Jornalismo quando ninguém mais o respeita? Fico triste com isso, mas é confortante saber que não estou sozinha e que posso fazer um trabalho bacana, nem prejudicar aos outros nem a mim mesma.
Olá, Fernanda! Fico muito satisfeita com a tua colaboração ao debate. Concordo com as tuas colocações. É muito preocupante saber que propostas desse tipo são feitas todos os dias, pelo Brasil inteiro. Temos que exigir respeito e atitude, por parte das empresas, mas também por parte dos sindicatos e da academia.
Obrigada por compartilhar a sua experiência. Volte sempre!
Um abraço,
Lari.