Maconha: Uma polêmica erva

Por George Ernesto da Silva*.

No mês de maio, manifestantes em todo o mundo foram às ruas participar da chamada Marcha da Maconha. No Brasil, após pressão de um número crescente de ativistas e depois de alguns confrontos ocorridos entre manifestantes e a polícia, o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2011, reconheceu a garantia de liberdade de expressão permitindo essa manifestação social. É um tema polêmico, sem dúvida. Mais polêmico ainda, foi a aprovação da proposta, por uma comissão de juristas, de descriminalização do uso de drogas, no dia 28 de maio desse ano. A proposta necessita ainda ser aprovada pelo Congresso Nacional para entrar em vigor. Nesse contexto efervescente sobre drogas, é importante procurar esclarecimento. Em primeiro lugar, a maconha é um preparado de folhas, folíolos, inflorescências, caules e frutos da planta Cannabis sativa, cuja maneira mais comum de utilizá-la é através do cigarro de maconha, o chamado baseado. A planta é de origem asiática e se espalhou por todo o mundo, o que justifica o número de usuários encontrados pelo planeta. No caso do Brasil, foi trazida pelos escravos africanos no século XVI. Hoje, segundo o relatório mundial sobre drogas divulgado em 2011 e elaborado pelo Escritório Sobre Drogas e Crimes das Nações Unidas (UNODC), o número de usuários de maconha no mundo está entre 125 e 203 milhões de pessoas.  No Brasil, segundo o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), em levantamento domiciliar realizado em 108 cidades a porcentagem de usuários está em torno de 1,9% a 2,6% da população. Quando observamos os dados nacionais, esses se referem ao uso recreacional, já que a droga é proibida independente da finalidade, mesmo que seja médica.

                                                                                                   Marcha da Maconha em Blumenau

O uso medicinal da planta

A planta tem sido usada com propósito medicinal há séculos e seus produtos correlacionados foram amplamente prescritos até o início do século XX. Entre outros motivos que levaram ao desuso médico foi a variabilidade química das preparações da planta comercializadas que acabavam gerando efeitos clínicos imprevisíveis. Além disso, alguns países começaram a relacionar o uso não médico da maconha à degeneração psíquica, ao crime e a marginalização do indivíduo. Vale acrescentar ainda, que, a maconha começou a se popularizar na década de 20 nos EUA (inverti a ordem) e, ao mesmo tempo, emergiu o entendimento a respeito do potencial de abuso de drogas como cocaína e morfina. Como conseqüência a maconha acabou sendo considerada uma droga com potencial de dependência e risco semelhante. Então, em 1937, nos EUA foi baixado um decreto proibindo o seu uso. No Brasil, a proibição total do plantio, cultura, colheita e exploração por particulares da maconha, em todo o território nacional, ocorreu em 25/11/1938 pelo Decreto lei n° 891 do Governo Federal. A maconha, sendo uma droga proscrita, pouco se avançou na pesquisa, permanecendo as dúvidas a respeito de suas potencialidades medicinais.

Para se ter uma idéia do uso medicinal da planta, no século XIX até início do século XX ela era amplamente usada em preparações farmacêuticas manufaturadas por companhias bem conhecidas, como a Merck, Burroughs-Wellcome, Bristol-Meyers Squibb, Parke-Davis e Eli Lilly, para dor, problemas digestivos, asma, insônia, epilepsia, enxaqueca, entre outras indicações.  A partir da década de sessenta com o isolamento e identificação da substância ativa, os estudos foram retomados, culminando no aval científico para uma série de indicações, atualmente em vigor na clínica: combate à falta de apetite em pacientes com HIV e em pacientes com câncer que fazem quimioterapia, no último caso também para combater o vômito. É usada ainda para combater os sintomas da esclerose múltipla. Os estudos avançam e cada vez mais possibilidades são evidenciadas, como é o caso do tratamento para depressão. Além dessa variedade de aplicações terapêuticas, vale lembrar que as fibras obtidas do caule da planta eram utilizadas para fazer cordas, tecidos, papéis, vestimentas, portanto havia uma vasta aplicação na indústria.

A dependência da droga

Com todas estas propriedades, principalmente, as terapêuticas, a maconha pode trazer algum problema? Sim, vários estudos mostram que durante o uso da droga há uma dificuldade no aprendizado. Outros trabalhos mostram também um prejuízo na coordenação motora, quando o usuário está sob o efeito da droga. Também, a droga pode desencadear a esquizofrenia em indivíduos pré-dispostos geneticamente. Cronicamente, até o câncer é descrito, como acontece com o cigarro comum comercializado. Uma das questões mais levantadas está relacionada à dependência, afinal a maconha pode levar à dependência? Sim, pode, mas aqui convém esclarecer mais. Atualmente, a dependência não é considerada apenas como um fenômeno tudo ou nada, ou seja, existem vários graus de dependência. A maconha apresenta um grau de dependência abaixo da cocaína, anfetaminas, heroína e do álcool. Basta verificarmos o motivo que levou o indivíduo a ser internado em uma clínica ou fazer parte dos narcóticos anônimos. A maioria dos usuários não se torna dependente e uma minoria desenvolve uma síndrome de uso compulsivo semelhante à dependência de outras drogas.

O que permeia o debate sobre a descriminalização?

Com o que foi colocado, como fica a questão da legalização da descriminalização? A legalização envolverá a criação de um mercado de produção, comercialização e consumo com regras pré-determinadas, com tributação, restrição de venda para menores etc. Já a descriminalização, retira o usuário da esfera penal e a repressão ao consumo de drogas, passaria a ser tratada de forma administrativa, como ocorre nas infrações de trânsito. Apesar do Brasil não ter descriminalizado ainda as drogas, a lei n. 11.346/06 trouxe alterações em relação ao tratamento dado ao traficante e ao usuário, competindo a esse último prestação de serviços à comunidade ou medida educativa de comparecimento a um programa ou curso educativo, e não mais a previsão de pena privativa de liberdade.

Em Portugal, por exemplo, com a uma lei aprovada em julho de 2001, ocorreu a descriminalização do uso de drogas. A lei teve como objetivo facilitar o acesso e a orientação aos usuários de drogas. Em muitos outros países, a reforma teve como objetivo livrar os usuários das penalidades criminais. O resultado dessa reforma na lei não acabou com o problema das drogas, mas reduziu o uso problemático delas. Na Holanda, o “livre” consumo de maconha está sendo revisto. Famosa por seus coffee shops, cafés que têm a autorização para vender maconha em pequenas quantidades, a Holanda agora, segundo decreto recentemente aprovado, só permitirá acesso a esses cafés para quem mora no país. No Canadá, o uso medicinal da planta foi estabelecido em 1999 e hoje enfrenta problemas, principalmente relacionados ao apoio federal para a pesquisa, a produção e a distribuição da cannabis. Nos EUA, apesar de alguns estados permitirem o uso médico da maconha, como é o caso da Califórnia desde 1996, os gastos relacionados à proibição da maconha estão em 7,7 bilhões de dólares.

A aprovação de qualquer lei deve levar em conta suas conseqüências como: será  possível fiscalizar? Por outro lado, instituir a tolerância zero, isso vale para todos? Repressão ou educação? Há muito tempo se evidencia que a repressão não é a solução. Educar, conhecer é o caminho. A maioria dos argumentos contra ou a favor da legalização ou descriminalização apresentados pelo público em geral é baseado mais em especulação do que em evidências. Cada país apresenta a sua particularidade. Importar programas de repressão dos EUA ou legalizar o uso recreacional como ocorria na Holanda, provavelmente não funcionarão. Nesse sentido, creio que é necessário construir uma situação como a descriminalização e aprender com ela, para aí sim decidir se é possível ir além. Para finalizar, em um artigo publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria, um dos maiores pesquisadores da maconha no mundo, o médico brasileiro Elisaldo A. Carlini destaca: “Deve-se considerar com seriedade a necessidade de se promover a descriminalização do uso da maconha, estipulando a quantidade considerada porte, sem promover a liberação da droga. Esta medida ampliaria as oportunidades de recuperação do usuário isolando-o do traficante e evitando sua dupla penalização: a pena social de ser um drogado e a pena legal por ser um drogado, esta última muitas vezes mais danosa que a primeira.”

* Doutor em Farmacologia pela UFSC, professor do Departamento de Ciências Farmacêuticas da FURB.
[email protected]

Fonte: Artigo originalmente publicado no jornal Expressão Universitária do Sindicato dos Servidores Públicos do Ensino Superior de Blumenau (Sinsepes).
Fotos: Jaime Batista da Silva – Marcha da Maconha em junho em Blumenau.

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