Tali Feld Gleiser. Qual é a relação histórica entre marxismo e sionismo?
Arlene Clemesha. Houve alguns grupos, especialmente um pequeno grupo sionista-marxista. Fazia parte do sionismo de esquerda do início do século XX, mas, em essência, são duas correntes de pensamento completamente diferentes. O sionismo é uma ideologia nacionalista, enquanto o marxismo é uma forma de analisar a história e pensar na superação dos problemas atuais; quando digo uma “maneira de analisar a história”, estou me referindo especificamente ao materialismo histórico, o método criado por Marx e pelo marxismo. O sionismo, por outro lado, é uma escola de pensamento nacionalista judeu.
O nacionalismo judeu não é sequer o único nacionalismo que tinha existido na história. Havia um grupo, principalmente com Dov Ber Borojov, que tentou conciliar essas duas coisas. Houve outros grupos na mesma época, no início do século XX, que criticaram a possibilidade de fazer essa combinação, dizendo que não seria possível. Foi um grande debate na época. Então marxismo é marxismo, sionismo é sionismo.
Geralmente, os grupos da esquerda marxista, são muito críticos às propostas do sionismo e à colonização da Palestina. Então, eles geralmente vão em direções opostas, direções diferentes.
TF: Quais são as críticas que esse marxismo faz? Porque estamos realmente falando da Europa, dos judeus da Europa, porque as coisas são um pouco diferentes com os judeus da África e da Ásia. Quem eram esses grupos e de que época estamos falando?
A.C. Até o século XII, aproximadamente, a maior população judaica do mundo vivia no islã, na África do Norte, Oriente Médio, tudo o que ocupa hoje essa região. E então, a maior concentração de judeus se mudou para a Europa. E especificamente a partir dos séculos XVI e XVIII, começou a crescer cada vez mais na Europa do Leste, no Império Czarista. Isso nos dá uma ideia dessa diversidade, dentro do que entendemos por “judeus do mundo”.
Quanto ao marxismo, Karl Marx escreveu um único ensaio dedicado à questão judaica: la cuestión judía.
Então estamos falando do século XIX, quando Marx escreveu sobre a questão judaica, um ensaio muito curto. Ao longo da segunda metade do século XIX, a esquerda socialista marxista passou a se preocupar cada vez mais com a questão judaica, a questão antissemita. Talvez fosse melhor defini-lo assim, ou seja, o problema do ataque, a teoria da conspiração, o ódio racial aos judeus, o antissemitismo, o ódio racial aos judeus. Mas no final do século XIX e ao início do século XX, surgiu também a “questão nacional”. Também nesse debate, o que é chamado de “A Questão Judia”, no início dessa relação com o marxismo, dos marxistas que analisaram a questão, era principalmente uma questão sobre antissemitismo.
A Segunda Internacional era muito reticente; não via os judeus como uma nação. Otto Bauer, K. Kautsky, etc., tinham visões diferentes, mas não viam os judeus como uma nação nos tempos contemporâneos. E foi no início do século XX que esse debate ganhou força na Europa do Leste por meio de um partido, principalmente o BUND, a União de Trabalhadores Judeus Socialdemocratas da Lituânia, Polônia e Rússia, que não defendia exatamente o nacionalismo, mas sim alguma forma de autonomia nacional e cultural para os judeus da Europa Oriental.
Então, esses são debates muito intensos que estão ocorrendo dentro da esquerda europeia agora, e aqui volto ao que você destacou na pergunta, que isso acontecia dentro da esquerda europeia porque ainda havia muitos judeus em países das regiões árabes no final do século XIX e início do século XX. Não são os países árabes com a conformação que têm hoje, em geral, mas não fizeram parte desse debate. Era outro contexto, outra realidade.
TF: Esses judeus árabes estavam totalmente integrados em suas sociedades. Após a criação do Estado de Israel, eles foram forçados a emigrar e deixar seus países. Este também é outro capítulo muito interessante. Muitos judeus do Iraque, por exemplo, foram forçados a deixar tudo para trás e viver uma vida em um contexto cultural completamente diferente no Estado de Israel. Inicialmente, eles não conseguiram se integrar adequadamente porque o Estado de Israel precisava de mão de obra, e que melhor que a mão de obra desses países em lugar da europeia?
A.C. De fato. Gostaria de recomendar um filme muito bom chamado Forget Baghdad, Esqueça Bagdá, feito por Samir e que está online, e que trata do caso dos judeus iraquianos que tiveram que deixar o Iraque.
E há toda uma controvérsia… havia cerca de 5% de judeus em vários países árabes na época em que Israel foi criado, e como consequência do conflito político desencadeado pela criação de Israel, esses judeus também foram vítimas [120.000 deixaram o Iraque em 1951 com fundos da Associação Sionista Americana]. Isso também foi um erro: não se pode consertar um erro, que é a expulsão dos palestinos de suas terras, com outro erro, que em muitos casos Israel também fomentou. E no caso do Iraque, houve um atentado em Bagdá, uma bomba explodiu, e foi provado que o Mossad plantou essa bomba para fazer parecer que os muçulmanos estavam expulsando os judeus de Bagdá. Mas não, era Israel que precisava dessa imigração.
No Egito, após a invasão israelense do país em 1956 e a Guerra de Suez, Nasser expulsou a população judia, o que foi lamentável porque eles acabaram sendo vítimas de um conflito que não tinha nada a ver com eles. O que tem a ver os judeus que viveram no Egito com suas famílias por centenas de anos com o conflito com o Israel, com a invasão israelense do Egito? Então eles acabaram sendo vítimas de um processo político. Também havia muitos judeus no Marrocos, muito bem integrados à sociedade antes de todo o conflito político desencadeado pela criação do Israel.
TF: Pensei no BUND e no que aconteceria se ele permanecesse na Europa Oriental. Claro, houve o Holocausto, obviamente, mas a estrutura, a organização – o que aconteceu com o Bund?
A.C. O Bund foi fundado um ano antes do que o Partido Operário Social-Democrata Russo, em 1897. Em 1898, o Bund participou da organização da conferência para a criação do POSDR – o Partido Social-Democrata Russo – do qual surgiriam os mencheviques e os bolcheviques, e a Revolução de Fevereiro e a Revolução de Outubro, a chamada Revolução Russa. Mas por que o BUND foi fundado? Havia uma massa judia na Europa Oriental, no Império Czarista, que vivia naquela faixa que vai da Lituânia à Ucrânia, de norte a sul, digamos Lituânia-Polônia-Bielorrússia-Ucrânia.
Essa massa de judeus era muito explorada, eram pobres, eram trabalhadores e operários, na verdade, em condições muito precárias, eram proibidos de possuir terras, também não podiam proletarizar-se, então acabaram criando um lumpemproletariado, às vezes uma massa… eram muitos e eram muito pobres, e lutavam para se libertar de uma dupla opressão: a opressão do trabalhador, neste caso trabalhadores que ainda eram hiperprecários, e a opressão do antissemitismo. Era uma dupla opressão à qual eles estavam sujeitos.
Eles participaram da criação do Partido Social-Democrata Russo, que mais tarde lideraria a revolução, até 1903. E o debate todo explodiu, porque eles começaram a exigir não apenas representar as demandas judias dentro do partido, mas começaram a exigir ser a representação do partido entre os judeus, os representantes exclusivos do partido entre os judeus, e também exigiram a federalização do partido, que era tudo o que Lenin não queria. Então, eles se envolveram em um debate muito intenso com a liderança do Partido Trabalhista Social-Democrata Russo sobre como organizar o partido e como trabalhar na questão da unidade dos trabalhadores.
Lenin via essas demandas como perigosas ou prejudiciais à unidade opoeraría que, em sua opinião, precisava ser construída para realizar a revolução. Então, de todas as características do Bund, de certa forma, a menos importante — digamos, a que criou menos controvérsia com a liderança do partido — foi sua demanda por autonomia cultural nacional. Mesmo depois da Revolução, na década de 1920, uma forma de autonomia cultural judia foi criada: um aparato, uma estrutura de representação cultural, e mais tarde com Stalin… é outra história.
“The Zionists say
we should go down to Jerusalem,
we workers don’t long for that,
we want to free Russia…”
Tinha uma vez um povinho, Yvye (There Once Was a Shtetele, Ivye) – ver neste link o texto completo de >>> Yehuda-Leyb Blokh
Assim, os debates foram muito intensos, levando à retirada do Bund do Partido de Lenin em 1903, seguida pela retirada dos mencheviques. Lenin conseguiu então unificar a liderança do Partido sob seu comando, o que ele considerava muito importante; era sua estratégia para conseguir dirigir o movimento revolucionário.
Mas a BUND – União dos Trabalhadores Judeus Social-Democratas da Lituânia, Polônia e Rússia – nunca foi sionista. Naquela época, ele nunca apoiou o sionismo; pelo contrário, ele criticou o sionismo e até mesmo criticou a ideia de que se pudesse falar de um “povo judeu”. Na realidade, eles viam isso como vários povos judeus e tentavam responder à característica do “judeu do Leste Europeu” com uma forma de autonomia cultural nacional.
Outra coisa muito interessante e relevante é que na Revolução de 1905, embora o Bund tivesse sido dissolvido anteriormente, havia unidade entre os líderes. Trotsky, por exemplo, foi um dos que organizaram e promoveram a formação de frentes de defesa conjuntas contra pogroms.
Os bolcheviques estavam se fortalecendo em 1905 e agiram para fortalecer a ação de comandos de autodefesa do BUND contra os pogroms. Mas os pogroms de 1905 atingiram proporções enormes, o processo revolucionário, o Czar, atacou a revolução por meio de pogroms, então eles usaram “a questão judia”, eles usaram os judeus como bodes expiatórios para sua política de estado, uma política antissemita; e os pogroms eram a melhor maneira de derrotar a revolução, instigando pogroms contra o povo. Era um objetivo, mas no final eles eram antipovo, então a luta era muito importante, e a direação dos revolucionários russos defendeu os judeus contra os antissemitas russos, contra as Centúrias Negras, contra as gangues do Czar, contra toda essa fúria antissemita que atacava os judeus e atacava a revolução ao mesmo tempo. Então houve momentos de discórdia e momentos de unidade contra o antissemitismo, principalmente.
TF: Eu só queria comentar sobre a palavra antissemitismo, que foi usada até recentemente, mas… Todos nós sabemos que os palestinos são semitas, então é um termo que o sionismo se apropriou para esconder a desumanização do povo palestino e dizer que os palestinos são tudo menos semitas. É verdade que é o que era usado naquela época e que não é o mesmo.
Fiquei me perguntando se havia alguma figura como a que conhecemos que pertenceu ao Bund e se parte do Bund emigrou para o estado sionista de Israel.
A.C. Concordo que o termo “antissemita” é muito impreciso porque hoje existem dois povos de origem semítica, poderíamos dizer de língua semítica, de origem semítica, que são os árabes e os judeus: a língua árabe e a língua hebraica são línguas semíticas, as únicas que restam… houve outras na Idade Antiga.
Então, não é um termo preciso em absoluto e eu só quero voltar à época em que ele foi criado. Foi cunhado no final do século XIX por Wilhelm Marr e tinha como objetivo descrever o ódio aos judeus. Portanto, originalmente o termo não se destinava a falar de islamofobia, sentimento antiárabe ou palestinofobia. O sentimento antipalestino que existe enormemente na região hoje em Israel não teve nada a ver com isso.
Existe um termo que é antijudaísmo. Então por que não usar o antijudaísmo? Academicamente falando, o antijudaísmo se refere a um período em que o ódio aos judeus era principalmente de natureza religiosa, daí o antijudaísmo, e a consequência disso é que, uma vez que um judeu se convertia, ele tinha uma grande oportunidade, por assim dizer, de se integrar à sociedade e deixar de ser judeu, e deixar de ser perseguido.
Este foi o período de assimilação judia. O pai de Marx se converteu ao protestantismo e converteu toda a família ao protestantismo. Porque queria dar às crianças uma oportunidade melhor, uma integração social; então concordo que o termo é muito impreciso. Mas qual é a solução? O que podemos fazer com esse termo impreciso, certo? Acho que precisamos entender o que o termo significa e de onde ele vem.
TF: Estávamos falando sobre os membros mais conhecidos do BUND e se foi o partido que mais tarde emigrou para o Estado de Israel.
A.C. No meu livro, utilizo muito a autobiografia de Vladimir Medem. Ele foi uma das grandes figuras do Bund, e tem outras, mas ele foi o principal, o mais conhecido da época, no início do século XX, o líder intelectual mais ativo.
…O que aconteceu com o Bund após a criação do Israel? Foi algo que aconteceu com muitos grupos judeus, que foi uma acomodação… Quer dizer, não fazia mais sentido para o BUND lutar pela emancipação cultural, pela autonomia cultural, então aquelas plataformas políticas do Bund do início do século XX não faziam mais sentido.
O Holocausto aconteceu, e o choque do Holocausto foi grande demais. A criação do Israel apagou muitas correntes que tinham sido muito maiores que o sionismo, e o BUND acabou se acomodando, a ponto de que primeiro houve uma diversidade dentro dele, como não saber se alguém era antisionista ou pró-sionista, e muitos se acomodaram e começaram a apoiar o sionismo.
Isso também depende da época, porque no final dos anos 1950 e 1960, existia uma tendência muito maior da esquerda, sob o impacto do Holocausto e a instrumentalização de todo esse debate, de aceitar a política israelense. E a União Soviética também apoiou a criação de Israel, lembremos também que isso foi muito relevante para a esquerda!
Depois de 1967, quando a Jordânia, a Faixa de Gaza, as Colinas de Golã e o Sinai egípcio foram ocupados, isso já era uma linha vermelha para grande parte da esquerda. Havia algumas pessoas lá que diziam: “Não, espere, isso é Justiça para os Judeus, Defesa contra o Holocausto, sim, mas isso está indo longe demais.” Então, há momentos e momentos nessa trajetória, não se pode dizer que seja uma coisa única, mas, em geral, todos os grupos da esquerda judia que, antes de 1948, eram mais ou menos de esquerda e não apoiavam o sionismo, depois do Holocausto e da criação do Israel, iriam abandonar suas antigas bandeiras e passar por uma fase de acomodação ao sionismo. Algo como: “Este é o caminho a seguir, não há nada que possamos fazer a respeito”.
Não todos eles, não estou falando da corrente trotskista mundial, não estou falando de muitos deles, é verdade, mas sim toda a corrente da Segunda Internacional, a União Soviética em 48 apoiou… Há também toda uma esquerda judia que se acomoda à criação do Israel e pensa que “é isso”, que não há outro caminho.

No meu livro, aproveitandoa deixa do tema que estamos abordando, saliento que isso não é intencional, mas o fato é que resgata uma história judia que a criação do Estado de Israel procurou esconder. Uma vez criado o Estado de Israel, houve uma tentativa de falar, mostrar, fazer propaganda e tudo para posicionar a própria criação desse Estado como o ápice de uma trajetória linear na história judia, como se tudo culminasse ali, na criação do Israel. E não, a verdade é que o sionismo era irrisório comparado aos outros movimentos judeus do início do século XX.
O sionismo cresceu no final da Segunda Guerra Mundial e depois com o Holocausto: houve esse impulso no final das décadas de 1920, 1930, 1930 e 1940, especialmente, e depois a criação de Israel. Mas justamente essa trajetória, esse compromisso da esquerda global com correntes não sionistas, que era o principal compromisso, Israel quis e fez todo o possível para esconder e posicionar sua origem como o verdadeiro significado da história judia europeia.
TF: Até mesmo a organização dos trabalhadores em Israel, que veio da Europa, também estava lá para defender os trabalhadores judeus. Por exemplo, a Histadrut, o sindicato dos trabalhadores de lá, deixou os palestinos indefesos, sem inclusão. Ainda não há um debate sério sobre a questão ideológica de se foi a esquerda que estabeleceu o Estado de Israel, porque é senso comum dizer que o problema é que “agora existe Netanyahu, que é de direita, de extrema direita”, mas houve um tempo antes, quando havia governos de esquerda em Israel. Essa chamada esquerda, a social-democracia, é a que ocupou Jerusalém Oriental, a Cisjordânia, Gaza… Algo semelhante aconteceu com os kibutzim: “Os kibutzim são de origem comunista ou socialista!” Mas como? Se você deixa de fora uma população inteira porque eles não podem viver lá — você não admite palestinos, por exemplo — isso não é socialismo, não é comunismo. É um debate que não acontece, mas seria muito interessante ter esse tipo de debate também na esquerda.
A.C. Não são, não. E naquela época havia muito debate na esquerda, por exemplo, dentro da esquerda trotskista, havia muito debate sobre os kibutzim, dizendo que se esses kibutzim, que têm uma organização comunitária/socialista interna, criassem essas colônias comunitárias socialistas, uma vez criado o Estado de Israel, eles espalhariam a ideologia socialista por todo Israel. E assim Israel seria criado como um farol para a humanidade…
Essa era a ideologia dos kibutzim, e então a esquerda que debateu isso com eles disse: “Não, na verdade, isso está tão distante da realidade que eles estão desempenhando um papel na linha de frente da colonização, expulsando palestinos de suas terras, em nome de um processo que permanece colonizador e imperialista, com o apoio de uma grande potência imperialista. Não há como esse projeto ser socialista, e ele nunca poderá mudar seu ambiente; em vez disso, os kibutzim serão transformados pela natureza colonialista de seu empreendimento.”
TF: Arlene, não sei se todos mudaram, mas a maioria, os maiores hoje, são sociedades anônimas, então essa organização comunitária socialista não existe mais.
TF: Em relação à América Latina: que contradições os governos mais ou menos progressistas da América Latina apresentam em relação à defesa da Palestina e à existência do Estado sionista de Israel?
A.C. O papel dos países latino-americanos é muito importante. Todos os países que, por exemplo, apoiaram a África do Sul em seu processo do Tribunal Internacional de Justiça, vários países, um após o outro, aderiram formalmente a esse processo.
O Brasil fez isso e vários outros países latino-americanos também. É muito difícil que haja um efeito prático concreto e imediato, isso não acontece. Simplificando, aqueles que têm o poder de impedir o envio de armas são os Estados Unidos, a Alemanha e algum outro país europeu.
Outras medidas tomadas, como a tentativa da África do Sul de apoiar os votos no Conselho de Segurança da ONU, não funcionaram simplesmente por causa do veto dos EUA, mas não podemos considerar que é uma impotência total.
>> Aqui está o vídeo da apresentação da África do Sul no Tribunal Penal Internacional de Justiça em 29 de abril de 2025.
Ou seja, é importante que os países latino-americanos se posicionem. O BRICS é um saco de gatos. Há muita diversidade dentro do BRICS, mas dentro dessa diversidade reside uma característica: pode-se dizer que ela oferece a possibilidade de ter um efeito contra-hegemônico, no mínimo. Portanto, é nesse sentido contra-hegemônico de defesa da ilegalidade da ação israelense que é importante que os países latino-americanos se posicionem.
Seria importante que eles fizessem mais do que estão fazendo. O máximo que eu poderia dizer seria boicotar, ir um passo além e realmente começar a cortar o fornecimento de petróleo. Por exemplo, a Petrobras vende através da Shell, se não me engano, uma grande porcentagem do petróleo que vai para Israel, que é o que mantém o estado funcionando hoje. Então essa é uma área em que o Brasil não se moveu, mas teve que se mover, certo? Ele teria que transformar suas palavras em prática, transformar o discurso em prática, é isso que realmente precisa ser feito.
Em outros aspectos, o Brasil tem feito disso uma prática, não podemos dizer que tudo está perdido. A compra de obuses israelenses foi suspensa, e tudo isso foi muito difícil. Até para o chanceler Celso Amorim foi difícil manter essa posição; o ataque foi muito forte, mas não podíamos desistir, não é mesmo? O mais importante seria impedir a venda de petróleo brasileiro para Israel por meio de uma empresa multinacional. Isso teria um efeito muito bom e muito positivo sobre o que hoje é um crime atroz. A situação no território palestino é desesperadora: comida, água, ajuda humanitária e eletricidade para manter as usinas de dessalinização de água. É atroz, e com Trump é realmente um inferno.
TF: Vou lhe fazer a mesma pergunta que faço a todos os meus convidados… quando dizemos a palavra Palestina, o que lhe vem à mente?
M.C. Eu penso em resistência: é resistência, porque não penso em apenas um lugar, acho que a Palestina está em muitos lugares. Acho que a Palestina traz um simbolismo, uma ideia real de uma multiplicidade de resistências; é maior que um território e ainda maior que os 8 ou 9 milhões de refugiados palestinos… A Palestina me dá essa ideia de algo aguerrido, aguerrido, aguerrido. Existência na resistência.
>>Aqui o vídeo da reportagem de Tali Feld Gleiser à pesquisadora da USP, Arlene Clemesha, no Portal desacato.info
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>>Sobre a entrevistada: Arlene Elizabeth Clemesha é uma historiadora brasileira, professora de História Árabe no Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP – Universidade de São Paulo. Ela é diretora do Centro de Estudos Árabes daquela universidade. Autor do livro Marxismo e Judaísmo, publicado pela Editorial Boitempo
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>>Sobre a entrevistadora: Tali Feld Gleiser é diretora de jornalismo do Portal Desacato.info, fundadora de Los Otros Judíos (https://losotrosjudios.com) e apresentadora e produtora do programa semanal Do Rio ao Mar no Brasil.
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>>Sobre o livro Marxismo e Judaísmo, Enzo Traverso disse:
De Karl Marx a Daniel Bensaïd, passando por Rosa Luxemburgo, Leon Trotsky, Walter Benjamin, Isaac Deutscher e muitos outros, o encontro entre o marxismo e os judeus foi uma poderosa fonte de insights luminosos e ideias críticas. Esse encontro transcendeu o judaísmo, questionando religiões e ortodoxias, mas trouxe uma forte lembrança para uma minoria perseguida. Os marxistas judeus eram hereges marginalizados e revolucionários cosmopolitas que se rebelaram contra velhos obscurantismos e novos nacionalismos. Neste brilhante ensaio, Arlene Clemesha nos guia pelos labirintos desta fascinante história política e intelectual.
Imagen: puerta de antigua sinagoga, exhibida en Museo del Holocausto – Washington DC – EE.UU.
Tradução ao português: Portal Desacato.
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