Por Lívia Gimenes Dias da Fonseca*.
Os Megaeventos, que incluem a Copa do Mundo e as Olimpíadas que irão ocorrer no Brasil em 2014 e 2016, respectivamente, mobilizam as práticas de esporte, mas também as mais variadas práticas de violações de Direitos Humanos. A Revisão Periódica Universal da ONU, lançada em maio de 2012, questiona a violação de direitos humanos na preparação para Copa de 2014 em especial no que tange a reestruturação urbana que já tem provocado deslocamentos e despejos forçados1.
Em ritmo de Rio+20, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) já tem demonstrado preocupação com o impacto ambiental dos megaeventos. O PNUMA prevê que a Copa do Mundo gerará o aumento de 5,5 milhões de turistas, que visitam anualmente o Brasil, para em torno de 7,2 milhões, realizando campanha mundial para que os estrangeiros busquem opções de atividades turísticas de baixo impacto ambiental2. Todavia, a preocupação do movimento feminista está em relação ao impacto que este aumento do turismo pode realizar sobre os corpos das mulheres que são colocados como “ofertas” turísticas aos visitantes.
O turismo sexual se beneficia das facilidades oferecidas pela indústria do turismo (hotéis, bares, clubes noturnos, etc.) para servir a turistas nacionais e estrangeiros por meio da oferta de “pacotes turísticos” que incluem “promoções” de exploração sexual comercial de mulheres, crianças e adolescentes frequentemente vitimizadas pelo tráfico de pessoas.
A Fundação francesa Scelles apresentou recentemente estudo comprovando que essas grandes competições internacionais permitem que as redes criminosas “aumentem a oferta” de prostitutas. Na África do Sul, por exemplo, o número de prostitutas no país, estimado em 100 mil, aumentou em 40 mil pessoas durante a Copa do Mundo3. Outro exemplo, em março de 2012, a Procuradoria Especializada em Defesa da Criança e do Adolescente de Mato Grosso denunciou um sitio na internet denominado “Garota Copa Pantanal 2014” que divulgava vídeos e fotos de garotas menores de 18 anos em posições sensuais com camisetas promocionais alusivas ao torneio de futebol4.
Importante ressaltar que o enfrentamento à exploração sexual de mulheres não se faz coagindo as profissionais do sexo, isto é, culpabilizando as mulheres pelas violações de direitos a que são submetidas. Afinal, prostituição não é crime. O que se busca combater são a exploração e o abuso da vulnerabilidade em que, por vezes, se encontram essas mulheres.
Em todo o mundo, estima-se que, por ano, 2,5 milhões de pessoas sejam vítimas de tráfico de seres humanos, atividade que submete suas vítimas a cárcere privado, exploração sexual, trabalho escravo e venda de órgãos humanos5. Este crime afeta principalmente mulheres e meninas, que representam 79% dos casos6. O Estado de Goiás ocupa a primeira posição do ranking nacional de tráfico de pessoas. De acordo com dados de inquéritos apurados pela Polícia Federal, o estado goiano foi responsável, nesta década, por 140 (18,6%) dos 750 casos registrados em todo o País nesse período7.
O Distrito Federal também é uma importante rota da exploração sexual de crianças e adolescentes. De acordo com a Polícia Rodoviária Federal, a cada três dias é encontrada uma criança ou adolescente em situação de risco nas estradas que cortam a capital e o Entorno. Em 2011, houve 124 flagrantes em carros, bordéis e boleias de caminhão9.
Os dados do Disque Denúncia 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), referentes ao período de janeiro a fevereiro de 2011, demonstram que o sexo feminino corresponde à maioria das vítimas nas mais variadas formas de violência sexual praticadas contra crianças e adolescentes: são 80% das vítimas de exploração sexual, 67% de tráfico de crianças e adolescentes, 77% de abuso sexual e 69% de pornografia10.
O Pacto Nacional de Enfrentamento à violência contra a mulher obriga o Estado brasileiro a implementar campanhas e apoiar ações educativas permanentes que possibilitem a desconstrução dos mitos e estereótipos relacionados à sexualidade das mulheres e à naturalização da violência contra as mulheres; e que promova o enfrentamento à exploração sexual e ao tráfico de pessoas, principalmente nas cidades sede da Copa do mundo 2014 (eixo II, item 2 – f).
Para fiscalizar as ações do Estado e pressionar para que haja medidas efetivas de proteção aos Direitos Humanos estão sendo organizados diversos Comitês Populares da Copa e a temática da exploração dos corpos de mulheres, crianças e adolescentes não pode ficar de fora dessa vigilância11.
(1) Disponível em http://www.onu.org.br/revisao-periodica-universal-da-onu-questiona-direitos-humanos-na-preparacao-paracopa-de-2014
(2) Disponível em http://www.onu.org.br/rio20/pnuma-lanca-passaporte-verde-para-conscientizar-turistas
(3) Disponível em http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/01/120118_prostituicao_df_is.shtml, acesso em 04/06/2012.
(4) Disponível em http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2012/03/site-e-suspeito-de-usar-meninas-de-biquini-parapromover-copa-em-mt.html, acesso em 04/06/2012.
(5) Saiba mais em http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/tip/pub/cidadania_direitos_humanos_372.pdf
(6) Disponível em http://www.andi.org.br/infancia-e-juventude/pauta/trafico-de-pessoas-numeros-no-brasil, acesso em 04/06/2012.
(7) Disponível em http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI4801416-EI5030,00-Goias+lidera+o+ranking+de+trafico+de+pessoas+no+Brasil.html, acesso em 04/06/2012.
(8) Notícia “DF na fronteira da exploração sexual infantil”, do Correio Braziliense, de 01/06/2009, Cidades, p. 17. Em relação a estas denúncias, foi instalada em março de 2012, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Distrito Federal.
(10) Disponível em http://www.cet.unb.br/turismoeinfancia/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=143:18-de-maio-dia-nacional-de-combate-ao-abuso-e-a-exploracao-sexual-de-criancas-e-adolescentes&catid=13:noticias&Itemid=24, acesso em 04/06/2012.
(11) Saiba mais em http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php
*Doutoranda em Direito/UnB e integrante do projeto Promotoras Legais Populares do Distrito Federal (PLPs/DF).
Fonte: http://www.cfemea.org.br