Por Lucas Pasqual e Marina Empinotti.
Desde 2007, 104 projetos de lei que criam datas comemorativas foram aprovados pela Alesc
Os samurais catarinenses também foram homenageados pela Assembleia
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Escrevemos este texto em 25 de maio, Dia do Massoterapeuta. Mas você só vai ler em junho, quando esta edição do Zero circular. Pode ser dia 1º, da Liberdade de Imprensa, ou do Vinho (3), ou ainda no ?m do mês, 29, Dia da Pesca. O que essas datas têm em comum? São todas estaduais, criadas por deputados da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc), nos últimos cinco anos – e costumam passar em branco, à exceção, talvez, de um bombom do sindicato ou uma mensagem fofa no Facebook.
A Federação das Associações Empresariais de Santa Catarina (FACISC), que monitora as atividades parlamentares através do Deputadômetro, indica que cerca de 90% dos projetos de lei aprovados na Alesc são os chamados denominativos, ou seja, nomeiam escolas, ruas, dias e semanas. Lugares, de fato, precisam de nomes que sirvam como referência para encontrá-los – certas vezes como homenagem a ilustres falecidos – e essa é uma atribuição dos deputados. Mas dias e semanas precisam? Analisemos a questão diante dos dois argumentos, de referência e de homenagem. O primeiro cai quando olhamos o calendário e vimos que o mesmo dia homenageia várias ocasiões, como 11 de agosto, que divide as atenções aos Garçons e aos Pioneiros (“pessoas com um espírito desbravador e que se insurgem com novas ideias ou ideais” nas sábias palavras da lei). Imagine a festança na casa de um garçom pioneiro! A di?culdade aumenta quando são criados dias em âmbito estadual que já são comemorados nacional ou mundialmente. É o caso de 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra.
A Alesc aprovou em 22 de maio o Dia da Raça Negra no estado de Santa Catarina em – surpresa – 20 de novembro. Outras ideias não são bem-sucedidas no país, mas rapidamente concretizadas em solo catarinense. É o caso do nascituro, o embrião humano ?xado no útero. Foram menos de cinco meses entre a apresentação do projeto e a publicação no Diário O?cial. Por outro lado, o Congresso Nacional arquivou, após quase oito anos, o projeto que estabelece o Dia Nacional do Nascituro.
Outro ponto a ser observado é que um dia estadual tem repercussão, bem, em todo o estado. O do Manezinho, por exemplo, leva o termo popular que designa o nativo de Florianópolis a toda Santa Catarina. O autor do projeto, deputado Carlos Chiodini, re?ete: “Precisamos preservar o manezinho. Tem no oeste? Tem no sul? Não. É uma ?gura típica daqui. A tendência é que desapareça.” Fica a dúvida: como a população do extremo oeste catarinense pode ajudar a preservar algo típico do litoral ou, ainda, quem sairá da praia no dia 7 de janeiro para divulgar a ?gura no calorzinho de São Miguel do Oeste?
Estabelecer uma data comemorativa estadual também é visto, sobretudo pelos próprios deputados criadores, como uma homenagem a uma classe ou organização. Os samurais catarinenses, por exemplo, puderam celebrar pela primeira vez, em 24 de abril deste ano, um dia só seu, privilégio que nem o estado com maior contingente japonês, São Paulo, concedeu aos seus guerreiros.
Apenas 0,2% da população de Santa Catarina é descendente de japoneses (cerca de 12 mil pessoas), número que ultrapassa 1,2 milhão entre os paulistas. A maior colônia nipocatarinense está no municipio de Frei Rogério, no meio-oeste do estado, e é ela a citada na justi?cativa do projeto de lei que propôs o singelo tributo subtropical aos combatentes milenares do outro lado do oceano. O problema é que em Frei Rogério não tem samurai.
Os que se autodenominam samurais são os membros do Instituto Niten, praticantes do Kenjutsu (“a arte da espada samurai”), que prega também comportamentos do código dos combatentes como coragem, disciplina e honra. “Quem treina no Niten pode dizer ‘eu sou um samurai’, porque leva a cultura à risca e coloca em prática o pensamento samurai.” É o que a?rma Emerson Fujimura, coordenador do Instituto Niten de Florianópolis, o único do estado. É na capital, portanto, onde estão os samurais. Em Frei Rogério é praticado o Kendo, arte também desenvolvida pelos samurais, mas na qual Julia Yamamoto, da Associação Cultural Brasil-Japão de Núcleo Celso Ramos, nunca soube de nenhum praticante que se autodenominasse samurai. Fujimura a?rma que a referência indevida a Frei Rogério no projeto de lei foi somente por ser a mais forte comunidade nipônica do estado. E essa não é a única curiosidade. Dos dez parágrafos da justi?cativa, sete foram copiados do site o?cial do Instituto Niten – quatro ao pé da letra e outros três trocando ordem de palavras e tempos verbais. Outros dois parágrafos constam no projeto de lei, desta vez municipal, que instituiu o Dia do Samurai na cidade de São Paulo, em 2004.
As ideias para criar dias e semanas comemorativos nem sempre partem dos próprios deputados. No caso samurai, o Instituto Niten propôs. A negligência parlamentar na “elaboração” do texto e checagem dos dados contribuíram para divergências entre os próprios “homenageados”. No ?m das contas, quem mais é valorizado com esse tipo de lei é o deputado, que, apesar de ganhar o mesmo salário se não apresentar nenhum projeto, agrada aos proponentes, aparece na mídia e participa de celebrações. Pena que o Deputadômetro não faça mais seu ranking…
Veja o calendário completo dos dias comemorativos de Santa Catarina, criados pela Alesc nos últimos cinco anos no Zero Convergênciazeroconvergencia.ufsc.br
Lucas Pasqual [email protected]
Marina Empinotti [email protected]
Fonte: http://issuu.com/zerojornal/docs/zero_junho_2012
Foto: Imagem do filme “Seven Samurai”